Esporte

OPINIÃO | Sumô: a tradição que mostra como o esporte expressa uma cultura

O sumô é mais que competição, é um ritual que resiste ao tempo, preservado em cada gesto, em cada silêncio, em cada detalhe

Sumô: O que impera é disciplina, solenidade e respeito às origens (Ivan Martinho/Divulgação)

Sumô: O que impera é disciplina, solenidade e respeito às origens (Ivan Martinho/Divulgação)

Ivan Martinho
Ivan Martinho

Colunista

Publicado em 29 de setembro de 2025 às 15h51.

Tudo sobreJapão
Saiba mais

Na minha primeira visita ao Japão, vivi uma experiência que dificilmente vou esquecer: assistir, da terceira fila, a um torneio de sumô no Ryōgoku Kokugikan, a arena sagrada da modalidade em Tóquio, com capacidade para pouco mais de 11 mil pessoas. Ali, sentado no chão sobre uma almofada (zabuton, tradicional assento japonês), a poucos metros do dohyō (土俵, o ringue de argila e areia considerado território sagrado), percebi que estava diante de algo muito maior do que um simples evento esportivo.

O sumô é mais que competição, é um ritual que resiste ao tempo, preservado em cada gesto, em cada silêncio, em cada detalhe. Os símbolos estão por toda parte: nos cânticos entoados pelos yobidashi (anunciadores que chamam os lutadores ao ringue), nas vestimentas dos atletas , o mawashi, cinturão usado durante os combates , na postura solene dos árbitros (gyōji, juízes que conduzem a luta) e na reverência quase religiosa do público. Não há interação dos atletas com a torcida, não há comemorações espalhafatosas. O que impera é disciplina, solenidade e respeito às origens.

O calendário é imutável: seis torneios oficiais por ano (honbasho), cada um com 15 dias consecutivos de lutas. Tive a sorte de ver em ação os dois únicos Yokozunas (横綱, título máximo do esporte, reservado apenas a quem alcança excelência técnica e conduta exemplar). As lutas em si são rápidas, muitas vezes decididas em segundos, mas a preparação cerimonial que as antecede é longa e carregada de simbolismo

O contraste com as arenas esportivas ocidentais é evidente. No Kokugikan não há telões nem replays, o público vive o momento presente e guarda na memória aquilo que viu, sem filtros ou edições. Não há merchandising nem ativações comerciais ostensivas. Eu, provavelmente o único ocidental na arena, notei que a experiência é de contemplação, não de consumo. Os patrocinadores aparecem de forma discreta, em flâmulas chamadas kensho banners, que circulam em volta do dohyō antes de cada luta e a premiação é paga imediatamente, diante de todos, em um ritual simples e carregado de simbolismo.

Assistir de tão perto reforça essa imersão, os assentos próximos ao Dohyo não têm cadeiras: você se acomoda no chão, em um zabuton, cercado por tatames, sentindo cada vibração da luta, essa proximidade física com o dohyō e o desconforto proposital do assento reforçam a ideia de que o sumô não é entretenimento, mas participação em um ritual que atravessa séculos.

Tudo ao redor comunica tradição: Da música às roupas, da maneira como o árbitro movimenta o leque à reação contida do público, há um fio condutor que mostra que o sumô não sobrevive por acaso. Ele é guardado por uma sociedade que valoriza o passado e entende que preservar rituais é também projetar o futuro. Para quem quiser se aproximar mais desse universo, uma boa dica é a série “Santuário do Sumô”, disponível na Netflix, embora seja um drama de ficção, e não um documentário, ela retrata com intensidade o ambiente das academias, os rituais e as pressões que moldam a vida dos lutadores , uma forma acessível de mergulhar nesse mundo milenar.

Mas é preciso reconhecer: o modelo do sumô não é replicável. O mundo consome esporte de outra forma hoje, veloz, mediado por tecnologia, impulsionado por interações digitais e patrocinadores em busca de visibilidade imediata. O que funciona no Kokugikan só é possível porque está no Japão, um país que leva a tradição a sério, com uma população que respeita rituais e encontra valor neles. É cada vez mais raro ver esse mesmo comportamento no Ocidente, sobretudo entre as novas gerações.

Como gestor esportivo, a lição é clara: entender o contexto faz toda a diferença. Não se trata de copiar modelos, mas de interpretar a cultura em que o esporte está inserido. O sumô só existe assim porque é japonês e é justamente isso que o torna único. Para nós, fica a lembrança de que o esporte, em qualquer lugar do mundo, é uma das manifestações mais evidentes de uma cultura. E talvez, antes de buscar inovações a qualquer custo, devamos lembrar que são as raízes que dão sustentação a qualquer transformação.

Acompanhe tudo sobre:EsportesJapão

Mais de Esporte

São Paulo x Ceará: onde assistir, horário e escalações do jogo pelo Brasileirão

Jogos de hoje, segunda-feira, 29 de setembro, onde assistir ao vivo e horários

Paulo Soares, o Amigão da ESPN, morre aos 63 anos

GP de Singapura: descubra programação da F1 e onde assistir as próximas corridas