Inteligência Artificial

Na classe D e E, Morada usa IA para explicar o financiamento da casa própria a quem não sabe ler

Com grandes incorporadoras no portfólio, a tecnologia criada por Luís Veloso e Ramon Azevedo ganhou habilidades para conversar com brasileiros que não conseguem ler — para os guiar até a compra de um imóvel

Fundador da Morada.ai, Luís Veloso: aposta em IA por voz para tornar o Minha Casa Minha Vida mais acessível (Reprodução)

Fundador da Morada.ai, Luís Veloso: aposta em IA por voz para tornar o Minha Casa Minha Vida mais acessível (Reprodução)

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 6 de agosto de 2025 às 10h56.

Última atualização em 6 de agosto de 2025 às 11h01.

“O projeto que estão fazendo aqui em Luís Eduardo Magalhães é muito lindo. Uma maravilha.” A frase, dita com emoção, inicia uma das conversas mais longas já registradas pela assistente virtual da Morada.ai, uma startup que usa inteligência artificial para vender imóveis populares via WhatsApp.

Na tela, parece apenas mais um bate-papo. Mas, do outro lado da conversa, o que se desenrola é uma experiência real, vivida por uma moradora do interior da Bahia. Fernanda — nome fictício usado por questões de privacidade — é analfabeta e, embora tenha sido avisada diversas vezes de que falava com uma inteligência artificial, seguiu interagindo por dias com a assistente virtual MIA.

A cada áudio, recebeu explicações sobre valor de parcelas, localização do imóvel, subsídios e prazos. No fim, entendeu tudo o que precisava para decidir. O diálogo, que começou com fotos de um apartamento do programa Minha Casa Minha Vida, terminou com a certeza de se o valor do imóvel caberia no seu orçamento. Sem corretor, sem visita ao decorado, sem preencher nenhum formulário.

Essa cena é emblemática do que a Morada.ai se propõe a fazer. Criada em 2021 como spin-off da Kunumi — startup de IA vendida ao Bradesco — a Morada foi fundada por Luís Veloso e Ramon Azevedo, dois engenheiros que já haviam conduzido projetos de inteligência artificial para marcas como McDonald’s, C&A e Itaú. Ao migrarem para o setor imobiliário, escolheram atacar um gargalo pouco explorado: o atendimento automatizado para venda de imóveis novos.

A primeira ferramenta da empresa foi a MIA, um chatbot projetado exclusivamente para o mercado imobiliário. Ao contrário de soluções genéricas, a MIA foi treinada para lidar com as especificidades desse tipo de venda: simular subsídios, coletar documentos, filtrar interesses e, quando necessário, transbordar para o atendimento para um corretor humano. Em 2024, a MIA ganhou uma versão por voz — o MIA Voice — justamente para atender um público que, até então, estava excluído.

“Você pode ter a IA mais poderosa do mundo, mas se mandar texto, essa pessoa não entende”, diz Veloso. “A voz foi a única maneira de romper essa barreira.”

Voz, empatia e dados: como vender para quem nunca teve acesso

O caso da Fernanda não é exceção. Em conversas reais, a MIA Voice interage com usuários que contam da rotina, da família, do bairro. “É gente que quer conversar também, não só comprar”, resume Veloso. A startup chegou a criar limites para impedir que a assistente virasse confidente. Ainda assim, algumas interações duram mais de uma hora.

Por trás dessa dinâmica está um sistema que coleta dados de perfil, integra com CRMs das construtoras e realiza desde a simulação de financiamento até o agendamento de visitas. Tudo sem exigir leitura. “Não se trata apenas de acessibilidade digital, mas de compreensão financeira e emocional do processo de compra”, afirma Veloso.

Segundo a Morada, a MIA é capaz de responder com naturalidade a áudios, gírias e até sotaques regionais. “Hoje, a avaliação da MIA é superior à média de um atendimento humano”, afirma Azevedo, CEO da empresa.

O Minha Casa Minha Vida, relançado em 2023 como principal política habitacional do país, concentra boa parte desses atendimentos. Para famílias com renda de R$ 2.500, valores como R$ 200 mil ainda são abstratos. Explicar isso exige mais que uma calculadora: exige um esforço de tradução social.

Dados, escalabilidade e investimento

A Morada.ai já atende quase 100 incorporadoras em 17 estados, incluindo empresas como Cyrela, Direcional e Patrimar/Novolar. Até hoje, a MIA já trocou mais de 12 milhões de mensagens com quase meio milhão de pessoas. A empresa afirma que já registrou crescimento de mais de 400%.

Em junho, a startup registrou 170 mil atendimentos no mês — um salto frente aos 123 mil de maio. A projeção é de que, até setembro, a MIA terá interagido com 1% da população brasileira.

Para dar conta desse avanço, a empresa fechou em 2024 uma rodada de investimento de R$ 6 milhões, liderada pela Nexus Empreendimentos e com participação de grupos do setor imobiliário. Parte dos recursos está sendo usada para expandir a equipe e aprimorar a engenharia de prompts e modelos de linguagem.

“Ao focar em um nicho específico, a IA consegue ser mais precisa e eficaz”, explica Veloso. “A MIA aprende com cada conversa. E ensina os incorporadores a entender melhor seus próprios clientes”.

Embora use modelos de grandes fornecedores — como OpenAI e Google — a Morada desenvolve internamente seus agentes especializados, entre eles, um responsável por ajustar a linguagem da IA conforme o tipo de público ou imóvel. Um assistente para o Minha Casa Minha Vida não responde igual ao de um apartamento de luxo. E não deve.

A startup mantém parceria com a UFMG, onde financia projetos de pesquisa com bolsistas de graduação e doutorado. Parte do time técnico foi formada internamente — desde o primeiro estagiário, hoje líder de projeto, até os engenheiros que operam a arquitetura da MIA. Atualmente, a Morada.ai tem cerca de 50 funcionários e prepara uma nova rodada de crescimento.

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