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NA SUA CESTA: A Latam descolou da concorrência e agora mira expansão regional

Companhia aérea passou a liderar mercado nacional, mas ainda lida com restrição de aeronaves e vê passagens mais caras por aumento de custos, diz Jerome Cadier, CEO da Latam Brasil

Jerome Cadier, CEO da companhia aérea Latam (Arquivo Pessoal)

Jerome Cadier, CEO da companhia aérea Latam (Arquivo Pessoal)

Raquel Brandão
Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 4 de julho de 2025 às 13h15.

Última atualização em 4 de julho de 2025 às 13h40.

Em 2020, a Latam ficou no centro dos holofotes e dos olhares desconfiados ao decidir entrar no processo de Chapter 11 nos Estados Unidos, similar à recuperação judicial no Brasil. Em 2022, após dois anos de negociação com credores na Justiça americana, a companhia saiu do Chapter 11 muito menos endividada — num mundo bastante diferente daquele da primeira metade de 2020, quando tudo parou por causa da pandemia.

Cinco anos depois, a Latam lidera o mercado aéreo na América do Sul e viu sua participação no Brasil crescer de 33% para 40%, enquanto as concorrentes Gol e Azul lidam com as sequelas da covid e o impacto do endividamento elevado num cenário de alta de juros – e conversam sobre uma potencial fusão que promete mudar a cara da aviação brasileira.

“Entrar no Chapter 11 foi um acerto fundamental para dar sustentabilidade à empresa. Esse processo nos permitiu reduzir a dívida, repensar a operação e estar preparados para a retomada do mercado e crescer mais do que quem está tendo de lidar com a dívida agora”, diz Jerome Cadier, CEO da Latam Brasil, em entrevista ao Na sua cesta, podcast do EXAME Insight.

A reestruturação deu confiança para a Latam projetar resultados mais fortes neste ano, mesmo com dificuldades macroeconômicas e ainda com escassez na indústria aeronáutica, que tem postergado a entrega de aeronaves e de novos motores. “Não sou tão otimista quanto à melhora das entregas no curto prazo. Ainda vamos viver dois ou três anos com dificuldades no setor, mas estamos prontos para operar com as restrições.”

Na contramão, mas no bom sentido

Ao ver o lucro líquido subir 38% no primeiro trimestre de 2025, a companhia foi na contramão de parte do mercado (inclusive das aéreas americanas) e revisou para cima suas projeções, com crescimento previsto entre 8% e 9% em passageiros transportados, acima da média do mercado.

Também prevê uma margem operacional ajustada entre 13% e 15% e um Ebitda ajustado entre US$ 3,4 bilhões e US$ 3,75 bilhões, um aumento em relação à previsão anterior de US$ 3,25 bilhões a US$ 3,6 bilhões.

Cadier mantém o otimismo com 2025, mas reconhece um ambiente marcado por “sustos”, como a volatilidade do preço do petróleo, conflitos internacionais e incertezas econômicas. Ainda assim, destaca a resiliência da economia brasileira e a capacidade da Latam de se adaptar a cenários adversos.

R$ 8 bi em impostos com a reforma

No mercado interno, há ainda algumas barreiras a serem superadas. Um dos pontos de atenção do setor é a reforma tributária, que pode aumentar significativamente a carga fiscal.

“Do jeito que o texto está hoje, os impostos vão ser multiplicados por três basicamente. A Latam paga em torno de dois bilhões e meio de reais por ano de impostos. Iria para quase oito bilhões. Mas não é a Latam que paga. Ela repassa e quem acaba pagando é o cliente final”, diz Cadier.

O aumento de custos e – por tabela – de preços das passagens pode derrubar a demanda brasileira em até 30%, nos cálculos da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata).

Uma preocupação que se soma à questão do IOF, que, apesar do Congresso ter derrubado o aumento, ainda deve ser tema de decisão do Supremo Tribunal Federal, já que o governo e sua base recorreram à corte para manter a elevação, deixando o setor em suspense. Os cálculos da Associação Brasileira das Empresas Brasileiras (Abear) indicavam um custo adicional para o setor de mais de R$ 600 milhões ao ano.

Malha aérea concentrada

Enquanto isso, o setor lida com o desafio de ampliar a malha aérea, ainda concentrada em cerca de 140 cidades, enquanto mercados como os EUA possuem mais de 400 conexões. No Brasil, a média é de meio voo por habitante. No Chile, país-sede da Latam, essa média é o dobro.

De acordo com o executivo, a expansão regional exige previsibilidade regulatória, parcerias com estados e municípios e soluções para tarifas aeroportuárias elevadas, além de políticas que viabilizem a operação em aeroportos menores.

Não basta abrir aeroportos, é preciso que haja uma equação de custo que funcione. “O Brasil tem muitos aeroportos, mas o custo de operar é alto, o combustível é caro, a tarifa de aeroporto é cara e muitas vezes não tem passageiro para encher o avião de forma rentável”, diz Cadier. “Tem de ter uma equação que funcione, senão você abre a rota e depois fecha.”

Embraer na frota?

Atualmente, a companhia opera 55 destinos do país e prevê terminar o ano com cerca de 60 destinos. Com o formato atual de sua frota, a companhia calcula ser possível operar entre 70 e 75 destinos, mais do que isso é preciso buscar aviões menores. Hoje a empresa opera aeronaves de toda a família Airbus para voos curtos e aviões Boeing 787 e 777 para os voos mais longos.

Para entrar em rotas regionais, a companhia estuda a utilização de aviões menores, o que passa por alternativas da própria Airbus ou mesmo da Embraer, mas tudo depende de ter volume para viabilizar a operação. “Não tomamos uma decisão ainda. Isso passa por ter uma política de combustíveis adequada, de impostos adequada, de infraestrutura que permita operações de menor custo. Temos sido muito cautelosos para não desarrumar a eficiência operacional que ganhamos.”

No radar, a fusão Azul e Gol

A questão da regionalização também deve entrar na análise regulatória de uma potencial fusão entre os concorrentes Azul e Gol. A discussão sobre o casamento das duas companhias esfriou com a entrada da Azul no Chapter 11, mas segue como uma possibilidade.

A combinação dos negócios não chegou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, mas o entendimento do CEO da Latam – e de parte do mercado – é de que não seja um caso de análise simples.

Segundo Cadier, a grande preocupação não está na concentração geral do mercado. Atualmente, há pouca sobreposição de rotas entre Azul (mais regional) e Gol – com rotas mais similares às da Latam.

“Minha preocupação está em alguns aeroportos, onde vai ser 80% uma companhia e 17% a 20% a outra. Aí já não tem mais vontade de concorrer, e é isso que o Cade vai olhar com atenção e considerar alguma medida de mitigação”, avalia o executivo.

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