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Dólar tem pior começo de ano em mais de cinco décadas. O que esperar para o 2º semestre?

Após uma valorização nos últimos anos, o dólar sofre desvalorização de 10% em 2025, impulsionado pelas políticas de Trump e expectativas de cortes de juros — e o futuro permanece incerto

Dólar: moeda fechou em queda de 12% no semestre (Canva)

Dólar: moeda fechou em queda de 12% no semestre (Canva)

Publicado em 1 de julho de 2025 às 05h03.

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O dólar comercial tem passado por grande volatilidade nos últimos anos. Entre 2020 e 2024, a moeda americana se valorizou em cerca de 2,95%, com a cotação subindo de uma média de R$ 5,14 em 2020 para R$ 5,23 no ano passado. Agora, a jornada se inverteu: até a segunda-feira, 30, o dólar acumulou uma desvalorização global de 10%, o pior desempenho para o primeiro semestre desde 1973, segundo o Financial Times.

Nesta segunda-feira, o dólar fechou em queda de 0,91% cotado a R$ 5,4335. No acumulado do semestre, a moeda já caiu 11,87% em relação ao real, segundo dados da consultoria Elos Ayta. Somente em junho, o recuo foi de  4,41% e de 4,96% no segundo trimestre. Em 12 meses, a moeda acumula queda de 1,83%, apesar de momentos de aversão ao risco. E ainda há espaço para cair mais.

Por que o dólar caiu?

A queda do dólar tem sido atribuída a uma série de fatores interligados, refletindo tanto questões internas nos Estados Unidos quanto pressões globais. O presidente dos EUA, Donald Trump, implementou políticas comerciais erráticas, incluindo uma guerra tarifária com parceiros internacionais, o que aumentou as tensões no comércio global e gerou incertezas sobre a economia americana. Isso afetou diretamente a confiança no dólar como moeda de refúgio.

Além disso, as preocupações com o crescimento da dívida pública dos EUA e o possível enfraquecimento da independência do Federal Reserve (Fed) têm contribuído para um cenário econômico mais instável. Esses fatores aumentaram as dúvidas sobre a sustentabilidade das finanças dos EUA, o que, por sua vez, tem impactado o valor do dólar.

Essas questões internas se somam à expectativa crescente de que o Federal Reserve reduza suas taxas de juros para estimular a economia. A chance de cortes agressivos nas taxas está sendo cada vez mais incorporada nos preços dos ativos financeiros, com o Fed prevendo uma taxa acima de 3,5% ao final de 2025. Isso coloca o dólar em um cenário de enfraquecimento, já que os investidores, em busca de ativos mais seguros, estão diversificando suas posições para outras moedas, como o euro e o iene, que estão se valorizando frente à moeda americana.

Para a Bloomberg Intelligence (BI), o dólar está sofrendo um impacto estrutural devido à política econômica de Trump e às crescentes preocupações fiscais. A empresa sugere que a moeda americana continuará sob pressão até o segundo semestre de 2025, com os investidores preferindo ativos mais seguros em economias menos voláteis. O euro, por exemplo, tem se fortalecido significativamente, contrariando as previsões iniciais de paridade com o dólar, com um aumento de 13% desde janeiro de 2025.

Segundo a Elos Ayta, o Euro Ptax, por sua vez, teve desempenho menos dramático do que a divisa americana, com queda de 0,21% no semestre, mas com recuperação no segundo trimestre (3,61%), o que indica uma menor fragilidade frente ao real.

O que esperar do segundo semestre?

Em relatório divulgado na última semana, a Deloitte destaca que o dólar deve continuar a ser pressionado por fatores internos dos Estados Unidos, como as políticas comerciais do governo Trump, que aumentaram as tensões comerciais e a incerteza econômica global, e o crescente endividamento do governo americano. Fatores como esse têm alimentado a perda de confiança dos investidores na moeda americana, favorecendo a diversificação para outras moedas consideradas mais estáveis.

A consultoria também projeta que a desvalorização do dólar poderá continuar no curto prazo, uma vez que os investidores buscam alternativas mais seguras. A Deloitte sugere que o euro será um dos principais beneficiados dessa tendência, à medida que o dólar continua a perder força frente a moedas mais fortes, devido à política monetária mais estável da zona do euro e aos desafios econômicos enfrentados pelos Estados Unidos.

Segundo a Bloomberg Intelligence, embora o dólar continue sendo a moeda de reserva global, sua trajetória de enfraquecimento está consolidada, e a recuperação da moeda no curto prazo parece improvável. O processo de "desdolarização", segundo os analistas, continua em curso.

BI aponta que o cenário cíclico também pode contribuir para uma perspectiva negativa para o dólar na segunda metade de 2025, com o risco de que a fraqueza observada nos dados econômicos iniciais se estenda para os indicadores econômicos mais importantes. Apesar disso, o número de investidores apostando contra o dólar já é significativo, e, embora a moeda enfrente pressão, é possível que ocorram períodos de recuperação temporária. A maior ameaça para esse cenário seria a resiliência econômica dos Estados Unidos, que poderia, caso se mantenha, oferecer alívio momentâneo, especialmente se houver um desfecho mais favorável nas questões tarifárias, embora isso não deva resultar em uma recuperação duradoura do dólar.

