Chief Artificial Intelligence Officer da Exame
Publicado em 17 de junho de 2025 às 13h52.
A London Tech Week, encerrada há poucos dias, reuniu 45 mil inovadores na antiga estação Olympia, em Londres, para discutir do clima à computação quântica, passando é claro por Inteligência Artificial. Estive lá acompanhando tudo e foi num painel sobre neurotecnologia que o silêncio se instalou na plateia: Willem, diretor da InBrain Neuroelectronics, descreveu como eletrodos de grafeno do tamanho de um glóbulo vermelho estão aprendendo a “ler e escrever” no córtex humano.
A proposta da InBrain é simples e radical: transformar o cérebro em uma interface programável. Hoje, o foco é o Parkinson — doença neurológica que mais cresce no mundo, mas o princípio vale para várias condições: epilepsia, sequelas de AVC, distúrbios motores.
Diferente das tecnologias atuais, que usam eletrodos rígidos e imprecisos, a InBrain aposta no grafeno. Ele permite construir sensores ultrafinos, flexíveis, que se adaptam ao tecido cerebral e transmitem sinais com maior clareza. Combinado à inteligência artificial, esse sistema não só detecta padrões anormais como também reage a eles em tempo real. É como se o chip pudesse corrigir um erro antes que o sintoma apareça.
Essa não é apenas uma história científica, é um negócio. E dos grandes. A InBrain levantou US$ 50 milhões no fim de 2024, somando US$ 68 milhões em investimentos desde sua fundação. Recebeu o selo de "dispositivo inovador" da FDA, o que acelera sua entrada no mercado americano. E já iniciou testes clínicos no Reino Unido com pacientes reais.
O plano é lançar o primeiro produto em 2026: um sistema de mapeamento cerebral de alta precisão para apoio em cirurgias neurológicas. A partir daí, a plataforma pode ser expandida para tratamentos contínuos, com atualizações de software baseadas em dados do próprio paciente.
Essa é uma das apostas mais concretas que eu já vi na fronteira entre medicina e computação.
O pano de fundo é ainda mais amplo. A inteligência artificial já transformou a forma como diagnósticos são feitos e medicamentos são desenvolvidos. Cerca de 66% dos médicos nos EUA usam IA em alguma etapa da prática clínica. O mercado global de IA na saúde deve crescer mais de 500% até 2030, chegando perto de US$ 190 bilhões.
Mas o que empresas como a InBrain apontam é um novo estágio: quando a IA não apenas interpreta dados, mas passa a operar dentro do corpo, corrigindo falhas, prevenindo crises, otimizando terapias. A medicina se torna software. E o corpo, uma interface.
Curiosamente, é a Europa que está puxando essa frente. Enquanto os EUA lideram com nomes como Neuralink e Synchron, a InBrain representa uma tentativa europeia de protagonismo. A startup surgiu a partir do programa Graphene Flagship, conta com apoio público espanhol e firmou parceria com a gigante farmacêutica Merck KGaA. Recentemente, recebeu uma subvenção de €4 milhões para acelerar a produção de chips de grafeno.
Essa movimentação revela um esforço mais estratégico do que se vê em outras áreas tecnológicas: consolidar soberania científica e industrial em um campo promissor, mas ainda aberto.
É fácil olhar para uma startup que grava sinais no cérebro e pensar que estamos falando de algo distante, ficção científica. Mas a verdade é que o caminho já começou a ser pavimentado: com capital, com regulação, com aplicação clínica.
O futuro da saúde está cada vez menos nos hospitais e cada vez mais na nuvem, nesse caso, no próprio cérebro.