Consumo: pesquisa mostra que 29% dos consumidores fazem compras no nome de terceiros (Getty Images/Reprodução)
Repórter de finanças
Publicado em 12 de julho de 2025 às 06h00.
O "boom" de fintechs e contas digitais pode até passar a sensação de que acessar crédito ficou mais fácil. Não deixa de ser verdade, mas também não é a realidade de todo mundo. Dados recentes do Serasa mostram que 35 milhões de pessoas, 21,7% da população adulta, ainda estavam “invisíveis ao crédito” em 2023 (o último levantamento disponível). Isso não quer dizer que essas pessoas deixam de fazer compras parceladas, por exemplo. É bem o contrário.
Com alternativas de empréstimos restritas, usar o nome de terceiros para fazer uma compra passou a ser prática comum. É o que mostra uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a Offerwise Pesquisas.
De acordo com o estudo, 28,7% dos consumidores - quase um terço dos entrevistados - fizeram compras utilizando o nome de outra pessoa no ano passado. A principal forma de pegar o nome do outro emprestado é por meio do cartão de crédito: um em cada cinco brasileiros usa esse formato, aponta a pesquisa. Em seguida, aparecem os empréstimos e o crediário.
Para especialistas, isso é um sinal de alerta, principalmente ao entender as razões pelas quais as pessoas estão assumindo uma dívida em nome de outras. Um dos principais motivos é o estouro no limite do próprio cartão de crédito ou cheque especial - realidade de 24,2% desse grupo. Antes, aparecem os 24,4% que nunca sequer tentaram tomar crédito. E 17,6% usaram dessa estratégia por não terem conseguido a aprovação de um empréstimo.
“Quando uma pessoa estoura o limite do cartão, há grandes chances dela já estar ultrapassando o seu limite de gastos também. Ou seja, ela está num processo de descontrole financeiro. Esse processo leva ao endividamento e pegar o cartão de terceiros se torna um empréstimo informal”, pontua Aline Soaper, educadora financeira.
É necessário se perguntar: “Tenho como pagar essa dívida com esse parente?” ou “No mês que vem, terei condições de ressarcir o meu amigo?'. Se a resposta for não, é melhor evitar, para se proteger de endividamentos e também de conflitos pessoais, explica Soaper.
O estudo da CNDL revela ainda que, na hora de "pedir o nome emprestado", o credor busca pessoas do convívio diário, como cônjuges (25,6%), irmãos (17,9%) e pais (17,6%). Em seguida, os amigos (17,4%) e outros familiares (17,2%).
A maioria das pessoas, porém, não assume esse risco por acaso. A pesquisa mostra que a maioria das pessoas que tomam crédito em nome de terceiros faz isso para comprar o básico - 25% entra nessa para fazer supermercado; 16,9%, para compra coisas para os filhos. Por outro lado, 14,6% responderam que o motivo é a compra de um presente para dar para alguém em uma data especial. Outros 18,3%, para pagar uma dívida que já tem.
Merula Borges, especialista em finanças da CNDL e porta-voz da pesquisa, explica que nem todo consumidor sem crédito é um mal pagador. “Isso porque tem muitas pessoas que são desbancarizadas, não têm um histórico formal de crédito e, por essas razões, têm dificuldade para acessar linhas de crédito”, explica.
Os números da pesquisa endossam essa visão: a maioria dos consumidores (84,5%) afirma que quitou ou tem quitado as parcelas em dia.
Mas para quem precisa comprar algo e não tem o limite (ou o acesso) ao cartão de crédito, as especialistas recomendam, dentro do possível, o planejamento financeiro. Ela elenca a ordem de pagamentos a serem priorizados:
“Um passo importante é identificar quais são os gastos desnecessários, como o streaming que os membros da família usam raramente, compras de roupas e acessórios parecidos com o que já têm em casa”, diz Soaper.
Outra alternativa é buscar novas fontes de renda. “Começar a empreender e buscar capacitação profissional para aumento de renda. A inflação sobe mais do que os salários e as pessoas perdem poder de compra. "Aumentar a renda é a única forma de sair desse ciclo de crédito”, explica a educadora financeira.
E quando o amigo ou o parente não quita a fatura: o que fazer? Segundo Borges, a Justiça poderá ser acionada.
Se não houver pagamento, é possível reunir provas e tentar demonstrar que o crédito foi utilizado por terceiros, o que pode ajudar em uma ação judicial. No entanto, esse tipo de processo costuma ser demorado e nem sempre garante a recuperação total do valor.
“Isso acontece normalmente fora do prazo de pagamento daquela conta”, explica Borges. Ou seja, até sair a decisão final da Justiça, a pessoa que emprestou o nome precisará quitar a conta, se não ficará com o nome sujo.
“Por isso, emprestar o nome é desaconselhado, mesmo que seja para familiares próximos, que às vezes dizer o não no momento do empréstimo do nome é melhor do que desgastar a relação depois que essa dívida não é paga”, diz.
A pesquisa foi realizada via web entre os dias 2 e 10 de janeiro de 2025, com uma amostra de 643 respondentes, posteriormente ponderada de acordo com as capitais brasileiras e o perfil da população. O público-alvo contemplou homens e mulheres com 18 anos ou mais, residentes nas capitais do país e com acesso à internet. A margem de erro é de 3,86 pontos percentuais, considerando um intervalo de confiança de 95%.