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Sai o Chai Crème, entra o Yuzu Espresso: retomada da Starbucks envolve exército de 84 mil baristas

Após prejuízos, queda nas ações e troca de comando, a Starbucks tenta reconquistar consumidores e investidores no mundo e no Brasil

Starbucks: empresa passa por momentos complicados (Starbucks/Divulgação)

Starbucks: empresa passa por momentos complicados (Starbucks/Divulgação)

Publicado em 17 de junho de 2025 às 05h31.

No começo deste mês, em um centro de convenções em Las Vegas, 12 baristas da Starbucks se reuniram para competir entre si, passando por provas que levavam em conta quesitos como a "arte do latte", a originalidade das bebidas e o conhecimento profundo sobre o café.

Saiu vencedor o japonês Nobuki Shimode, com sua inovadora bebida "Blooming Yuzu Espresso", preparada com uma base de expresso, complementada com o uso criativo do yuzu, um cítrico japonês. Shimode foi um dos 11 baristas selecionados de competições regionais das quais participaram mais de 84 mil profissionais do mundo todo, com ao menos um representante de cada um dos seis maiores mercados da empresa (América do Norte, China, Japão, Ásia-Pacífico, América Latina e Caribe, Europa, Oriente Médio e África).

O motivo da aglomeração? Reafirmar a identidade da marca, engajar os colaboradores e tentar encontrar uma forma de melhorar a experiência do cliente em meio aos desafios financeiros e à crescente concorrência no mercado global de cafés premium.

A iniciativa faz parte dos esforços da Starbucks para se reinventar em um momento de transformação crítica. A marca, que sempre foi sinônimo de cafeterias de luxo, atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história.

No primeiro trimestre fiscal de 2025, encerrado em 29 de dezembro de 2024, a Starbucks registrou uma receita líquida de US$ 9,4 bilhões, mantendo-se praticamente estável em relação ao mesmo período do ano anterior.

No entanto, o lucro operacional diminuiu para US$ 1,2 bilhão, comparado aos US$ 1,5 bilhão do primeiro trimestre de 2024, resultando em uma redução de 470 pontos-base na margem operacional, que caiu de 21,4% para 16,7%. O lucro líquido foi de US$ 780,8 milhões, representando uma redução de 23% em relação aos US$ 1,02 bilhão do ano passado. O lucro por ação (EPS) foi de US$ 0,69, refletindo uma diminuição de 22% em comparação com o mesmo período de 2024.

A métrica essencial para o varejo, as vendas em mesmas lojas, registrou uma queda global de 4%, impulsionada por uma diminuição de 6% nas transações e parcialmente compensada por um aumento de 3% no ticket médio.

Para Brian Niccol, o CEO da empresa, a competição global de baristas é uma forma de reforçar a identidade da Starbucks como uma plataforma de expressão e inovação.

"A competição reforça nossa crença de que a Starbucks não é apenas uma marca de café, mas uma plataforma para a expressão de nossos baristas e para a celebração de nossa cultura global. A paixão, o conhecimento e o talento que vimos aqui são fundamentais para a maneira como queremos conectar com nossos clientes ao redor do mundo", disse Niccol ao Wall Street Journal.

Analistas do Goldman Sachs e do Morgan Stanley alertam para os desafios contínuos da Starbucks, especialmente no que diz respeito à sua relevância em mercados maduros.

O mercado de cafés premium está cada vez mais competitivo, com empresas como Blue Bottle, Philz Coffee e Dutch Bros, nos Estados Unidos, e Luckin Coffee, na China, ganhando terreno. As cafeterias independentes e artesanais na Europa também têm atraído consumidores com foco em sustentabilidade, oferecendo uma proposta mais personalizada e ecológica, adicionando um sabor ainda mais amargo às preocupações do Starbucks.

Crise financeira e reposicionamento no Brasil

A Starbucks chegou ao Brasil em 2006 com grande entusiasmo e ambição, sendo uma das pioneiras a introduzir o conceito de cafeterias premium no país.

A primeira unidade foi aberta no Morumbi Shopping, em São Paulo, dentro de uma livraria Saraiva. Depois disso, a empresa deslanchou — e abriu cerca de 186 lojas até 2020. Em 2023, a rede de cafés acumulava 200 lojas em território brasileiro.

Mas, quase duas décadas depois, a situação da Starbucks no Brasil se transformou drasticamente.

A operadora local, SouthRock Capital, que era responsável pela gestão da marca no país desde 2018, enfrentou graves problemas financeiros. E não só pela pandemia da covid-19.

