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Jackson Hole: em que ficar de olho para entender para onde vão os juros dos EUA

Simpósio de Jackson Hole, um dos eventos mais aguardados por investidores e analistas financeiros, acontece em um contexto de intensas discussões sobre a política monetária global

Jerome Powell: presidente do Fed tem sofrido críticas de Trump  (Samuel Corum/Getty Images)

Jerome Powell: presidente do Fed tem sofrido críticas de Trump (Samuel Corum/Getty Images)

Publicado em 20 de agosto de 2025 às 13h37.

O simpósio de Jackson Hole começa nesta quarta-feira, 20, e promete atrair a atenção dos mercados financeiros. Os investidores estarão focados em sinais de possíveis mudanças nas direções da política monetária do Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, e à possibilidade de cortes nas taxas de juros, ao mesmo passo em que aguardam o discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, na sexta-feira, 22.

Para o Goldman Sachs, as discussões dessa quarta podem antecipar uma possível mudança no quadro de política monetária do Fed, com a adoção de uma abordagem mais flexível para a meta de inflação.

O banco prevê que o Fed poderá começar a balancear a meta tradicional de 2% de inflação com considerações sobre o emprego e a produção, uma mudança estratégica que poderá ser formalizada no discurso de Powell.

As pistas do primeiro dia

Nessa terça-feira, a agenda do evento inclui apresentações sobre novos artigos acadêmicos que discutem mudanças demográficas e os ganhos de produtividade impulsionados pela inteligência artificial (IA), além de suas implicações para a inflação e o emprego.

Os debates devem oferecer as primeiras percepções sobre como os bancos centrais poderiam adaptar seus modelos de previsão de longo prazo para considerar as mudanças estruturais nos mercados de trabalho.

A revisão do quadro de política monetária também será um dos destaques do dia, com um painel composto por representantes do Fed, do Banco Central Europeu (BCE) e do Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês) debatendo sobre o conceito de "alvo de inflação flexível".

As entrevistas são aguardadas com grande expectativa pelos traders, que buscam sinais sobre possíveis divergências nas políticas dos bancos centrais, especialmente em relação à inflação e ao timing de cortes nas taxas de juros. A reação do mercado a estes discursos pode ser significativa, com o mercado de câmbio extremamente sensível a qualquer sinal de uma política mais branda ou mais restritiva — com destaque para moedas como libra esterlina (GBP), o euro (EUR) e o dólar (USD). 

Analistas de Wall Street esperam uma mudança estratégica no quadro do Fed e do BCE, com a adoção desse modelo, que permita a adaptação às realidades do mercado de trabalho e a considerações sobre o emprego, além da inflação. Economistas acreditam que Powell deve se manter "dependente dos dados", reconhecendo a desaceleração no mercado de trabalho, mas sem se comprometer diretamente com cortes nas taxas de juros.

Hawkish ou dovish?

No mercado de renda fixa, os investidores monitoram atentamente a linguagem utilizada, em especial quando se tratar da dependência de dados para futuras decisões de política monetária, ou se haverá promessas explícitas de cortes nas taxas de juros. O mercado já precifica uma alta probabilidade de um corte de 25 pontos-(base) pelo Fed na reunião de setembro, com uma probabilidade de 84%.

Caso os debates de hoje e as entrevistas de autoridades bancárias sigam para um tom mais dovish, ou seja, com maior ênfase em futuros cortes, isso pode enfraquecer o dólar americano e impulsionar os mercados acionários, principalmente as ações de empresas de tecnologia e small caps.

Por outro lado, se o tom for mais neutro ou ligeiramente hawkish, a tendência é que ativos considerados seguros, como os tesouros dos EUA e o ouro, ganhem atratividade, com o mercado acionário reagindo de forma mais comedida até o discurso formal de Powell na sexta.

O dilema Trump

A relação entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e Powell já está tensa há meses, especialmente devido à recusa de Powell em baixar os juros. Trump tem pressionado o Fed para que reduza a taxa de juros de referência, atualmente em 4,25% a 4,5%, alegando que esse patamar impede o crescimento da economia americana.

Powell, por sua vez, defende a postura do Fed, afirmando que suas decisões são baseadas em análises econômicas e não políticas. Na terça-feira, Powell afirmou que o impacto das tarifas impostas pela Casa Branca ainda não havia sido suficientemente analisado, mas que poderia haver um corte de juros em julho, dependendo da situação.

Segundo Neil Dutta, chefe de pesquisa econômica da Renaissance Macro, a frustração de Trump com Powell é clara. "Trump quer um Fed que trabalhe para seus objetivos de curto-prazismo, mas Powell tem seguido uma abordagem mais cautelosa, o que gerou uma tensão crescente entre os dois", explicou ele à Bloomberg. O presidente dos EUA vê a política monetária como um ponto essencial para estimular a economia, especialmente em um período de incerteza, causado em parte pelas suas próprias políticas, como as tarifas sobre importações. Trump, que busca manter a economia em crescimento, acredita que uma redução nas taxas de juros pode ajudar a acelerar esse processo.

