Invest

Efeito Cantillon: o que é, como funciona e relação com a inflação

Entenda o que é o efeito Cantillon, como funciona na economia e por que ele ajuda a explicar a inflação desigual

Para investidores, entender o efeito Cantillon significa poder antecipar movimentos de mercado baseados em políticas monetárias. (imagem/Getty Images)

Para investidores, entender o efeito Cantillon significa poder antecipar movimentos de mercado baseados em políticas monetárias. (imagem/Getty Images)

Luanda Moraes
Luanda Moraes

Colaboradora

Publicado em 5 de outubro de 2025 às 18h00.

Quando o Banco Central injeta dinheiro na economia, quem se beneficia mais? A resposta não é aleatória. Um padrão estabelecido há anos mostra que aqueles que recebem o dinheiro primeiro compram ativos baratos e acumulam riqueza, enquanto trabalhadores recebem por último, quando a inflação já corroeu o poder de compra.

Esse mecanismo tem nome, e trata-se do efeito Cantillon. A teoria econômica explica o fenômeno que o Brasil viveu após 2014, quando R$ 1 trilhão em liquidez fez o patrimônio do 1% mais rico crescer 50%, ao mesmo tempo em que salários reais caíram 10%.

O que é o efeito Cantillon

O efeito Cantillon descreve como o dinheiro novo injetado por bancos centrais não se distribui igualmente pela economia, mas percorre um caminho hierárquico específico. Os primeiros a receber esse dinheiro conseguem usá-lo antes que os preços subam, enquanto os últimos só o recebem quando a inflação já corroeu seu valor.

Na prática, isso significa que quando há expansão monetária, bancos e instituições financeiras próximas ao Banco Central acessam liquidez primeiro. Em seguida vêm grandes empresas com acesso privilegiado ao crédito, depois médias empresas, pequenos negócios e, por fim, trabalhadores por meio de salários e benefícios que chegam com meses de atraso.

Essa sequência temporal cria uma transferência de riqueza silenciosa, mas influente. Dessa forma, a inflação resultante não é apenas um fenômeno monetário neutro, mas um mecanismo que sistematicamente beneficia quem está mais próximo da fonte do dinheiro novo em detrimento dos mais distantes.

Como funciona o efeito Cantillon na prática

Para visualizar o mecanismo, considere o que ocorre quando o Banco Central corta juros drasticamente e expande a base monetária. Os grandes bancos imediatamente acessam essa liquidez barata e a direcionam para seus melhores clientes: fundos de investimento, empresas de primeira linha e investidores qualificados.

Esses agentes privilegiados então usam o capital barato para comprar ativos reais antes que o mercado precifique a nova oferta de dinheiro. A medida que esse dinheiro circula, os preços começam a subir devido ao aumento da demanda, mas essa alta não é uniforme: primeiro sobem os preços de ativos financeiros, depois imóveis, em seguida commodities e, por último, bens de consumo e salários.

O caso brasileiro pós-2014 ilustra perfeitamente esse processo. Bancos que receberam o trilhão em liquidez adicional especularam com títulos públicos e financiaram grandes empresas. Quando esse dinheiro finalmente chegou à economia real, a inflação já havia disparado, corroendo o poder de compra de quem vive de salário.

Quem foi Richard Cantillon e a origem do conceito

Richard Cantillon foi um banqueiro e economista irlandês que viveu entre 1680 e 1734, período marcado por grandes descobertas de ouro e prata nas Américas. Em seu livro "Essai sur la Nature du Commerce en Général", publicado postumamente em 1755, ele fez uma observação revolucionária sobre os efeitos desse influxo monetário na Europa.

Cantillon notou que, quando metais preciosos chegavam aos portos europeus, os primeiros beneficiados eram sempre os mesmos, sendo eles os nobres, grandes comerciantes e banqueiros com conexões diretas com o comércio colonial. Esses grupos enriqueciam comprando terras e bens antes que a inflação se espalhasse pela economia.

Já os camponeses e trabalhadores urbanos, últimos a ver esse ouro por meio de eventuais aumentos salariais, enfrentavam preços já inflacionados. Três séculos depois, a observação de Cantillon permanece aplicável às políticas monetárias modernas, apenas substituindo ouro por liquidez digital criada pelos bancos centrais.

