Mercados

O dia em que a bolsa surtou

No último dia 6, o mercado financeiro americano teve uma das mais bruscas desvalorizações da história - até agora, ninguém sabe o que aconteceu

Operadores no pregão da bolsa de Nova York: "As máquinas estão no comando" (.)

Operadores no pregão da bolsa de Nova York: "As máquinas estão no comando" (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Desvalorizações repentinas, quedas violentas e ondas de pânico fazem parte do jogo para quem investe em ações. As sessões mais famosas da história da Bolsa de Valores de Nova York são aquelas em que o dia começou bem e terminou muito mal: a Quinta-Feira Negra, em 1929, e a Segunda-Feira Negra, em 1987. Em 13 de outubro de 2008, aconteceu o contrário. Em apenas um dia, em meio à crise pós-Lehman Brothers, a bolsa teve uma valorização de 11%. Pois o último dia 6 de maio entrou nessa lista de dias históricos do mercado financeiro americano - e será lembrado como o dia em que a bolsa surtou. Até por volta das 14h30, aquele era um dia normal. Influenciados pela crise do euro, os investidores vendiam suas ações e o Índice Dow Jones caía cerca de 300 pontos. A partir daí, e sem nenhuma justificativa aparente, as ações começaram a perder valor numa velocidade anormal. Em poucos minutos, o Índice Dow Jones caiu 500, 600, 700, 800, 900 pontos, até chegar ao fundo do poço, numa queda de 998 pontos, a maior da história (veja gráfico). Naquele momento, as perdas totais na bolsa americana chegaram a 1 trilhão de dólares. Simultaneamente, os operadores começaram a notar uma série de anomalias no pregão. As ações da gigante de bens de consumo Procter&Gamble caíram quase 30% em 5 minutos, algo praticamente impossível dado o tamanho da empresa. As ações da consultoria Accenture também tiveram comportamento bizarro. Num momento, valiam 40 dólares. Segundos depois, eram negociadas a 1 centavo. Veio, em seguida, a outra surpresa. Na mesma velocidade com que caiu, o Dow Jones se recuperou. Ao fim do dia, teve uma queda de modestos 347 pontos. Tudo isso sem que ninguém tivesse a mais singela ideia do que ocorreu.

Imediatamente, começaram a circular teorias sobre as razões da montanha-russa da quinta-feira. Segundo a primeira delas, um infeliz operador do Citigroup teria apertado um botão errado e vendido 16 bilhões de ações em vez de 16 milhões. O Citi negou a história. Logo depois, a culpa foi transferida para uma corretora de Chicago, a Terra Nova, que também negou ter qualquer coisa a ver com o pânico. Ataques de hackers e ciberterrorismo também chegaram a fazer parte da lista de razões para o que já ficou conhecido como o "Crash das 14:45". No início da semana seguinte, surgiu outro potencial culpado: o fundo Universa, que tem entre seus sócios o escritor Nassim Taleb, autor de livros sobre o mercado financeiro. No meio da tarde, o Universa teria feito uma grande aposta na queda do mercado, levando outros investidores a se desfazer de suas posições. Finalmente, houve quem dissesse que a bolsa caiu simplesmente porque estava cara demais. As operações com as 286 ações que oscilaram mais de 60% nos minutos em que o mercado ficou desgovernado acabaram sendo canceladas.


Seja lá o que deu início ao Crash das 14:45, o fato é que a brutal oscilação mostrou que há algo de errado com as bolsas do país mais rico do mundo. Na última década, o mercado financeiro americano passou por uma transformação sem precedentes. Uma das principais mudanças foi a criação de pregões eletrônicos que concorrem com os tradicionais (como a bolsa de Nova York e a Nasdaq), o que tornou o sistema muito mais complexo, interconectado e, dizem os críticos, sujeito a falhas. Há dez anos, as bolsas tradicionais respondiam por 80% do volume negociado diariamente. Hoje, dois terços das operações acontecem em dúzias de instituições espalhadas pelo país, em cidades como Kansas City (no Missouri), Austin (no Texas) e Red Bank (em Nova Jérsei).

Quase 30 bilhões de ações trocaram de mãos nos Estados Unidos naquela quinta-feira. Apenas 2,58 bilhões delas foram negociadas no pregão da bolsa de Nova York. O que isso tem a ver com o pânico? Segundo especialistas, no momento em que as ações começaram a despencar, algumas bolsas eletrônicas deixaram de negociar com outras - porque seus computadores foram programados para interromper negócios em situações de estresse. Em razão disso, não havia liquidez no mercado: faltavam compradores, o que levou os preços ao chão. Como tudo isso aconteceu de maneira automática, com sistemas eletrônicos de última geração, um colunista do jornal Wall Street Journal afirmou: "As máquinas estão no comando agora".

O surto das bolsas deixou reguladores, investidores e congressistas de cabelo em pé. Não é preciso pensar muito para imaginar o risco que uma bolsa descontrolada representa para a economia americana e o resto do mundo. Logo nos dias seguintes, foi iniciada pelo Congresso uma investigação para entender o que diabos aconteceu naquela quinta-feira. Paralelamente às investigações, começou o ataque às bolsas eletrônicas. "A tecnologia se antecipou aos reguladores, e os reguladores precisam se antecipar à tecnologia", disse o senador republicano Richard Shelby. Os defensores das bolsas eletrônicas alegam que seu surgimento barateou os custos de transação para os investidores e que é impossível voltar atrás. Para tentar dar uma resposta às críticas, os responsáveis pelos pregões paralelos já negociam formas de tornar o sistema menos instável. Uma solução discutida é a criação de sistemas que interrompam as negociações com base em parâmetros semelhantes - ou seja, todas as bolsas parariam ao mesmo tempo, evitando o que aconteceu no dia 6. Outra ideia é que todos concordem em interromper a negociação de papéis que caiam mais de 10% num mesmo dia, para evitar que o pânico se autoalimente. Enquanto nada acontece, convém torcer para que o mercado financeiro mais importante do mundo não surte outra vez.

Acompanhe tudo sobre:B3bolsas-de-valoresAções

Mais de Mercados

Oracle nomeia dois novos co-CEOs em meio à expansão em IA

Spirit Airlines vai deixar em licença 1.800 comissários durante 2ª falência em menos de um ano

Tarifaço reduz exportações de tecnologia da China para os EUA, mas Ásia mantém crescimento

Intel e agora OpenAI: a Nvidia já vale US$ 4 trilhões, mas quer mais