A postura de Powell, que se manteve firme em sua posição, gerou frustração no governo Trump, que vê a política monetária como um ponto crucial para impulsionar sua agenda econômica. Trump, que é conhecido por suas críticas públicas, não economizou nas palavras, repetidamente sugerindo que o presidente do Fed estava "atrasado" e "não sabia o que estava fazendo". A retórica agressiva e os ataques pessoais não são novidades: Trump chamou Powell de "terrível", "muito burro" e "um perdedor", além de acusá-lo de "fazer política".

No entanto, Powell e outros membros do Fed têm alertado que a redução das taxas de juros poderia abrir portas para o aumento da inflação, algo que poderia ser ainda mais prejudicial a longo prazo. "A postura de Powell é uma questão de responsabilidade. Ele está tentando garantir que a economia continue em equilíbrio, enquanto Trump quer uma ação mais imediata, que poderia ter efeitos adversos a longo prazo", afirmou David Kelly, estrategista-chefe da JPMorgan Funds, à Bloomberg.

Apesar das frequentes críticas, Powell tem se mantido em seu posto e, ao longo dos meses, tem reafirmado a independência do Fed, argumentando que o banco central deve agir de acordo com as metas estabelecidas pelo Congresso, e não com as pressões políticas do governo. “Estou muito focado em apenas fazer meu trabalho”, disse ele recentemente.

A pressão sobre Powell aumentou ainda mais nesta semana, com novas acusações e um pedido de investigação de sua conduta. Trump, por sua vez, seguiu insistindo que Powell deveria sair do cargo, e alguns aliados do presidente chegaram a sugerir que ele poderia tentar a remoção de Powell, algo sem precedentes devido à independência do Fed, garantida por lei.

"O que Trump não aceita é a postura de Powell, que tem se mantido firme em sua independência e se recusado a ceder às pressões políticas", disse Christopher Waller, um dos atuais governadores do Fed, segundo a Bloomberg.

Trump pode demitir Powell?

O presidente do Fed não pode ser demitido pelo presidente dos Estados Unidos sem a comprovação de justa causa, como estabelece a legislação americana. A independência do banco central é protegida por lei e pela Constituição, o que impede que um presidente dispense o chairman por discordâncias políticas ou decisões sobre a política monetária.

A lei americana permite a demissão de membros do conselho do Fed apenas em casos de má conduta, impropriedade ou ineficiência — e não por divergências em relação à taxa de juros ou à condução da economia. Powell, indicado por Donald Trump em 2017 e reconduzido por Joe Biden, tem mandato até 2026 e já afirmou publicamente que não renunciaria ao cargo, mesmo que fosse pressionado a fazê-lo.

O mandato de Jerome Powell à frente do Fed vai até maio de 2026, mas a pressão política e as críticas de Trump levantam dúvidas sobre seu futuro. Se Powell decidir continuar no cargo, ele poderá influenciar as decisões políticas do banco central até o fim de sua nomeação. No entanto, a relação tensa entre Trump e Powell continua a ser um dos maiores desafios da administração, especialmente à medida que o presidente busca alinhar a política monetária às suas metas econômicas.

Para Michelle Weaver, analista do Morgan Stanley, a pressão de Trump em relação ao Fed é "parte de uma tentativa mais ampla de controlar a política monetária para atender aos seus objetivos eleitorais." "Ele está buscando um banco central mais submisso à sua agenda", disse ela à Bloomberg.

A remoção de Powell, no entanto, seria um movimento sem precedentes e representaria um desafio direto à independência do Fed, algo que é garantido por lei desde a sua criação em 1913. Se Trump realmente demitir Powell, isso poderia gerar uma crise institucional, afetando a confiança do mercado e a estabilidade financeira.

Trump, que frequentemente criticou Powell por aumentos nos juros e chegou a chamá-lo de "inimigo", já cogitou removê-lo da presidência do conselho do Fed e nomear outro para a função. No entanto, a substituição exige o aval da maioria dos demais membros do comitê. 

Por que chama Jackson Hole?

O termo “Jackson Hole” tem origem no noroeste do estado de Wyoming, nos Estados Unidos, e remonta ao início do século XIX.

O nome é uma combinação de dois elementos: "Jackson", em homenagem a David E. Jackson, um caçador e explorador de peles que foi um dos primeiros a atuar na região, e "Hole", uma palavra do inglês antigo usada por caçadores de peles para descrever “vales profundos cercados por montanhas” (a tradução literal é "buraco").

Assim, “Jackson Hole” traduz-se literalmente como “o vale de Jackson”, uma área cercada pelas imponentes Montanhas Rochosas que, devido à sua geografia peculiar, foi associada a um “buraco” natural.

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