A vilã Odete Roitman, interpretada pela atriz Débora Bloch: nem tudo é ficção (Reprodução da Rede Globo | Inteligência Artifical)
Editor de Invest
Publicado em 8 de outubro de 2025 às 13h32.
Última atualização em 8 de outubro de 2025 às 13h57.
O vice-presidente da Transcontinental Airlines (TCA) convocou uma reunião de emergência na sede da empresa, no Rio de Janeiro.
"Vocês devem ter visto hoje os índices da bolsa que o mercado acordou agitado devido ao que ocorreu com Odete", afirmou Marco Aurélio, logo no início da conversa para falar sobre o futuro da empresa após a morte de sua CEO, a bilionária Odete de Almeida Roitman, assassinada a tiros em uma suíte do Copacabana Palace.
Quem matou Odete Roitman? Veja aposta do público, segundo enquete da EXAME PopCaso ainda não tenha ficado claro, a situação descrita acima é uma cena de novela. Manuela Dias, autora do remake de "Vale Tudo", tem chamado atenção das redes sociais por criar, no folhetim, situações pouco realistas. O mercado financeiro reagindo à morte de uma bilionária é mais uma delas?
Tudo o que sabemos sobre a TCA é o que a trama nos conta. Uma empresa claramente familiar, comandada por sua dona, que tentou, inutilmente, fazer de seu filho um sucessor. Para ter impacto na bolsa, como relatou o personagem de Alexandre Nero, a companhia aérea precisaria ter ações negociadas no mercado e com liquidez elevada, a ponto de mexer nos principais índices. Manuela Dias não nos deu esses detalhes.
Na vida real, há um exemplo recente. Quem não lembra do assassinato do CEO da UnitedHealth Group em novembro do ano passado? O executivo Brian Thompson foi morto a tiros quando se dirigia ao Investor Day da seguradora de saúde. No dia do crime, as ações da UnitedHealth chegaram a cair mais de 10%.
Alguns analistas na época, atribuíram a queda a possíveis pressões regulatórias que o setor de planos de saúde poderia passar, já que a morte de Thompson expôs também práticas abusivas da companhia e de outros pares do setor.
Na ficção, a TCA estava no centro de esquemas de lavagem de dinheiro e a própria Odete não hesitava em "molhar" a mão de quem quer que fosse para conseguir manter sua influência.
Mas fato é que se um CEO morre, sofre um acidente ou é acometido por uma doença que o tire permanentemente dessa função, isso pode implicar também em uma ruptura drástica na forma que uma companhia é gerida.
"O risco de a empresa se tornar 'acéfala' por um período, sem um comando e uma direção clara, é o que pode afetar e abalar a confiança de acionistas e investidores", afirma Luiz Martha, diretor de Conhecimento e Impacto do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
"Por isso é muito importante falar em sucessão, ainda que o executivo tenha acabado de assumir a cadeira de CEO. Ninguém está imune a esse tipo de situação."
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista que o especialista deu à EXAME, durante o 26º Congresso do IBGC.
Por que a saída abrupta de um CEO (caso de morte, acidente, doença) pode abalar a confiança de acionistas e investidores da empresa?
Luiz Martha: O abalo de confiança pode acontecer principalmente quando a empresa não tem um plano de sucessão pronto, bem definido, ou ao menos em discussão. Isso acontece pelo risco de uma ruptura na trajetória da companhia, do tempo necessário para definir um novo líder, para que ele possa se ambientar na empresa e começar a tocar as atividades. O risco de a empresa se tornar 'acéfala' por um período, sem um comando e uma direção clara é o que pode afetar e abalar a confiança de acionistas e investidores. Por isso é muito importante falar em sucessão ainda que o executivo tenha acabado de assumir a cadeira de CEO. Ninguém está imune a esse tipo de situação.
Os riscos de mudanças drásticas na gestão da companhia são maiores quando ocorre esse tipo de situação?
Luiz Martha: Pode acontecer sim. A pessoa que assumir a companhia certamente terá uma cabeça diferente da que estava no comando antes. O plano de sucessão traz, justamente, a garantia de um alinhamento mínimo aos objetivos estratégicos da companhia, para que rupturas e mudanças desse tipo sejam o menos traumáticas possível. É comum, no plano de sucessão, que a empresa procure alguém que tenha as características necessárias para tocar o futuro da companhia de maneira alinhada ao seu planejamento estratégico.
Quando a empresa é familiar e até mesmo gerida por alguém da família, o risco de ruptura é maior?
Luiz Martha: O componente família é um complicador adicional para essa questão. Muitas vezes a empresa familiar, além das questões técnicas da sucessão, tem as questões familiares. Pode ser que o executivo ainda não tenha definido qual dos filhos está preparado ou tem perfil mais adequado para assumir sua posição, por exemplo. Mas em qualquer situação, seja empresa familiar ou não, a governança é importante para que a passagem de bastão seja feita da melhor maneira possível. Um plano de sucessão formal, para definir o perfil técnico do sucessor, prepará-lo e, se for o caso, buscar um candidato no mercado. Isso reduz o risco de uma transição abrupta.
No Brasil, esse é um tema que está no radar dos donos e gestores das empresas?
Luiz Martha: É um tema muito difícil de ser discutido por aqui, mais que em outros países até, por uma questão cultural. Nas empresas familiares tem agravantes, porque trata de assuntos muito sensíveis, de finitude da vida, passagem e divisão do poder. São assuntos muito críticos para serem discutidos e que muitas vezes acabam sendo deixados para um segundo momento. Mas mesmo companhias de grande porte, listadas em Bolsa, acabam não formalizando planos de sucessões. Por achar que quem tem que fazer isso é o conselho ou ou controlador, não priorizam o tema. De novo: não estar preparado para uma transição abruta pode fazer com que os propósitos da companhia não sejam cumpridos e colocam o futuro da empresa em risco.