Os juros têm sido uma preocupação latente para economistas e analistas de mercado no mundo todo nos últimos anos. E, em 2025, uma velha inquietação também voltou à tona: até que ponto será mantida a independência dos bancos centrais?
O crescente domínio fiscal — quando as necessidades fiscais do governo sobrepõem-se à política monetária dos bancos centrais — gera alarmes em diversas partes do mundo, especialmente em grandes economias como os Estados Unidos, Brasil e a União Europeia, e força investidores a repensarem suas estratégias.
Nos Estados Unidos, a insistência do presidente Donald Trump por uma política monetária mais flexível, que inclui a redução das taxas de juros, coloca em risco a independência do Federal Reserve (Fed).
No Brasil, o governo também pressiona o Banco Central (BC) a adotar uma postura mais permissiva com as taxas, com o objetivo de aliviar os custos da dívida pública, sem considerar os impactos inflacionários de longo prazo.
Já na União Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) é forçado a intervir no mercado de títulos soberanos, para controlar a volatilidade das taxas de juros de países endividados, como Itália e Espanha, o que aumenta a interferência fiscal nas políticas monetárias.
Esses movimentos podem afetar diretamente a credibilidade e a eficácia das políticas monetárias dos bancos centrais, segundo economistas, o que pode gerar incertezas nos mercados financeiros. Como resultado, os investidores precisam revisar suas estratégias de alocação de ativos para se proteger contra os efeitos de um cenário econômico cada vez mais dominado por decisões fiscais.
O Brasil em corda bamba
Para analistas, o Brasil lida com um cenário de dívida pública crescente e gastos elevados, exacerbados por um quadro de taxas de juros altas e uma política fiscal ainda muito dependente de receitas voláteis, como as commodities.
A pressão política sobre o Banco Central é uma preocupação crescente, especialmente à medida que o governo tenta equilibrar suas necessidades fiscais com o controle da inflação e o crescimento econômico. O cenário gerou alerta no mercado financeiro, que teme que a autonomia do Banco Central seja comprometida, caso o governo opte por forçar uma redução das taxas de juros para aliviar o custo do serviço da dívida.
Samar Maziad, vice-presidente da Moody's, acredita que, embora o Brasil tenha cumprido metas fiscais primárias, a credibilidade fiscal ainda enfrenta desafios devido à resistência política em realizar cortes de gastos efetivos. Para Maziad, "os ganhos em credibilidade fiscal levarão mais tempo para acontecer".
"Dado que já estamos falando sobre as eleições de 2026, e todo mundo de alguma forma já está de olho nisso, é difícil ver grandes pacotes ou medidas realmente diferentes do lado dos gastos", disse ela em evento no Brasil em junho. Em maio, a agência alterou o rating do Brasil de "positivo" para estável.
O Bradesco também alerta para o risco de domínio fiscal no Brasil. O banco revisou suas projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2,1% em 2025, com a Selic projetada a 15% no final do ano.
"Com a Selic ainda em patamares elevados, o crescimento dos investimentos e do crédito continuará contido, ao mesmo tempo em que as incertezas fiscais podem pressionar por cortes de juros prematuros", afirmou Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco. “Embora o Comitê de Política Monetária veja espaço para iniciar cortes de juros no primeiro trimestre de 2026, isso dependerá da evolução das expectativas de inflação e do grau de consolidação fiscal que o governo apresentar até lá.”
O Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou em junho a importância de o Brasil manter uma política monetária independente para garantir a estabilidade econômica. Segundo o relatório do FMI, "é essencial que o Brasil continue com um Banco Central independente, capaz de tomar decisões com foco na estabilidade de preços, sem pressões externas que possam resultar em políticas monetárias expansionistas que agravam a inflação". O FMI também mencionou que "as reformas fiscais estruturais são imprescindíveis para permitir que a política monetária continue sendo eficaz no controle da inflação, sem que a pressão sobre os juros e o câmbio se torne insustentável".
Os Estados Unidos sob a lente de Trump
Nos Estados Unidos, a pressão sobre o Federal Reserve (Fed) é especialmente intensa.
O presidente Donald Trump se tornou um dos principais defensores de uma política monetária mais flexível, pressionando o banco central para reduzir as taxas de juros. Trump, que tem sido um crítico constante do Fed, argumenta que a redução das taxas aliviar os custos do serviço da dívida pública. Para aumentar a pressão, o presidente chegou a ameaçar substituir Jerome Powell, o atual presidente do Fed, por figuras mais alinhadas com sua visão econômica, como Kevin Warsh ou Kevin Hassett.
A interferência nas políticas monetárias levanta sérias questões sobre a autonomia do banco central, colocando em risco a independência que o Fed tem desde um acordo que restaurou sua independência após a Segunda Guerra Mundial.
A Zona do Euro
Já na União Europeia, os desafios fiscais também são pronunciados, especialmente em países com elevados níveis de dívida, como Itália e Espanha.
A carga fiscal e as necessidades de financiamento estão colocando pressão sobre o Banco Central Europeu (BCE), que tradicionalmente tem se comprometido com a meta de inflação de 2%. Em um contexto de elevados déficits fiscais, o BCE tem sido forçado a adotar políticas de intervenção no mercado de títulos, como o Transmission Protection Instrument, para controlar a volatilidade nas taxas de juros de títulos soberanos. A intervenção tem gerado preocupações sobre a perda de independência do BCE, à medida que a política fiscal de certos países começa a influenciar mais diretamente as decisões de política monetária.
Vitor Constâncio, ex-vice-presidente do BCE, comentou que "medidas como o Transmission Protection Instrument podem enfraquecer a independência do BCE ao permitir que as pressões fiscais de países endividados, como a Itália, influenciem mais diretamente as políticas monetárias". Para Constâncio, essas intervenções podem diluir a eficácia das metas do BCE, já que "o banco central acaba respondendo a choques fiscais internos, o que pode comprometer a sua capacidade de manter o controle da inflação".
Claus Vistesen, economista da Pantheon Macroeconomics, afirmou que "o BCE pode estar se afastando de sua missão principal de controlar a inflação e se tornando um instrumento de suporte fiscal para os governos da zona do euro".
Segundo Vistesen, o uso de ferramentas como o Transmission Protection Instrument, que tem como objetivo reduzir a volatilidade das taxas de juros nos mercados de dívida soberana, pode ser visto como uma concessão às necessidades fiscais de alguns países, o que "compromete a percepção de que o BCE é imparcial e focado na estabilidade de preços".