As gigantes de tecnologia gastaram cerca de US$ 80 bilhões em inteligência artificial (IA) no último trimestre, segundo balanços divulgados nesta semana. Para as empresas, é um sinal de que elas não querem ficar para trás, enquanto para os investidores, traz uma questão: até quando os gastos serão saudáveis?
A maior parte dos investimentos foi direcionada à construção de data centers e compra de chips de alto desempenho, com foco no treinamento e operação de modelos de IA generativa. O objetivo, para as big techs, é atender à crescente demanda por serviços de IA e manter a liderança em um setor que pode definir o futuro da tecnologia global.
Empresas como Meta (META), Microsoft (MSFT), Google (GOOGL) e Amazon (AMZN) deixaram claro que os gastos vão continuar subindo em 2026, impulsionados pela corrida para desenvolver modelos mais potentes e acelerar a entrega de produtos baseados em IA para bilhões de usuário.
Em meio à crescente demanda
Meta lidera em gastos, mas decepciona
As ações da Meta acumularam queda de 11,3% desde quarta-feira, 29, após a empresa sinalizar que seus investimentos em IA vão crescer de forma “notavelmente maior” em 2026, superando os US$ 72 bilhões totais previstos para este ano.
A empresa, que registrou receita de US$ 51,2 bilhões no trimestre, ainda não apresentou um modelo claro de retorno financeiro com IA.
Apesar da expansão no faturamento, o mercado reagiu com cautela à falta de prazos e resultados concretos. A companhia também registrou uma despesa recorde com pesquisa e desenvolvimento, equivalente a 30% da receita — o maior nível em dois anos.
Durante a divulgação dos resultados, o CEO Mark Zuckerberg afirmou que o foco da Meta é se antecipar ao cenário mais otimista possível. Caso os investimentos se revelem exagerados, a infraestrutura poderá ser redirecionada para as operações principais, como publicidade. Segundo ele, o maior risco seria “subinvestir”.
Google e Microsoft mostram mais confiança
Diferentemente da Meta, Google e Microsoft conseguiram apresentar resultados mais alinhados com os altos investimentos.
O Google anunciou que o Gemini já alcançou 650 milhões de usuários mensais, e que a receita com produtos empresariais de IA já chega a bilhões de dólares por trimestre.
A receita do Google Cloud subiu 34%, para US$ 15,2 bilhões, e o backlog da empresa com serviços de computação chegou a US$ 155 bilhões. A Alphabet revisou sua projeção de investimentos para este ano, de US$ 85 bilhões para até US$ 93 bilhões.
A Microsoft também aumentou suas despesas com IA, atingindo US$ 34,9 bilhões em investimentos no trimestre, 74% a mais do que no ano passado. A empresa afirmou que vai dobrar sua infraestrutura de data centers nos próximos dois anos, em resposta à alta demanda.
Amazon corre para atender a demanda
A Amazon, que divulgou resultados na quinta-feira, 30, abriu o Project Rainier, um complexo de data centers de US$ 11 bilhões onde rodam os modelos Claude da startup de IA Anthropic, em centenas de milhares de chips Trainium 2, desenvolvidos pela própria companhia. O movimento reforça sua disputa direta com Microsoft e Google na corrida por infraestrutura de inteligência artificial.
A empresa reportou lucro líquido de US$ 21,2 bilhões no terceiro trimestre, alta de 38%, impulsionado por um ganho contábil de US$ 9,5 bilhões com a valorização da Anthropic — e não por suas operações principais. A AWS, tradicional motor de lucros da Amazon, teve receita de US$ 33 bilhões, mas o lucro operacional cresceu apenas 9,6%, pressionado pelo aumento dos investimentos.
Com capital comprometido de US$ 8 bilhões na Anthropic, a Amazon também viu seu fluxo de caixa livre cair 69% em um ano, reflexo da alta nos gastos com infraestrutura, que chegaram a US$ 35,1 bilhões no trimestre.
As 'red flags'
A crescente preocupação com uma possível bolha no mercado de IA tem sido levantada por vários analistas e líderes do setor.
Entre os que alertam para o risco de uma sobrevalorização, está Jared Bernstein, ex-presidente do Conselho de Economia da Casa Branca, que vê os altos preços das ações e as avaliações extremas como sinais típicos de uma bolha prestes a estourar. Bernstein destaca que há um grande abismo entre os níveis atuais de investimento e as expectativas reais de lucros futuros.
Para ele, a relação entre o valor investido em empresas de IA e a realidade dos lucros futuros é insustentável, o que torna o mercado altamente especulativo.
A 'economia circular' das gigantes
Nos últimos meses, um número crescente de acordos entre as principais empresas de IA tem gerado preocupações sobre a criação de um sistema econômico fechado e interdependente na indústria.
As parcerias entre Nvidia, OpenAI, Oracle e outras companhias estão criando um ciclo de investimentos que, embora necessário para o rápido crescimento do setor, também levanta questões sobre a sustentabilidade e a transparência desses movimentos financeiros.
Esses acordos, muitas vezes considerados "circulares", envolvem transações em que as empresas investem umas nas outras, o que resulta em uma série de fluxos financeiros que, para analistas, podem inflar artificialmente as avaliações do mercado de IA.
Por exemplo, quando OpenAI investe na construção de data centers com Oracle, essa última acaba gastando uma parte significativa de sua receita com a compra de chips da Nvidia. Isso cria um ciclo de retorno de capital para a Nvidia, que, por sua vez, já tem grandes investimentos em OpenAI e outras startups de IA.
É bolha ou não?
Para Cathie Wood, CEO da Ark Invest, a atual onda de investimentos em IA não configura uma bolha, mas sim um impulso necessário para uma revolução tecnológica genuína.
Wood acredita que a IA tem um potencial disruptivo muito real e que, apesar das correções que possam ocorrer no curto prazo, os investimentos feitos hoje irão gerar resultados substanciais a longo prazo.
Para ela, a transformação impulsionada pela IA como uma mudança de paradigma em várias indústrias, e destaca que, para alcançar esses benefícios, as grandes empresas precisam passar por uma reestruturação significativa, o que ainda vai levar algum tempo.
De acordo com Wood, as expectativas de que a IA vá remodelar completamente setores como saúde, finanças e manufatura são realistas, e os gastos atuais são um "investimento necessário" para preparar as empresas para a transformação.
Para Wood, a IA está no início de uma revolução que pode durar décadas, e, por isso, os investimentos agora são fundamentais, mesmo que os retornos imediatos não sejam evidentes.