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Com pacote vendido em Brasil, Verde escapa de ano sem bater o CDI

Em meio à rara crise, virada de mão sobre condução da economia doméstica no segundo semestre rendeu frutos após a decepção com pacote fiscal nos dois últimos meses do ano

Stuhlberger:  (Patricia Monteiro /Bloomberg)

Stuhlberger: (Patricia Monteiro /Bloomberg)

Publicado em 9 de janeiro de 2025 às 12h33.

O lendário fundo Verde viveu dois momentos distintos em 2024.

Otimista com a chapa do PT na economia desde a eleição em 2022, o fundador Luis Stulhberger começou o ano comprado em Brasil falando que “enquanto Lula fosse chefe de Estado e Haddad fosse na prática o chefe do governo, o país estaria bem”.

O momento pivotal veio em maio, após o governo apresentar projeto de lei de diretrizes orçamentárias, quando o gestor fez um mea culpa público dizendo que se “penitenciava por ter acreditado que o PT teria seriedade fiscal”.  No mês anterior, o fundo tinha tido seu pior mensal em quase três anos, recuando 3,83%.

Num período difícil para a indústria de multimercados em geral, marcado por retornos fracos e uma debandada de recursos em direção à renda fixa, o cavalo de pau em relação a visão para o Brasil rendeu frutos parao multimercado, especialmente depois da frustração com o pacote fiscal em novembro.

Com um rendimento de 2,20% em dezembro puxado em parte pelo pacote short Brasil, foi apenas no último mês que o Verde conseguiu superar o CDI acumulado no ano. Fechou 2024 rendendo 12,10%, contra 10,87% do CDI.

É longe de ser um desempenho estelar, mas fez o Verde ao menos conseguir bater o benchmark, num ano em que a gestora se viu às voltas em uma rara crise. Nos seus 26 anos de existência, o fundo não conseguiu bater o DI apenas em quatro deles, em períodos como o crash de 2008 e 2014, quando a economia brasileira afundou.

Com R$ 20 bilhões sob gestão, contra o high de R$ 55 bilhões em 2021, em setembro, a Stulhberger teve que fazer cortes, reduzindo o quadro de pessoal de 74 para 60 pessoas.

“A humildade de saber avaliar a trajetória do governo fez ele alocar risco de forma mais organizada no local e não cair nas cascas de banana”, diz o chefe de alocação de um dos principais wealths do país. “Só com isso já conseguiu um carrego bom, por exemplo ao não ter as [NTN-]Bs nem long bolsa que ele sempre gostou.”

Na segunda metade do ano, o fundo passou a ficar zerado em bolsa e vendido em real.

Em novembro, reforçou o ceticismo, passando para uma posição vendida em ações locais – pela primeira vez desde 2016 – e intensificando a compra de dólar contra a moeda brasileira. Teve o seu melhor desempenho mensal no ano, rendendo 3,29%, contra 0,79% do DI.

No acumulado do ano, o livro de bolsa local ainda pesou, com o alpha negativo do primeiro semestre sendo um detrator do desempenho. Do lado oposto, as posições em moedas e em bolsa global contribuíram mais para o desempenho.

Na carta relativa ao fim do ano, divulgada hoje, Stulhberger reforça o ceticismo.

“A reiterada opção pelo populismo fiscal revelada em novembro cobra um preço alto, e se não fosse a forte intervenção do Banco Central no mercado cambial, teria sido maior ainda”, diz o documento.

E continua:

O modelo econômico de acelerador fiscal com freio monetário segue em direção ao muro, e embora os preços de vários ativos já embutam prêmios de risco bastante significativos, continuamos a manter um posicionamento mais negativo.”

A carta observa que os impactos inflacionários da desvalorização serão sentidos ao longo deste ano e forçarão o BC a levar os juros para “patamares que tinham ficado no passado”. O fundo segue liquidamente vendido em bolsa brasileira e no real.

Mais tático

A frustração do primeiro semestre e num ano marcado por inúmeras incertezas no cenário interacional fizeram a equipe do Verde ter uma “leitura mais reativa e menos de querer acertar o cenário”, diz uma fonte que acompanha de perto a gestora.

“Isso preservou capital e deu munição para poder ser tático e comprar de bitcoin a inflação nos Estados Unidos.”

A entrada em criptomoedas em outubro, com uma “posição pequena” antes da eleição de Trump, veio como uma boa surpresa. Na carta de dezembro, o time ressalta que segue com a alocação.

Em relação à economia americana, o Verde trocou sua posição em juro real para uma de inflação implícita.

“Em dezembro, o dólar se apreciou novamente, as taxas de juros longas subiram de maneira importante, e os mercados acionários perderam força. É uma combinação que aperta as condições financeiras e já embute expectativas importantes sobre novas tarifas, redução de imigração e continuidade de grandes déficits fiscais americanos”, diz o Verde na carta mais recente.

“Curiosamente, enquanto fala do Panamá, da Groenlândia e de outros temas menores, o presidente eleito tem ficado em silêncio sobre a China. Veremos até quando isso dura.”

O Verde segue vendido no renminbi chinês – e em dezembro, abriu também um short na rúpia indiana. Com os juros elevados, em crédito, a aposta é no mercado de high yield, tanto local quanto global. A posição em bolsa global, que rendeu bons frutos em 2024, foi reduzida.

Novos tempos

A Verde não foi a única casa a lucrar com a posição bear em Brasil – outros multimercados tiveram seus melhores desempenhos em tempos no último trimestre do ano passado. (Infelizmente, se tem algo que os gestores brasileiros conhecem bem são juros de dois dígitos e expectativa de inflação em alta...)

Mas com o fim da isenção aos fundos exclusivos que permitiam investir nos multimercados com o benefício e a competição com produtos de renda fixa isentos de IR, é praticamente consenso que a indústria está fadada a ser menor.

Na Verde, soma-se a isso o desafio de sucessão. O peso ainda recai em grande parte em Stulhberger – que, com os cortes na gestora, assumiu mais books e hoje é responsável por 80% do risco do fundo Verde, contra 70% anteriormente.

No admirável mundo novo para os multimercados, vai ser ainda mais difícil passar o bastão.

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