Rodolfo Chung, CEO da Memed: foco em dobrar receita e base de médicos que usam prescrições digitais (Divulgação)
Editor de Invest
Publicado em 3 de novembro de 2025 às 12h48.
A Memed achou que somar o seu negócio de prescrições digitais à venda online de medicamentos seria uma receita de sucesso. A healthtech, que está há mais de 20 anos no mercado, buscava formas de monetizar a base de usuários que construiu ao longo dos anos e cresceu de forma acelerada na pandemia. Ter o próprio e-commerce parecia a solução mais óbvia num momento em que os atendimentos médicos por teleconsulta institucionalizaram as receitas digitais e poucos saíam de casa para comprar remédios em lojas físicas.
Mas não demorou para a Memed perceber que estava prestes a navegar em um oceano vermelho. O varejo farmacêutico no Brasil não só é altamente pulverizado, como a concentração de poder econômico está em grupo seleto que detém milhares de farmácias por todo o Brasil, especialmente em centros urbanos. E tudo o que a Memed tinha, nesse sentido, era uma pequena farmácia de bairro, na zona sul de São Paulo, de onde saíam os medicamentos vendidos na plataforma Memed+. Uma empreitada que acabou não passando de um projeto piloto.
"Para nós, não era um modelo de negócio atrativo. O varejo farmacêutico é um setor que exige muita escala, para conseguir o melhor preço, seja ao adquirir o medicamento do fornecedor ou na venda para o cliente final. Ser um novo entrante, pequeno, é desafiador e exige muito capital", explicou Rodolfo Chung, CEO da Memed, ao INSIGHT.
Diferente de um e-commerce tradicional, em que os produtos saem de centros de distribuição, muitas vezes a centenas de quilômetros de distância de onde partiu o pedido, a venda online de medicamentos é um negócio que depende da proximidade. “O remédio as vezes está a alguns metros de quem faz o pedido. A capilaridade é importante”, admite Chung.
Era algo que a Memed definitivamente não tinha e que precisaria fazer um alto investimento para alcançar. A tese perdeu o sentido e, aos poucos, foi sendo descontinuada.
A Memed comprou a farmácia no Jabaquara em 2022 para atender a uma premissa regulatória. Por determinação da Anvisa, medicamentos vendidos online só podem sair de um estabelecimento farmacêutico físico autorizado pela vigilância sanitária. A healthtech já nem estava mais realizando vendas de medicamentos, mas manteve a loja aberta, funcionando em horário reduzido, até encontrar um comprador. E foi aí que o seu caminho cruzou com o do Mercado Livre.
O Brasil é o maior mercado do Meli e, justamente aqui, a companhia não possui um braço farma. No Chile e na Argentina, seu país de origem, a empresa está autorizada a vender medicamentos isentos de prescrição médica. No México, pode até comercializar remédios que precisam de receita. Tudo no modelo market place, o que, por hora, as normas brasileiras não permitem. Em especial aquela da Anvisa, que diz que, para chegar ao comprador, o remédio precisa, necessariamente sair de uma farmácia.
O Meli estava disposto a entrar numa briga da qual a Memed escolheu sair e comprou a farmácia do Jabaquara por um valor não revelado. Assim, a healthtech se livrou do único vínculo que ainda tinha com sua breve experiência no varejo farmacêutico para focar energias numa relação antiga: a que construiu com os médicos.
De acordo com a Memed, dois a cada dez médicos no Brasil utilizam o seu software, por onde são feitas, em média, 6,2 milhões de prescrições digitais por mês. O recorde foram 300 mil em um único dia. A healtech estima que o valor financeiro dos medicamentos prescritos pela plataforma ultrapassa os R$ 6 bilhões em um ano.
A meta da Memed é alcançar 300 mil médicos até 2029, um pouco mais que o dobro da base atual, que chegou a 140 mil no mês passado.
“O número de médicos no Brasil deve chegar a um milhão até 2030. É um setor muito aquecido e que tem muitos processos a evoluir”, afirma o CEO da healthtech. “Portanto é aí que vamos focar os nossos esforços”.
A empresa não revela quanto fatura, mas afirma que a receita vem dobrando ano após ano e a tendência se mantém até 2026. O software da Memed é gratuito para médicos e farmácias e não há previsão de que isso vá mudar tão cedo. A receita da healthtech vem de anúncios e conteúdos veiculados na plataforma, patrocinados, sobretudo, pela indústria farmacêutica.
“Temos a base de dados sobre medicamentos mais atualizada do Brasil”, diz Chung. A ideia, segundo o CEO, não é enviesar a escolha do medicamento que vai ser prescrito, mas dar embasamento para o que o profissional tome sua decisão. O software da Memed consegue, por exemplo, identificar se a interação entre diferentes medicamentos de uma mesma prescrição pode oferecer algum risco ao paciente.
Se o varejo farmacêutico se mostrou um mercado saturado, as prescrições digitais ainda respondem por 15% do receituário médico no Brasil, afirma Chung. Há espaço para crescer e competidores no páreo, como a Mevo, investida da Prosus, holding holandesa que é dona do iFood. No ano passado, a healthtech comprou um outro player do segmento, o Receita Digital.
A Memed se apresenta como “líder absoluta” em prescrição digital no Brasil e, ao menos por enquanto, não mostra ter apetite por aquisições. “A Memed está bem, consegue monetizar e o negócio está extremamente sustentável. O que a gente precisa é expandir a prescrição digital no Brasil”, conclui o CEO.