Em 2024, a SouthRock entrou em recuperação judicial com uma dívida estimada em R$ 1,8 bilhão, deixando um rastro de inadimplência que afetou fornecedores, locatários e funcionários. A situação financeira da empresa se deteriorou rapidamente, e mais de 50 lojas foram fechadas em um curto período de tempo. E algumas das unidades restantes enfrentaram dificuldades com o pagamento de aluguel e salários.

Depois disso, a Starbucks decidiu romper o contrato com a SouthRock e transferir a licença de operação para a Zamp, grupo empresarial que controla outras marcas no Brasil, incluindo Burger King e Popeyes. O valor do contrato de transição foi de R$ 120 milhões, e a nova gestora, sob a liderança de investidores da Mubadala Capital, assumiu o controle da marca no país.

A Zamp, agora responsável pela operação, traçou um plano de recuperação para estabilizar as operações e retomar o crescimento da Starbucks no Brasil. Um dos primeiros passos foi manter cerca de 128 unidades abertas em todo o país, com planos de abrir 40 novas nos próximos dois anos.

Em nota enviada à EXAME, a empresa afirmou que, no primeiro trimestre de 2025, a Starbucks Brasil se destacou como um dos ativos mais valiosos da Zamp e alcançou níveis de satisfação dos clientes acima de 80%.

"A Starbucks tem um compromisso duradouro com o Brasil — não apenas como uma origem fundamental para o nosso café, mas também como um mercado vibrante e em expansão. As lojas da Starbucks no Brasil são construídas, operadas e geridas por brasileiros, e temos orgulho de atuar ao lado da Zamp, uma empresa brasileira, como nossa parceira licenciada", continuou.

O objetivo da Zamp é audacioso, e a empresa espera alcançar mil unidades da Starbucks no longo prazo, segundo a Bloomberg. A estratégia da nova operadora é ampliar a presença da marca nas grandes cidades e expandir para novas regiões do Brasil, além de apostar em locais de alto tráfego, como aeroportos e centros comerciais.

Nesta segunda-feira, 16, o Starbucks no Brasil lançou a campanha "Vamos Retomar?", que visa reposicionar a marca no mercado brasileiro e reconectar os consumidores urbanos à experiência Starbucks. A campanha se concentra na revitalização da experiência em loja, com foco na qualidade do atendimento e na valorização dos baristas como parte fundamental da cultura da marca.

"A Starbucks está entrando em um novo e significativo momento no Brasil, marcado pelo lançamento recente de uma campanha que reflete a energia renovada da marca e se conecta a uma série de iniciativas lançadas ao longo do ano — incluindo novos produtos e bebidas, lançamento dos grãos especiais de café Kenya e Sumatra, parcerias estratégicas e experiências especiais nas lojas", afirmou a empresa.

A estratégia de Brian Niccol para o futuro da Starbucks

O CEO global Niccol assumiu a liderança da Starbucks em setembro de 2024 com um plano claro para revitalizar a marca diante de um cenário desafiador.

Seu projeto, denominado “Back to Starbucks”, busca resgatar o conceito de “terceiro lugar” — aquele espaço acolhedor entre casa e trabalho onde as pessoas podem se reunir, trabalhar e relaxar. Para atingir esse objetivo, Niccol implementou uma série de mudanças estratégicas.

Entre as principais medidas adotadas está a redução de 30% do menu da Starbucks globalmente. A medida visa simplificar as operações, melhorar a eficiência no atendimento e garantir uma experiência mais ágil para os consumidores, segundo a companhia.

Entre as bebidas que serão removidas ainda este ano, estão opções como o Espresso Frappuccino, o White Chocolate Mocha Frappuccino, o Java Chip Frappuccino, o Iced Matcha Lemonade e o White Hot Chocolate. As bebidas foram escolhidas por apresentarem baixa demanda, serem complexas no preparo ou por serem semelhantes a outras opções do cardápio, como o Mocha ou o Frappuccino de Café, de acordo com comunicado da empresa.

Brian Niccol, CEO da Starbucks (Photo by Robin Marchant/Getty Images) (Robin Marchant / Correspondente autônomo/Getty Images)

A simplificação do menu permite à Starbucks se concentrar nas bebidas mais populares e de maior rotatividade, reduzindo o tempo de espera e evitando erros nos pedidos. Com menos itens no cardápio, os baristas podem se concentrar em entregar as bebidas de forma mais eficiente, mantendo a qualidade no atendimento e no preparo.

