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Stuhlberger, do Verde: ‘IOF foi uma aula gratuita do que o PT pensa de nós’

Medida do governo serve de alerta para otimismo exagerado com os ativos locais, diz o gestor: "A Faria Lima não acredita que o PT vai ganhar. Mas, e se ele ganhar?"

Stuhlberger, durante o Investor Day do Verde: A Faria Lima não acredita que o PT vai ganhar. Mas, e se ele ganhar, o que esperar num futuro com gastos crescentes? (Natalia Viri/Exame)

Stuhlberger, durante o Investor Day do Verde: A Faria Lima não acredita que o PT vai ganhar. Mas, e se ele ganhar, o que esperar num futuro com gastos crescentes? (Natalia Viri/Exame)

Natalia Viri
Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 29 de maio de 2025 às 17h47.

Última atualização em 29 de maio de 2025 às 18h08.

‘Scary’ – ou, em bom português, assustador. Foi assim que Luis Stuhlberger, gestor do Fundo Verde, definiu o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) trazido na semana passada pelo governo Lula.

O superlativo ficou evidente na imagem escolhida para ilustrar o tema numa longa apresentação de duas horas sobre a economia global e doméstica no Investor Day do seu lendário multimercado.

Saíram os inúmeros gráficos detalhados utilizados para balizar todos seus argumentos para uma tela com símbolo amarelo de ‘tóxico’, onde se lia em letras garrafais: 'PERIGO, IOF'. (Os presentes não contiveram os risos.)

“É scary ver o que o PT realmente pensa. Foi uma aula de psicologia gratuita do que o PT pensa de nós aqui”, afirmou em alusão à plateia formada por investidores que se reuniam no Teatro B32, no prédio da Baleia, talvez hoje o símbolo maior da Faria Lima.

“Foi como dizer: ‘vocês ricos, fiquem com seus reais, vocês não têm que comprar dólar. Se quiser comprar dólar, paga um pedágio para mim’. É muito assustador.”

Na visão do gestor, a mudança deveria trazer uma precificação muito maior do risco de cauda de o PT vencer as eleições no próximo ano.

“A Faria Lima não acredita que o PT vai ganhar. Mas, e se ele ganhar, o que esperar num futuro com gastos crescentes?”

Ruim com o IOF, pior sem ele?

Segundo ele, hoje há dois fatores positivos quem podem impulsionar a bolsa brasileira.

Primeiro, o potencial fluxo de capital para fora dos Estados Unidos, que favorece os emergentes. O segundo é uma o cenário eleitoral, antecipando uma possível mudança na agenda econômica com maior responsabilidade fiscal.

O grande contrapeso contudo, vem da situação fiscal – um risco importante que o mercado está sendo ‘solenemente ignorado’.

“Além do otimismo natural, tem essa leitura de que se o Milei conseguiu fazer o que ele fez, o Tarcísio também consegue. Há um entendimento de que o fiscal ruim seria consertável por um novo governo”, pondera.

O Verde não compra a tese. Desde o ano passado, o fundo segue zerado na sua exposição em bolsa local – o que, inclusive, ajudou a retomar o desempenho positivo, depois de um tombo expressivo entre janeiro e abril do ano passado.

No acumulado em 12 meses, o Verde está rendendo 16%, bastante acima do CDI, justamente por ter zerado a posição em bolsa local que era o principal fator a puxar o desempenho negativo e ter voltado a apostar num pacote de hedge para a piora no quadro doméstico.

O gestor relativiza o bom desempenho da bolsa no começo deste ano.  Considerando o desempenho do Ibovespa desde 1º de outubro de 2024 – quando Trump era favorito, mas ainda não tinha ganhado as eleições, e antes de o governo Lula fazer as barbeiragens com o anúncio fiscal associado à isenção de IR que fez os investidores fugiram do risco –, o ganho da bolsa é de apenas 6%, em linha com o CDI do período.

Segundo ele, esse desempenho refletiu em grande parte uma redução do prêmio de risco para ações, que se correlaciona em boa parte com as pesquisas de popularidade de fevereiro, que começaram a mostrar um aumento acentuado na desaprovação do presidente Lula.

