Bolha: Novo Nordisk, fabricante do medicamento Ozempic, viu suas ações caírem 60% em 12 meses (Steve Christo - Corbis/Getty Images)
Repórter de finanças
Publicado em 30 de julho de 2025 às 11h58.
A Novo Nordisk pode estar perdendo o controle do mercado contra obesidade que ela mesmo criou – pelo menos é isso o que indicam as suas ações. “Emagrecimento” do guidance, demissão do CEO e preocupações com a concorrência: todo esse emaranhado de fatores levaram a uma perda de mais de 20% no valor dos papéis da empresa, só esta semana. Nos últimos 12 meses, as ações saíram da casa dos US$ 128 para a faixa dos US$ 50 nesta quarta-feira, 30, um derretimento de cerca de 60%.
Conhecida pelos medicamentos Ozempic e Wegovy, a empresa virou febre mundial com suas canetas injetáveis que atuam na perda de peso. A eficácia do Wegovy, da Novo Nordisk, e do Zepbound, da Lilly, sua concorrente, levou investidores e analistas a projetarem vendas gigantescas para os dois medicamentos.
Com um mercado potencial de pessoas obesas e com sobrepeso ao redor do mundo, a Novo Nordisk se tornou a queridinha de muitos mercados por um tempo, chegando a se tornar a empresa mais valiosa da Europa. No auge do Ozempic, a empresa chegou a valer R$ 428 bilhões, quase o dobro do valor atual, e ultrapassar o grupo de luxo francês LVMH.
A perda de valor da companhia ocorre à medida que investidores estão percebendo que os medicamentos contra obesidade enfrentam mais desafios do que imaginavam, e que as expectativas de faturamento estavam exageradas. As preocupações sobre a concorrência, que vem pesando há meses nos negócios, levaram à demissão do CEO Lars Fruergaard Jorgensen e chegaram ao guidance da companhia.
O corte foi expressivo. A Novo Nordisk reduziu o crescimento de vendas divulgado em maio, de 13% a 21%, para uma faixa de 8% a 14%, em 2025. Inicialmente, a projeção era ainda mais ambiciosa: entre 16% e 24%. O guidance de crescimento do lucro operacional foi rebaixado para uma faixa entre 10% e 16%, abaixo da estimativa anterior, que ia de 16% a 24%. De acordo com dados da FactSet, o consenso de mercado apontava para um avanço de 13% nas vendas, o piso das projeções da empresa, totalizando 328 bilhões de coroas dinamarquesas (DKK) em 2025.
“Reduzir o guidance é algo que tratamos com a máxima seriedade”, afirmou Helge Lund, presidente do Conselho da Novo, em teleconferência com a imprensa. “Apesar disso, a Novo Nordisk lançou uma série de investimentos estratégicos e iniciativas comerciais, e já estamos observando sinais iniciais positivos que sustentam nossas novas projeções.”
Este foi o segundo corte na previsão de receita neste ano e, segundo a companhia, foi motivado pela menor expectativa de crescimento no segundo semestre no mercado dos Estados Unidos. Trata-se, justamente, da queda na previsão de vendas, devido à concorrência persistente de versões genéricas manipuladas de seu blockbuster para perda de peso, o Wegovy, mesmo após a atuação de reguladores para restringir esse mercado.
A Novo diz que a versão do medicamento feita em farmácias de manipulação continua sendo produzida em larga escala mesmo após a Food and Drug Administration (FDA), a Anvisa dos EUA, determinar que a produção do Wegovy manipulado fosse suspensa. “Na verdade, estamos vendo o mesmo volume de antes no mercado: cerca de 1 milhão de pacientes usando produtos manipulados”, disse Lund.
Mas, para analistas, o corte no guidance chama a atenção e vai muito além da venda de produtos manipulados. “A magnitude do corte na produção é chocante”, disse Markus Manns, gestor de portfólio da empresa de fundos mútuos Union Investment, acionista da farmacêutica, à agência Reuters. Segundo ele, o “buraco é mais embaixo” do que a venda de cópias ilegais.
A odisseia do novo CEO também afeta as ações. A empresa informou que Maziar Mike Doustdar, executivo de carreira na própria Novo Nordisk, será o novo CEO no lugar de Jorgensen. Responsável pelas operações internacionais da companhia, Doustdar foi uma escolha inesperada. Em meio às dificuldades recentes, o mercado esperava que a Novo recorresse a um nome de fora para liderar a próxima fase da empresa. Os desafios, então, ficam nas mãos daquela que será o sexto CEO da Novo e o primeiro não dinamarquês a liderar a empresa em seus 102 anos de história.
Agora, cabe a farmacêutica dinamarquesa provar que consegue acompanhar o ritmo da rival americana Eli Lilly, que também fabrica o antidiabético Mounjaro. Num horizonte próximo, o mercado deve ficar ainda mais competitivo, com diversas outras empresas desenvolvendo seus próprios medicamentos para perda de peso, após a queda de patentes.
“Acredito que estamos muito bem posicionados com nossa capacidade de produção, nossa ciência, nossas atividades comerciais e nosso reconhecimento de marca para conquistar cada vez mais espaço neste mercado”, disse Doustdar.