Inteligência Artificial

A era da intimidade sexual com chatbots chegou

De bots que flertam a avatares pagos para fazerem o que o usuário quer, a indústria da IA avança sobre o terreno da intimidade humana e desafia governos, empresas e psicólogos a lidar com a nova fronteira do desejo digital

 (Exame)

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André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 21 de outubro de 2025 às 09h30.

Última atualização em 21 de outubro de 2025 às 10h15.

A era do sexo com robôs já não é uma projeção de ficção científica — é uma realidade de mercado, algoritmos e lucro. O avanço dos modelos de linguagem generativos e a popularização de plataformas que simulam conversas e afetos transformaram a intimidade em produto de assinatura. O que começou como experimentos de companhia virtual com o Replika, em 2017, hoje se consolida em ecossistemas complexos de interação emocional e sexual mediada por inteligência artificial.

A Character.ai, com mais de 20 milhões de usuários mensais, tornou-se um exemplo emblemático: ali, personagens inspirados em celebridades e animes são treinados para responder de forma “afetiva”. Apesar das regras contra conteúdo explícito, usuários contornam restrições para criar relações de natureza sexual ou romântica com suas criações.

Interface do site Character.ai: exemplos de chatbots criados por usuários, de personagens românticos e sombrios a figuras inspiradas em animes, que interagem com pessoas em conversas personalizadas por inteligência artificial.

Na outra ponta, Elon Musk transformou o tema em negócio. Sua startup xAI lançou os avatares Ani e Valentine, disponíveis mediante assinatura do chatbot Grok, em sua plataforma X. O avatar feminino se descreve como “flertante” e “uma namorada que está totalmente envolvida”.

Em testes feitos pela reportagem, que não serão exibidos na reportagem devido ao conteúdo que foi gerado pelas IA, mostraram que as conversas rapidamente assumem conotação sexual. A venda de “companheiros virtuais” com personalidades calibradas ao desejo do usuário marca uma mudança simbólica: a IA deixa de ser apenas ferramenta para se tornar sujeito de vínculo afetivo e de prazer.

Avatar feminino do Grok, chatbot da xAI:  criado em estilo de anime e promovido como “companheira virtual” em assinaturas pagas da plataforma X.

Especialistas alertam para os efeitos colaterais. Há relatos de menores de idade em contato com chatbots sexualizados e de adultos emocionalmente vulneráveis que projetam relações reais nas conversas com sistemas de IA. Em um caso extremo, um adolescente de 14 anos nos Estados Unidos se suicidou após desenvolver um “relacionamento” com um bot do Character.ai. A família move um processo que reacendeu o debate sobre os limites éticos dessas tecnologias.

Entre lucro, desejo e regulação

O crescimento desse mercado é impulsionado por dois vetores: a busca por novas fontes de receita em empresas de IA e a ausência de regulação clara sobre conteúdo erótico digital. O próprio Sam Altman, CEO da OpenAI, afirmou recentemente que a companhia passará a permitir “conteúdo erótico para adultos verificados”, sob o princípio de “tratar adultos como adultos”. É uma guinada pragmática para uma empresa que, até meses atrás, se orgulhava de não “aumentar números” por meio de produtos sexualizados — em clara crítica a Musk.

O movimento indica o início de uma disputa comercial pela monetização da intimidade. O Grok cobra a partir de US$ 30 mensais por seus avatares “companheiros”, enquanto outras plataformas oferecem planos premium que liberam interações mais explícitas. [grifar]A erotização da IA cria uma nova economia emocional, em que o afeto é programável e a solidão, rentável.

Psicólogos e especialistas em tecnologia reconhecem o potencial terapêutico de bots empáticos, mas alertam para a linha tênue entre companhia e dependência. “A IA responde o que o usuário quer ouvir, e isso cria uma bolha de validação emocional que pode se tornar perigosa”, afirma a pesquisadora americana Sherry Turkle, autora de Alone Together. Quando o desejo encontra um sistema que nunca nega, o limite entre a fantasia e a compulsão se apaga.

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