Cartaz com imagem do presidente Donald Trump, em Washington (Mandel Ngan/AFP)
Economista
Publicado em 31 de maio de 2025 às 10h10.
Última atualização em 31 de maio de 2025 às 10h11.
Nos pouco mais de cem dias do seu segundo governo, Donald Trump conseguiu fazer com que seu nome dominasse as primeiras páginas de portais de notícias no mundo todo – o que faria com que um viajante no tempo perdido em 2025 desconfiasse que os Estados Unidos tenham virado uma autocracia.
Felizmente, nem tudo no mundo é sobre Trump, e nesse período aprendemos um pouco mais sobre suas intenções e seus limites.
O que segue é uma lista curta do que acreditamos ter maiores implicações para os mercados, nos meses passados e nos futuros.
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1. Há uma “Trump Put”, ainda que não seja claro onde está o preço de exercício
Um dos motivos para o choque em vários mercados após o “Liberation Day” foi a conclusão temporária de que, além de promover uma política de comércio internacional pouco coerente e autodestrutiva, Trump estaria disposto a ignorar os preços de ativos para perseguir objetivos de “longo prazo” (e materialização altamente duvidosa).
As tentativas noticiadas durante as reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI) de acalmar agentes de mercado e os posteriores recuos nas alíquotas indicam que movimentos de preços de ativos financeiros podem motivar recuos – só não sabemos ao certo se de ações, do dólar ou dos juros da dívida, nem a qual nível.
2. Cabe a Scott Bessent o papel de “adulto na sala”
O grau de “adaptabilidade” do Secretário do Tesouro para pregar convicções que confrontam a ortodoxia econômica e agradam o chefe é maior do que muitos (eu incluído) imaginavam no início do mandato.
Porém, Bessent foi o escolhido para representar os Estados Unidos nas negociações com a China e tem sido, dentro da equipe econômica, quem consegue ao menos falar a mesma língua que os mercados.
3. Mexer com a independência do Fed está fora dos limites
Um dos recuos mais importantes dos últimos meses foi o da ideia de contestar judicialmente o mandato de Jerome Powell e de seus colegas no conselho do Federal Reserve.
Sem isso, uma mudança no compromisso do Fed com o combate à inflação pode ocorrer apenas gradualmente, via as reposições de diretores cujo mandato expira nos próximos anos, sujeitas à aprovação do Senado. Sem uma maioria trumpista nos próximos anos, e a institucionalidade do conselho tem boas chances de prevalecer.
4. Este não é m governo que deve promover um grande ajuste fiscal
O pacote em discussão no Congresso implica a manutenção, até o final do mandato, de déficits nominais ao redor de 6% do PIB. Como em outros governos populistas pelo mundo, a política fiscal americana deve ser “acíclica”, sempre neutra ou estimulativa.
A ideia de Bessent de levar o déficit a 3% do PIB só seria materializada caso houvesse espaço para quedas de juros de curto prazo, que dependem do Fed independente. Com isso, é difícil antever uma desinclinação da curva, já que as emissões de dívida devem seguir em patamar historicamente elevado e as ações iniciais do governo acenderam a necessidade de diversificação para investidores globais.
Aqui também pode haver uma “Trump Put”, ou seja, um nível de juros longos que force o governo a mudar suas ações, mas ainda estamos testando em qual nível de taxa ela seria exercida.
5. Abrir mão do 'privilégio exorbitante' pode ser muito custoso
Por décadas, a demanda insensível a preços do resto do mundo por ativos em dólar ajudou a baixar o custo de financiamento para o governo dos Estados Unidos e suas empresas e consumidores, apesar de muitos anos de política fiscal pouco responsável.
O que convencionou-se chamar de “privilégio exorbitante” é visto por parte da administração como um custo, já que manteria o dólar supervalorizado e prejudicaria a competitividade das empresas americanas no comércio global.
Ainda não sabemos em que extensão isso será abalado, mas hoje vivemos à sombra de um aumento nos juros longos americanos que pode fazer o país sentir saudades do passado recente.
Por ora, Trump causou um choque maior que o da pandemia nos indicadores de incerteza econômica (que baseiam-se na incidência de termos associados à incerteza no noticiário).
Essa incerteza refletiu-se parcialmente nas pesquisas com empresários e consumidores (os indicadores “soft”, como PMI, ISM e de confiança), mas ainda não sabemos como afetará a atividade econômica em si.
Da mesma forma, ainda não está claro o impacto inicial das tarifas nos preços ao consumidor, já que os repasses dependem de, entre outros fatores, uma avaliação subjetiva do nível de tarifas que irá prevalecer no médio/longo prazo.
O aprendizado final desses primeiros meses é de que consensos de mercado, como o de que não havia alternativa a ativos americanos no início do ano, podem ter duração muito curta em meio a uma mudança na forma de operar do governo mais importante para o capitalismo global.
*Luciano Sobral é economista-chefe da Neo Investimentos.