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Por que o mercado americano segue firme (e calmo) — mesmo com todo o barulho da Era Trump

‘Os mercados não estão ignorando o risco, estão precificando um sistema construído para absorvê-lo’, afirma o diretor da BlackRock, Rick Rieder

Calmaria: segundo diretor de investimento da BlackRock, mercados não ignoram os riscos (fotog/Getty Images)

Calmaria: segundo diretor de investimento da BlackRock, mercados não ignoram os riscos (fotog/Getty Images)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 28 de julho de 2025 às 15h56.

Última atualização em 28 de julho de 2025 às 16h53.

Enquanto as manchetes gritam, os mercados americanos não parecem nem um pouco assustados. Em 2025, mesmo em meio a ameaças tarifárias, tensões geopolíticas e discursos explosivos do presidente Donald Trump em seu segundo mandato, os principais indicadores de risco seguem tranquilos — ou perto disso.

As bolsas americanas batem recorde; os prêmios exigidos por investidores para comprar novos títulos de dívida estão nos menores níveis desde antes da pandemia; a volatilidade implícita nas opções segue em queda há dois anos. E o custo dos seguros contra calotes (os chamados credit default swaps) também está próximo das mínimas históricas.

Se o ruído político aumentou, por que o risco percebido nos mercados diminuiu? Rick Rieder, diretor de investimentos de renda fixa global da BlackRock, trouxe argumentos bastante interessantes em um artigo escrito para o Financial Times. Sua tese é que a explicação está na transformação silenciosa da economia americana em uma das mais resistentes do mundo a choques externos.

O gestor pondera que hoje os serviços respondem por 81% do PIB dos EUA e por 69% do consumo das famílias — ante apenas 38% nos anos 1940. Esse tipo de atividade tende a ser mais estável ao longo do ciclo, e o consumo real de serviços só caiu duas vezes no ano a ano desde então: em 2009 e 2020.

Além disso, cadeias produtivas digitalizadas e um mercado de trabalho aquecido reduziram os riscos de inadimplência e suavizaram as oscilações nos lucros corporativos.

A solidez do orçamento das famílias também ajuda, diz Rieder. O endividamento em relação ao patrimônio está perto das mínimas históricas, 50% abaixo do pico de 2008. O custo com juros representa menos de 10% da renda, e a taxa média dos financiamentos imobiliários em aberto é de apenas 4,05%.

Balanços fortes, investidores líquidos

Nas empresas, a disciplina é semelhante. Ao longo da última década, as companhias com grau de investimento alongaram dívidas e reforçaram o caixa. A alavancagem está mais de 30% abaixo dos níveis da crise financeira global. E as margens de lucro, hoje em 13,8%, superam qualquer marca anterior à pandemia.

"Sem desequilíbrios relevantes nos balanços, não há gatilho para episódios de desalavancagem forçada — o tipo de estresse que costuma desencadear grandes ondas de volatilidade", escreve o diretor da BlackRock.

Com US$ 129 trilhões em ativos financeiros, as famílias americanas têm quase metade desse valor aplicado em instrumentos que pagam mais de 4% ao ano. Isso gera uma necessidade de reinvestimento, que se traduz em demanda constante por ativos corporativos e securitizados. Como os dealers trabalham com estoques menores, os spreads de negociação encolhem e os preços oscilam menos.

No mercado acionário, os avanços em inteligência artificial, computação em nuvem e robótica abrem espaço para ganhos fora da curva. Rieder pondera que, mesmo com múltiplos elevados, o fluxo de caixa dessas empresas vem sempre superando as expectativas.

E há um conjunto de fatores técnicos sustentando os preços: níveis recordes de caixa em fundos de renda fixa, recompras agressivas de ações por parte das empresas e um calendário esvaziado de IPOs mantêm a demanda à frente da oferta.

As quedas de mercado, portanto, são vistas por muitos como oportunidade para reforçar posições — tanto em líderes tecnológicos quanto em empresas consolidadas com forte geração de caixa.

A estratégia: risco controlado, retorno composto

O gestor lembra, contudo, que, apesar dos prêmios de risco controlados, os rendimentos estão longe de baixos: os títulos do Tesouro americano ainda pagam mais de 4%, enquanto a inflação recuou para pouco acima de 2%. O juro real — o rendimento descontado da inflação — é o mais alto em pelo menos 15 anos.

"Essa economia dominada por serviços, balanços blindados e uma base de investidores com muita liquidez criam uma combinação rara: crescimento resiliente com retornos elevados na renda fixa", escreve Riener.

A recomendação é que os clientes mantenham exposição à Bolsa para capturar o crescimento dos lucros, e direcionem a carteira de renda fixa para papéis de alta qualidade, além de buscar diversificação com ativos descorrelacionados, como imóveis, investimentos privados e até uma alocação modesta em criptoativos.

"Os mercados não estão ignorando o risco, estão precificando um sistema construído para absorvê-lo", conclui.

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