“O equity risk premium em 1º de outubro estava em 3,7%, que é exatamente a média de longo prazo dele. O desastre dos últimos três meses de 2024 levou o indicador ao pior nível da história, que é 4,9%. Hoje, esse indicador está em 2,7%, muito abaixo da média. Para mim, isso está muito bem precificado, por isso precisa de mudança estrutural para a bolsa andar.”

De volta ao IOF, o gestor é cético com a capacidade de o Congresso barrar as medidas anunciadas pelo governo.

“A verdade é que o Congresso nunca serviu de barreira para nada. Precisa ver se essa pressão toda não está só aumentando o preço do Centrão. Se a Argentina tivesse um centrão, ela não chegaria aonde chegou”, disparou.

Stuhlberger não descarta completamente a possibilidade de reversão das medidas – mas ainda assim segue preocupado.

“Aí se cria outro problema: sem esses R$ 30 bi a R$ 40 bi de receita voltamos a ter um problema fiscal e o governo não pode cortar gasto, ainda quer crescer. Então é ruim com o IOF e pior sem ele.

Aposta em inflação dos EUA – e ouro e bitcoin

Entre as principais posições no fundo está a aposta no aumento de preços na economia americana, por meio de contratos de swap de inflação de três anos.

Hoje, o que está embutido nos preços é que o choque das tarifas não deve se espalhar na economia – que deve se tratar de um efeito pontual e a própria desaceleração da economia e dos salários vai deixar os preços comportados.

Stuhlberger, contudo, não acredita que o efeito seja temporário. “Inflação é aquela caixa preta: basta um motivo – give me a reason – e culpe-se as tarifas para subir os preços. Isso tende a ser uma coisa mais duradoura. A história mostra isso e o mercado que precifica essas tendências errou horrosamente em 2021, 2022, 2023 e 2024”,  afirmou.

Ele recorre ao exemplo da Covid, lembrando que o próprio presidente do Fed classificou a inflação como “transitória” por quase um ano, antes de mudar de ideia. “Naquela época os Estados Unidos distribuíram dinheiro como nunca e fizeram um fiscal absurdo. Não é o caso dessa vez, mas algum fiscal teremos e não será pouco.”

Apesar da desvalorização recente do dólar, o gestor pondera que ainda há espaço para novas quedas – uma intenção patente do governo Trump.

“Nós tendemos a nos acostumar com esse padrão do dólar caro que está aí desde 2015, 2016. Mas, na verdade, se você olhar a história ele ainda está bastante caro”, diz.

Ele não aposta, no entanto, em novas altas do euro, que já considera num preço bastante justo considerando os patamares históricos e tomando-se por base os diferenciais de juros.

O maior espaço está na queda das moedas de mercados emergentes, afirma – real incluído.

Durante o evento, ele também abriu a participação de bitcoin e ouro, que hoje representam 3% e 2,5% da carteira, respectivamente.

“São esses dois ativos que ninguém gosta de falar porque ninguém tem e todo mundo está com ódio porque subiram loucamente. É aquele ativo que não se sabe para que vale, não rende juros, não se tem o que fazer com aquilo, no caso do ouro tem que pagar custódia para ter. Mas o fato é que eles não param de subir”, brincou.

O vale dos multimercados

Vindo de anos difíceis para a indústria de multimercados, que passaram por saques recordes desde o pico pós-Covid, Stulhberger fez questão de frisar o desempenho do Verde que superou o CDI em todos os anos desde 2022.

A média anual de retorno no período foi de 14,51%.

“É um número ok. É o que a gente gostaria? Não, gostaria de ter entregue um alfa maior que isso”, afirmou. “Mas ganhar do CDI todos os anos, especialmente nos anos de 2023 e 2024, que foram anos dificílimos para a indústria brasileira é uma mostra da nossa consistência.”

O Verde tem hoje R$ 17 bilhões sob gestão, contra o high de R$ 55 bilhões em 2021. Em setembro do ano passado, a casa teve que fazer cortes, reduzindo o quadro de pessoal à época de 74 para 60 pessoas.

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