Mês teve início com o anúncio do tarifaço, e termina com o julgamento de Jair Bolsonaro, assuntos surpreendentemente relacionados
Economista
Publicado em 4 de setembro de 2025 às 16h28.
Última atualização em 4 de setembro de 2025 às 16h32.
Agosto teve mais atrapalhação do que desgosto, especialmente em razão das iniciativas de Donald Trump. O mês tem início com o anúncio do tarifaço, e termina com o julgamento de Jair Bolsonaro, assuntos surpreendentemente relacionados.
Bolsonaro é nominalmente citado na carta bomba de 9 de julho, que fixava em 1º de agosto o início da cobrança das novas tarifas sobre as importações americanas de produtos brasileiros. Como Jair Bolsonaro foi parar no tarifaço americano?
Quase no fim de mês, The Economist ofereceu uma resposta numa reportagem que ensejou uma capa espetacular, um instant classic, destinada ao mesmo lugar em que pode ser encontrada a que contém o Cristo Redentor decolando, e depois entrando em parafuso. É uma dessas imagens que diz tudo. Na verdade, como o paralelismo entre Trump e Bolsonaro possui mil ângulos, só uma imagem poderia capturá-los de forma integral.
O Brasil teve o seu 8 de janeiro, em 2023, e os EUA tiveram a invasão no Capitólio, a 6 de janeiro de 2021. Tudo muito perturbadoramente parecido. Porém com a diferença que, tempos depois, Donald Trump foi eleito presidente, com boa margem, com isso experimentando o “julgamento das urnas”, após o qual indultou todos os condenados pela invasão no Capitólio.
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Em contraste, Jair Bolsonaro encara um julgamento numa corte de Justiça com poucas chances de evitar uma condenação.
Claro que Trump “projeta” seu próprio enredo no que está se passando com Bolsonaro, sendo nesse terreno que se deve procurar uma explicação para o interesse no assunto e para a inserção de Bolsonaro, com nome e sobrenome, na carta bomba de 9 de julho.
Tenha-se claro que o tarifaço americano não foi contra o Brasil, nem foi feito por causa de Bolsonaro. Era uma medida geral, conforme explicada no que Trump designou de Liberation Day (2 de abril), com vistas a endereçar o déficit comercial americano e como proxy para uma depreciação do dólar que Trump não conseguiria produzir de forma unilateral.
Nas semanas que se seguiram os americanos foram “customizando” a medida, adaptando alíquotas e agendas conforme o parceiro. Parecia haver uma “carta padrão” e cada país a recebê-la teria acrescentadas as questões bilaterais, pequenas ou grandes, substanciais ou meramente midiáticas.
A carta para o Brasil teve muitos ingredientes políticos, foi impertinente como não costumam ser as cartas entre chefes de Estado, inclusive com certa tonalidade de “sanção” que jamais tinha sido adotada para o Brasil.
O Brasil recebia, naquele momento, a mais alta das tarifas cogitadas, o que parecia excessivo por mais que se quisesse estender o catálogo de vilanias e gafes da diplomacia brasileira. O envolvimento com os BRICS, as provocações de Lula sobre a “desdolarização do comércio exterior” e mais genericamente a diplomacia de Celso Amorim sempre caíram na conta do antiamericanismo inofensivo.
Dessa vez, entretanto, os americanos reagiram, e certamente de forma desproporcional. A primeira versão prática do tarifaço trouxe exceções, mas para menos da metade das exportações brasileiras para os EUA. As autoridades brasileiras amontoaram declarações sobre a necessidade de “negociações”, mas, apesar de abertos para muitos acordos, os americanos silenciaram diante dos acenos.
A má vontade se justificava pelo fato de que a diplomacia brasileira vinha funcionando como quem quisesse romper relações com Washington. A ausência de diálogo com Donald Trump e seu entorno não era propriamente acidental.
No passado, o presidente Lula teve boas relações com presidentes americanos republicanos, como George Bush. O pragmatismo de Lula chegava ao ponto de oferecer a Bush a “tecnologia do PROER” para resolver a crise americana de 2008.
Mas não foi assim com Trump. A 'diplomacia presidencial' brasileira dificultou essa aproximação. Que o diga o ministro Fernando Haddad, que nem conseguiu uma agenda com o secretário Bessent.
É claro que é perfeitamente possível construir pontes com Trump. Este terá que ser o esforço brasileiro nos próximos tempos.
O fato é que essas atrapalhações diplomáticas não necessariamente resultaram em desaprovação ou impopularidade do presidente. As questões diplomáticas, aos olhos do público brasileiro, misturaram-se às agendas da família Bolsonaro e às agruras do julgamento que se aproxima.
Ao longo do mês de agosto, o país acompanhou em detalhe a movimentação do deputado Eduardo Bolsonaro e discutiu um assunto novo, a Lei Magnitsky, um mecanismo de sanção geralmente aplicado a autocratas, e que foi aplicada ao ministro Alexandre de Moraes, personagem central da polarização política brasileira, o principal juiz do julgamento de Bolsonaro.
Esses assuntos do noticiário político tiveram repercussões inesperadas. Os mercados financeiros atentaram para as dificuldades dos bancos brasileiros se equilibrarem entre as determinações da lei americana, a Lei Magnitsky em particular, e a lei brasileira. O ministro Flavio Dino procurou esclarecer, e o assunto escalou, com repercussões relevantes no valor de mercado dos bancos brasileiros.
Tudo isso misturado ao assunto das tarifas, e da política fiscal brasileira. Foi um mês muito confuso para o ministro da Fazenda, que mal conseguiu algum espaço no noticiário.
Em meio a tudo isso, o impacto do tarifaço americano sobre os níveis de aprovação de Lula foram positivos. Não é difícil de entender: a reação nacionalista diante de uma agressão de potência estrangeira há sempre de favorecer a liderança do país atacado. O inimigo externo é uma fórmula clichê, mas consagrada para a popularidade dos políticos.
O problema aqui é o de equilibrar essa chama nacionalista que alimenta a popularidade de Lula com os riscos de uma confrontação com Donald Trump, de resultados imprevisíveis, mas provavelmente muito ruins.
Diante dessas incertezas, ao longo do mês de agosto, as respostas de Lula ao tarifaço foram mornas e cautelosas. As retaliações permaneceram no terreno das ameaças vagas e mesmo as declarações do presidente, que costumam revelar certo destempero, foram de um comedimento incomum.
No plano da política econômica, a resposta mais objetiva ao tarifaço foi o “Plano Brasil Soberano” foi lançado no dia 13 de agosto, com uma programação visual agressivamente verde e amarela e um rito de lançamento próprio de um evento de campanha eleitoral.
Era um pacote de R$ 30 bilhões, cujo custo fiscal estimado seria da ordem de R$ 9,5 bilhões, um “custo baixo”, segundo muitos analistas .
Nas falas de apresentação não faltaram analogias com as enchentes no Rio Grande do Sul do ano passado, ou seja, o Brasil estaria diante de uma emergência – um evento “exógeno” – que fez vítimas, que é preciso cuidar. “Ninguém vai ficar para trás”, declarou, solene, Aloizio Mercadante, o presidente do BNDES.
Era uma boa oportunidade de trazer o BNDES e a política industrial de volta à ribalta, mas num papel secundário.
Tudo considerado, a pompa foi muito desproporcional à substância, e há indícios de que será assim com tudo que sair de Brasília daqui em diante. Mas, provavelmente, o julgamento da trama golpista deve concentrar as atenções nas próximas semanas.