O Boletim Focus do Banco Central (BC), por exemplo, revisou suas projeções para o final de 2025, ajustando sua expectativa de cotação do dólar de R$ 5,72 para R$ 5,70. A estimativa para 2026 também foi ajustada para R$ 5,79, ante R$ 5,80.

O peso da inflação nos EUA

No aspecto inflacionário, a Deloitte aponta que, apesar de uma leve desaceleração, a inflação nos Estados Unidos ainda permanece acima das metas do Fed. A aceleração dos preços, impulsionada em parte pelas tarifas comerciais, deverá resultar em um crescimento do Índice de Preços ao Consumidor (CPI) de 2,9% em 2025, com uma possível aceleração para 3,2% em 2026.

Em relação à política monetária, a consultoria prevê que o Federal Reserve continuará com sua postura cautelosa, com uma expectativa de manutenção das taxas de juros em níveis moderados até o quarto trimestre de 2025.

A combinação de uma inflação persistente, expectativas elevadas de inflação e a desaceleração do crescimento econômico nos EUA tende a limitar a capacidade do Fed de realizar cortes mais agressivos nas taxas de juros, o que reforça a fraqueza do dólar frente a outras moedas.

A questão das commodities

O enfraquecimento do dólar também tem sido refletido no mercado de commodities, especialmente no ouro. O metal precioso atingiu novos recordes em 2025, atingindo US$ 3.500 por onça em abril. O valor foi impulsionado pela crescente demanda de bancos centrais e investidores que buscam proteção contra a depreciação dos ativos denominados em dólares.

Além disso, a queda do dólar gerou um movimento de realocação de capitais, com investidores reduzindo sua exposição a ativos em dólares e se voltando para mercados emergentes e outras divisas fortes, segundo analistas.

Os juros nos EUA impactam

O mercado está reagindo fortemente às expectativas de que o Federal Reserve reduzirá as taxas de juros para impulsionar a economia. Esse movimento de redução de juros é visto como uma resposta à desaceleração econômica nos EUA e à crescente dívida pública do país.

A previsão de pelo menos cinco cortes de 0,25 ponto percentual até 2026 já está refletida nos contratos futuros, o que enfraquece o dólar e faz com que ele perca força frente a outras moedas.

Essas expectativas de corte de juros também têm implicações para o mercado de ações. Enquanto o mercado de ações dos EUA tem se beneficiado do otimismo gerado pelas políticas monetárias mais flexíveis, os investidores têm se mostrado cautelosos em relação ao desempenho do dólar. A desvalorização da moeda americana significa que os retornos das ações dos EUA, quando medidos em outras moedas, têm ficado atrás dos mercados europeus.

Como o cenário doméstico afeta a moeda

O cenário fiscal do Brasil continua a ser um dos maiores obstáculos para a valorização do real. O Relatório de Acompanhamento Fiscal de abril de 2025, elaborado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), aponta uma tendência de deterioração nos indicadores fiscais. A projeção de crescimento do PIB para 2025 foi revista para 2%, abaixo das expectativas anteriores, e a inflação deve permanecer elevada, em 5,5%.

A IFI destaca que o "calcanhar de Aquiles" da economia brasileira permanece sendo a situação fiscal, com o resultado primário e o endividamento público em trajetória de piora. Esse quadro aumenta a incerteza sobre a sustentabilidade das finanças públicas, o que tende a pressionar o câmbio, já que o mercado reage de forma negativa a sinais de fragilidade fiscal.

Além disso, a desaceleração econômica esperada para o segundo semestre de 2025, aliada a incertezas sobre a política monetária dos EUA e riscos de guerra comercial, pode afetar as receitas do governo e aumentar ainda mais a pressão sobre o real.

Na política monetária, o Itaú BBA, em análise de junho, afirma que, apesar de o real responder predominantemente a fatores externos, os fundamentos domésticos — especialmente o quadro fiscal — continuam a indicar uma tendência de câmbio depreciado.

Após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de junho de 2025, os principais bancos revisaram suas projeções para a taxa Selic, com a maioria mantendo a expectativa de juros altos até o final de 2025. As previsões indicam que a Selic deve se manter em 15% ao ano durante o restante deste ano, sem a perspectiva de cortes até 2026.

Segundo a Elos Ayta, "a leitura do mercado sugere que a alocação diversificada foi a melhor estratégia no semestre — com papéis de dividendos, criptos e ativos reais oferecendo o melhor equilíbrio entre risco e retorno". "Resta saber se esse otimismo se sustenta no segundo semestre, quando o cenário de juros e fiscal deverá ganhar novos contornos", diz a consultoria.

A combinação desses fatores coloca o Brasil em um cenário econômico delicado, no qual o câmbio e a inflação podem continuar sendo fontes de instabilidade até o final de 2025. Com a economia global ainda lidando com o impacto das políticas comerciais e monetárias dos EUA, o Brasil enfrenta o desafio de equilibrar suas finanças internas enquanto lida com as tensões externas. Uma tempestade perfeita. 

*O valor de 2025 é do fechamento de 30 de junho.

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