Mas estratégia de simplificação não significa a ausência de inovações.

Para a companhia, o menu reduzido cria espaço para a introdução de novos produtos mais alinhados com as tendências de consumo, como o Iced Horchata Oatmilk Shaken Espresso e o Cortado — e foi daí que surgiu a ideia para o primeiro torneio de baristas da história da Starbucks, realizado neste ano.

Shimode, o vencedor, terá a oportunidade de criar uma bebida exclusiva em parceria com a Starbucks, que será lançada nas lojas da América do Norte em breve. A expectativa é que sua criação, a "Blooming Yuzu Espresso", ou uma versão dela, chegue aos clientes.

O evento também serviu como palco para a Starbucks apresentar outras inovações. Um dos destaques foi o lançamento do Starbucks 1971 Roast™, que será introduzido nos Estados Unidos e no Canadá no final do ano.

Em paralelo às inovações no cardápio, a Starbucks também anunciou avanços tecnológicos, como a implementação do "Green Dot Assist", uma ferramenta de inteligência artificial destinada a fornecer informações em tempo real para os baristas, ajudando a melhorar a consistência e a qualidade do serviço.

Desde que Niccol assumiu a empresa, o modelo de atendimento também foi reformulado com a implementação do “Green Apron”, que visa reduzir o tempo de espera e aumentar a eficiência no serviço.

Internamente, a Starbucks passou por uma reestruturação, com a demissão de mais de 1.100 funcionários em áreas corporativas. A empresa também alterou seu foco, buscando diminuir a ênfase nas métricas tradicionais de lucros por ação e passando a priorizar indicadores operacionais, como o tempo médio de atendimento.

Concorrência crescente e as ameaças no mercado

Enquanto a Starbucks tenta se reposicionar, a concorrência no mercado de cafés premium continua a crescer. Nos Estados Unidos, marcas como Blue Bottle e Dutch Bros Coffee têm ganhado força, oferecendo propostas mais personalizadas e com um foco maior na qualidade do produto.

Na China, a Luckin Coffee, uma rede local, superou a Starbucks em número de lojas, com um modelo digital, preços mais baixos e foco na conveniência. Na Europa, os cafés independentes e sustentáveis estão conquistando consumidores que buscam uma experiência mais autêntica e ética.

Mercado, ações e perspectivas futuras

As ações da Starbucks acumularam uma queda de cerca de 25% do início de 2024 até este mês.

No segundo trimestre fiscal de 2025, as ações foram negociadas a US$ 93,26, com uma alta de 17% nos últimos 12 meses, mas ainda abaixo do pico histórico da companhia. O valor de mercado da Starbucks atualmente é de US$ 105,98 bilhões, reflexo do desempenho misto da empresa no último ano.

Bancos como o Goldman Sachs e o Citigroup mantêm uma avaliação neutra para as ações da Starbucks, apontando um cenário de transição difícil, com desafios operacionais e mudanças internas impactando os resultados.

No entanto, alguns analistas, como Peter Saleh, do BTIG, sugerem que a empresa pode ter um grande potencial de recuperação à medida que seu plano de reestruturação se solidificar.

Saleh acredita que a Starbucks tem as condições para se recuperar, principalmente com a liderança do novo CEO e as estratégias de reestruturação em andamento. O analista classificou a ação como uma das suas principais apostas, estabelecendo um preço-alvo de US$ 115 no primeiro semestre — um potencial de valorização de aproximadamente 30% em relação aos valores do início do ano.

Saleh vê 2025 como um "ano de transição" para a empresa, em que o foco será simplificar operações, melhorar a eficiência e restaurar a experiência do cliente nas lojas. O analista acredita que esses investimentos em operações e na renovação da experiência de consumo serão cruciais para impulsionar as vendas em mesmas lojas e recuperar a lucratividade, com os resultados mais palpáveis surgindo a partir de 2026.

No entanto, ele também destaca que a Starbucks enfrenta desafios significativos. A pressão da concorrência de marcas de café de preço mais baixo, especialmente na China, é uma preocupação importante. Além disso, o sucesso da reestruturação dependerá do equilíbrio entre a redução de custos e a manutenção da proposta premium da marca, sem prejudicar a qualidade da experiência para o cliente. Mas Saleh observa sinais iniciais de recuperação, principalmente no mercado internacional, e sugere que a empresa deve focar no aumento da eficiência e na retomada do crescimento nas regiões-chave.

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