Líderes Extraordinários

Estratégia em tempos de transformação: lições de uma semana em Chantilly

Entre os dias 6 e 11 de abril, tive o privilégio de participar do programa Embrace Change 2025, promovido pelo YPO na França.

Merengue (Divulgação)

Merengue (Divulgação)

Nicole Mattar
Nicole Mattar

Colunista

Publicado em 3 de junho de 2025 às 15h00.

Idealizado por Amancio Sampaio e Magnus Mchunguzi, o curso reuniu líderes empresariais de diversos setores e nacionalidades para uma imersão em temas críticos da liderança contemporânea. Mais do que um curso, foi uma convocação ao realinhamento de ideias, de estratégias, de atitudes.

Temas urgentes para um mundo instável

Em um contexto geopolítico e econômico cada dia mais instável, marcado por sensíveis mudanças na dinâmica do poder e seus reflexos no mundo corporativo, os temas abordados não poderiam ser mais pertinentes: liderança transformacional, estratégia adaptativa, inovação além da inteligência artificial, finanças corporativas em conjunturas de alta complexidade, identificação e retenção de grandes talentos, negociações em situações de conflito, dentre tantos outros temas atuais que estão moldando nosso futuro.

O poder do coletivo: aprendizados além da sala de aula

O conteúdo, por si só, já seria suficiente para provocar. Mas foi a convivência com outros líderes – organizados em grupos de estudo intencionalmente diversos – que deu profundidade à experiência. Um espaço de confiança e confidencialidade, onde as histórias compartilhadas revelavam não apenas acertos, mas também fracassos, dilemas morais, recomeços e mudanças de rota, às vezes voluntárias, às vezes consequenciais. Uma jornada intelectual e humana, regada a diversão e experiências.

Conhecimento aplicado: excelência acadêmica em ação

A condução acadêmica esteve a cargo de um corpo docente estrelado, oriundo de algumas das mais renomadas universidades do planeta, que demonstraram rara capacidade de traduzir conhecimento em provocações práticas, endereçando problemas comuns no mundo dos negócios.

Lições marcantes: o que cada professor deixou

Estratégia em fusões e aquisições com Mihir A. Desai

Mihir A. Desai, da Harvard Business School, apresentou o modelo POCD – People, Opportunity, Context, Deal – como uma lente integradora para a análise de fusões e aquisições. Segundo Mihir, transações bem-sucedidas não começam em planilhas, mas no entendimento profundo dos principais stakeholders, do momento que vivemos, do contexto institucional e geopolítico em que operamos, e do que está em jogo. Nesse cenário, o desafio é manter essa leitura refinada quando tudo ao redor parece imprevisível.

Inovação com base em comportamento com Jonathan Levav

Jonathan Levav, da Stanford Graduate School of Business, nos levou à consciência do subjetivo como driver das decisões comerciais. Com base em sua pesquisa em economia comportamental e psicologia do consumidor, desdobrou os fundamentos da inovação real: conhecer genuinamente o cliente (não somente por dados demográficos, mas por seu comportamento), criar contextos organizacionais que acolham o erro e incentivem a criatividade sem punição, e compreender os fatores inconscientes que influenciam nossas escolhas de produto, marca e serviço. A inovação, para Levav, não tem origem em laboratórios, mas na escuta atenta em ambientes psicologicamente seguros.

A força das vozes silenciosas com Megan Reitz

Megan Reitz, da Universidade de Oxford, nos lembrou que o sucesso organizacional é silencioso – e profundo. Ele nasce do que as pessoas dizem (ou não dizem) em reuniões. De quem tem espaço para falar. De como o poder é percebido e exercido. Seu trabalho sobre speak up cultures traz à tona um desafio negligenciado: não basta convidar à participação, é preciso que a liderança esteja genuinamente disposta a escutar. A cultura, ensinou Megan, não é visível nos valores emoldurados na parede, mas no que acontece quando alguém ousa divergir.

Execução estratégica com Boris Groysberg

Boris Groysberg, também da HBS, combinou erudição e pragmatismo ao falar sobre execução estratégica. Alertou para o risco de promover mediocridade a posições de impacto, destacando que colocar as pessoas certas nos lugares certos é condição não negociável para a performance. Através do caso da Domino’s Pizza, demonstrou como uma estratégia clara – aliada a estrutura e sistemas coerentes – pode redefinir um setor. Groysberg reforça que talento é o verdadeiro capital estratégico. Como resumiu, com franqueza quase desconcertante: “Talent is money.

A arte da competição com Ramon Casadesus-Masanell

Ramon Casadesus-Masanell, também de Harvard, ofereceu uma leitura lúcida da competição por market share a partir das cinco forças de Porter, mas usando um approach criativo, diferenciado. Destaque para a guerra – quase centenária – entre Pepsi e Coca-Cola e as táticas de “ataque indireto” empregadas, as quais serviram de metáfora para a necessidade de jogadas inteligentes em mercados saturados. Sua contribuição reforça a importância de compreender o jogo estrutural dos setores antes de desenhar qualquer movimento tático.

Negociações e controle emocional com Niro Sivanathan

Encerrando o programa, Niro Sivanathan, da London Business School, conduziu uma sessão de negociações complexas com simulações reais. Em seu trabalho, destaca-se o impacto do ego, do viés de ancoragem e da assimetria de poder sobre o processo decisório. Negociar, segundo ele, é mais sobre controle emocional do que sobre controle de variáveis. É saber calar no momento certo, perceber os sinais do outro, e manter clareza mesmo quando as emoções dominam a mesa.

A tradição em constante reinvenção

Ao final de uma semana tão densa, me senti privilegiada por testemunhar como instituições centenárias preservam sua tradição, enquanto continuam evoluindo como nascedouro de mentes brilhantes e pensamentos disruptivos. E como uma boa aluna, revisei minhas convicções e aprimorei meus conceitos acerca do que devemos considerar como uma “boa estratégia”, e celebrei o conhecimento adquirido, pois essa é a beleza do aprender e a única forma de nos tornarmos melhores pessoas e profissionais.

Pessoas: o verdadeiro diferencial

Não obstante, em que pese a riqueza dos frameworks e a sofisticação das análises conduzidas pelo corpo docente, o verdadeiro diferencial do programa foi o público. No final, são as pessoas e suas experiências que desafiam, que inspiram, que abrem caminhos. E, paradoxalmente, são elas também que mais nos confrontam em nossas certezas. Porque viver em um mundo em mutação exige uma liderança que aceite o desconforto do aprendizado contínuo.

Liderar é reaprender

A era do líder “alfa” ficou para trás. Como aprendizes, precisamos ser humildes. Estudar não é mais uma etapa da vida profissional – é uma condição para sua continuidade. E não basta atualizar conhecimentos; é preciso revisitar nossas certezas. Abandonar velhas premissas e abrir espaço para o novo. Porque o dia de amanhã está cada vez mais distante do dia de hoje.

Talvez, no fim das contas, liderança seja sobre isso: a coragem de reaprender, mesmo (ou especialmente) quando se está no topo.

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