O presidente Lula, durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York (Brendan Smialowski/AFP)
Economista
Publicado em 13 de outubro de 2025 às 14h52.
Última atualização em 13 de outubro de 2025 às 14h54.
O Brasil está em pleno emprego: o IBGE anunciou no dia 30 de setembro que o desemprego chegou a 5,6%, o menor patamar da série histórica, que se iniciou em 2012.
Mas a política fiscal continua fortemente expansionista, sem haver nenhum sinal de moderação quando se trata de gastos. Todo o esforço do ministro Haddad acontece no território dos impostos e está motivado pelos ideais de justiça distributiva do ministro e do presidente. Eles parecem achar que vão corrigir as desigualdades do Brasil alterando a legislação tributária.
Eles também alegam que miram no equilíbrio fiscal. Entretanto, através do chamado “arcabouço”, o governo inventou sua própria definição de equilíbrio fiscal, e se declara em conformidade com sua meta. Portanto, não há que se falar em desequilíbrio. E dessa forma um tanto autorreferenciada o governo declara que as contas fiscais estão sob controle e que a vida segue.
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Claro que essa lógica não é muito convincente e que o arcabouço não conta com muita credibilidade. Mas o governo insiste em pisar no acelerador fiscal e testar os limites.
As advertências dos economistas mais ortodoxos quanto “ao fiscal” não se mostram lá muito convincentes. Os limites foram testados nos últimos anos, e não aconteceu nada. O fracasso da Nova Matriz parece ter sido esquecido. Não se vê nenhum vestígio da recessão que se apresenta como a “prova” de que a Nova Matriz deu errado. O país está em pleno emprego.
Os livros-texto de economia indicam que estímulos fiscais para economias em pleno emprego tendem a gerar problemas: não seria surpresa que pressões inflacionárias se apresentassem. Mas não foi o que se observou em setembro. Houve certa moderação, quase que se pode se dizer que a inflação cedeu.
O presidente Lula de fato tinha estabelecido, em um discurso célebre de março de 2023, que certos gastos não são gastos, mas investimentos e, mais importante, “os livros de economia estão todos superados”.
Bem, há ao menos duas explicações boas para a moderação nos preços, na verdade as mesmas duas de sempre, juros e câmbio.
Claro que a política monetária fez a sua parte, e ninguém duvida que os juros de 15% estão produzindo efeitos. Inesperada é a ajuda que veio do câmbio. Desde o “Liberation Day” a conjectura dominante sobre o efeito das tarifas americanas gira em torno da inflação, aqui e lá.
Mas não foi o que se passou.
O objetivo dos americanos era desvalorizar o dólar, com o intuito de melhorar a conta corrente do seu balanço de pagamentos. Talvez o melhor caminho fosse o fortalecimento do renminbi. Mas o fato é que as tarifas se apresentaram como uma alternativa que podia ser implementada de forma unilateral pelos americanos, e com resultado talvez semelhante, ainda que com efeitos colaterais ruins.
Tudo considerado, os mercados fizeram antecipadamente parte do caminho que se imaginava para o dólar: nesse ano, o DXY perdeu cerca de 10%. O dólar não caiu esse tanto contra o renminbi, que não está na cesta do DXY. Mas o valor em dólares do SDR foi de US$ 1,3 para US$ 1,43, cerca de 10% de “desvalorização”.
Parece pouco para corrigir o déficit em conta corrente dos EUA, por isso, não é irrazoável que venha mais desvalorização do dólar, com a implementação das tarifas e/ou dos acordos sendo negociados em bases bilaterais. Há muita água ainda para correr debaixo dessa ponte, não se consegue conceber o próximo movimento de Donald Trump nesse jogo. Mas a direção parece ser a de enfraquecimento maior do dólar.
É o que os americanos querem e, curiosamente, é o que muitos não americanos também querem, e normalmente expressam esse sentimento afirmando que o “privilégio exorbitante” dos EUA está em vias de erosão.