Relação entre efeito Cantillon e inflação

O efeito Cantillon revela que inflação não é apenas um aumento geral de preços, mas um processo de redistribuição de riqueza disfarçado de política econômica. Quando novo dinheiro entra na economia, ele não causa inflação uniforme e simultânea, mas cria ondas inflacionárias setorizadas que se propagam desigualmente pelo sistema.

Ativos financeiros experimentam inflação primeiro, seguidos por imóveis, depois commodities e finalmente bens de consumo e serviços. Essa sequência explica por que o IPCA oficial pode parecer controlado enquanto ações e imóveis disparam, criando a falsa impressão de que não há inflação significativa.

Para o trabalhador médio, a inflação chega por último, mas de uma forma mais pesada — quando finalmente recebe algum ajuste salarial, todos os preços já subiram, resultando em perda permanente de poder de compra.

Efeito Cantillon e o ciclo econômico de juros

O ciclo econômico moderno amplifica ainda mais o efeito Cantillon através das políticas de juros dos bancos centrais. Durante fases de expansão monetária, instituições financeiras acessam capital praticamente gratuito, direcionando-o para ativos de risco e criando bolhas especulativas.

Quando a inflação resultante força o banco central a subir juros, pequenos tomadores e consumidores são atingidos primeiro e com mais força. Grandes corporações, já capitalizadas durante a fase expansiva, conseguem atravessar a contração com menos danos, muitas vezes até comprando concorrentes enfraquecidos a preços depreciados.

Esse padrão cíclico de expansão e contração monetária sistematicamente transfere riqueza dos pequenos para os grandes agentes econômicos, explicando parte significativa da crescente concentração de renda observada tanto no Brasil quanto globalmente.

Exemplos do efeito Cantillon no Brasil e nos EUA

Nos Estados Unidos, após a crise de 2008, o Federal Reserve injetou US$ 4,5 trilhões através dos programas QE1, QE2 e QE3. Bancos como Goldman Sachs e Citigroup receberam esses fundos a juros próximos de zero e os usaram para comprar ativos desvalorizados. O resultado foi: o S&P 500 subiu 300% entre 2009 e 2020, gerando US$ 20 trilhões em ganhos para investidores.

Enquanto Wall Street celebrava, o restante da população encarava um cenário completamente diferente. O desemprego chegou a 10%, os preços de alimentos subiram 15%, mas os salários permaneceram estagnados. O patrimônio do 1% mais rico cresceu 50%, enquanto o dos 50% mais pobres caiu 20%, elevando o índice de Gini de 0,40 para 0,42.

No Brasil pós-2014, o padrão se repetiu com números igualmente impressionantes. A injeção de R$ 1 trilhão via redução de compulsórios bancários beneficiou principalmente bancos que especularam com títulos públicos. O resultado foi que o patrimônio dos mais ricos cresceu 50% através de ações e imóveis valorizados, enquanto trabalhadores perderam uma década de ganhos reais.

Por que o efeito Cantillon importa para investidores

Para investidores, entender o efeito Cantillon significa poder antecipar movimentos de mercado baseados em políticas monetárias. Quando há sinais de expansão monetária, saber que ativos financeiros subirão antes de bens de consumo oferece uma vantagem estratégica crucial para posicionamento de carteira.

Mais importante ainda, esse conhecimento ajuda a identificar o timing correto para realizar lucros. Reconhecer quando a inflação está migrando de ativos financeiros para bens de consumo sinaliza o fim do ciclo de alta e momento de buscar proteção. Investidores que compreendem essas transições evitam o erro clássico de comprar no topo e vender no fundo.

Por fim, o efeito Cantillon ensina a lição fundamental que aponta que em períodos de expansão monetária, não investir é garantia de empobrecimento relativo.

Acompanhe tudo sobre:Guias de conteúdoGuia de Investimentos

Mais de Invest

Ozempic sem injeção? Pílulas podem desbancar as famosas canetas, diz Novo Nordisk

Fundador do Peixe Urbano explica por que a 'febre de 2010' chegou ao fim

Prêmio de risco: o que é e por que importa para os seus investimentos

Novo IR propõe alíquota de 10% sobre dividendos de R$ 50 mil — mas valor pode ser ressarcido