Enquanto isso, no Brasil, os efeitos desse enredo foram certeiros e positivos. Ao menos por ora. O real se fortaleceu e não resta dúvida de que isso ajudou a domesticar a inflação brasileira. Por ora, portanto, o tarifaço americano – que está, ainda, numa fase “pré-operacional” – produziu o contrário de inflação no Brasil, e por essa ninguém esperava.
O Copom se reuniu em 17 de setembro e manteve a Selic em 15%. O Palácio permaneceu como estava, e como tem estado desde que Gabriel Galípolo chegou à presidência da autarquia, isto é, em silêncio. Ótima notícia. O presidente está em paz com o Banco Central, ainda que os juros sejam os maiores em 15 anos.
Pode-se dizer, portanto, que foi completada com sucesso a transição de liderança no Banco Central em estrita obediência à Lei Complementar 179, e foi integralmente mantida e prestigiada a política de metas para a inflação, seus ritos e sua lógica. Não é pouca coisa tendo em vista as objeções históricas do presidente e do PT à tese da independência do Banco Central.
Não esquecer também que essa transição bem-sucedida se dá em um ciclo de alta da taxa juros, quando tudo é mais difícil. Os envolvidos merecem todos os aplausos.
Mas há desafios logo a frente, um deles é o timing de início do ciclo de baixa. Poucos acreditam que vá ocorrer ainda nesse ano. Mas vai ficar muito tenso se o ciclo de baixa não ocorrer nas primeiras reuniões de 2026.
Há outros desafios ligados a problemas no terreno do sistema financeiro: em setembro, o Banco Central vetou a operação entre o Banco Master e o BRB (Banco Regional de Brasília), mas não introduziu nenhum regime especial.
Logo antes, uma operação da Polícia Federal tinha sido conduzida na REAG (“Operação Carbono Oculto”) com vistas a desmantelar um esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis e com a participação de fintechs e fundos de investimentos.
Setembro foi movimentado nos assuntos de regulamentação bancária. Mas só no terreno da conversa.
De igual modo, setembro foi movimentado na política. O julgamento no STF de Jair Bolsonaro foi transmitido ao vivo pela TV a partir do dia 2 de setembro. A cobertura da imprensa foi longa e engajada, com várias ocorrências bem achadas da palavra “histórico”.
A capa do “The Economist” sobre o assunto – com Bolsonaro usando um chapéu vicking em uma referência a um dos invasores do Capitólio nos EUA – era uma boa medida da repercussão internacional do julgamento.
No dia 12, veio a sentença condenando o ex-presidente e vários generais por tentativa de golpe de estado e mais outros crimes. Jair Bolsonaro pegou 27 anos e três meses de prisão.
Dia 16 a Câmara dos Deputados aprovou a chamada “PEC da Blindagem”, que seguiu para o Senado. Simultaneamente, a Câmara votou a urgência para um Projeto de Lei estabelecendo a anistia para os participantes dos atos de 8 de janeiro, talvez mesmo para os réus no julgamento no STF sobre a tentativa de golpe de estado.
O relator desse projeto, o deputado Paulinho da Força, definiu o projeto como de “dosimetria”, mas a articulação para uma anistia “light” não foi adiante. Depois de forte reação negativa, tanto em redes sociais como em manifestações de rua, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, no dia 24, arquivou a emenda da blindagem, e com isso não havia mais moeda política para pagar a conta da anistia.
Alheio a esses contratempos, e sem precisar levantar da cadeira, o presidente Lula viu seus níveis de aprovação melhorarem, invertendo uma tendência já persistente de desgaste. A repercussão do tarifaço americano e do julgamento do golpe favoreceu Lula, que deixou para trás essas polêmicas e foi discursar nas Nações Unidas no dia 22. Nada melhor do que viajar e se distanciar da crise.
Na sede da ONU, viu-se frente a frente com o presidente Trump por alguns segundos, mas foi o suficiente para Trump declarar que teve com Lula “uma química excelente”.