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Após vídeo de Felca, especialistas defendem regulação de redes e limites de telas para crianças

No Rio Innovation Week, painel discutiu impactos da tecnologia no desenvolvimento infantil e defendeu medidas como verificação etária, proibição de celulares nas escolas e maior responsabilização das plataformas

Gabriela Lusquinhos, Renan Ferreirinha e Daniel Becker participam do painel ‘Like e laços: desafios e limites na infância digital’, mediado por Juliana Pio no Rio Innovation Week, que debateu regulação, limites e responsabilidades no uso de telas por crianças (Ag. Enquadrar/Divulgação RIW)

Gabriela Lusquinhos, Renan Ferreirinha e Daniel Becker participam do painel ‘Like e laços: desafios e limites na infância digital’, mediado por Juliana Pio no Rio Innovation Week, que debateu regulação, limites e responsabilidades no uso de telas por crianças (Ag. Enquadrar/Divulgação RIW)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 14 de agosto de 2025 às 10h34.

Última atualização em 14 de agosto de 2025 às 11h22.

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O vídeo do influenciador Felipe Bressanim, o Felca, que ultrapassa 30 milhões de visualizações ao denunciar a adultização e a sexualização de crianças nas redes sociais, serviu como gatilho para um debate mais amplo sobre o uso precoce de telas. No painel 'Like e laços: desafios e limites na infância digital', realizado no Rio Innovation Week, especialistas apontaram que, embora a digitalização traga oportunidades de aprendizado e expressão, ela também expõe crianças a riscos que vão desde vícios comportamentais até crimes graves.

O painel abriu o palco do Rio Talks, no Espaço Kobra, nesta quarta-feira, 13, e contou com a participação da promotora de Justiça Gabriela Lusquinhos, que atua na Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro; do secretário municipal de Educação do Rio e deputado federal Renan Ferreirinha; e do pediatra e ativista pela infância Daniel Becker. A mediação foi da jornalista Juliana Pio, editora-assistente de marketing da EXAME.

A digitalização da sociedade e a democratização do acesso à informação ampliaram oportunidades para crianças e adolescentes participarem do debate público, mas a falta de preparo para lidar com esse ecossistema complexo é um desafio. Dados da pesquisa TIC Kids Online 2023 mostram que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos usam a internet, muitas vezes sem orientação adequada.

Ao iniciar o debate, a promotora de Justiça Gabriela Lusquinhos foi direta: “O lugar mais perigoso que uma criança pode estar sem supervisão é nas redes sociais. Elas não têm regras, não foram desenhadas para crianças.”

Para Gabriela, estabelecer idades mínimas é uma medida urgente. Ela citou as recomendações do pesquisador Jonathan Haidt, que indica 14 anos como idade mínima para ter um smartphone e 16 para entrar em redes sociais. “Com essas idades, eles terão mais condição de fazer escolhas e não cair em desafios perigosos”, afirmou. A promotora resumiu a prioridade: “Diminuir o like e aumentar o laço é um bom caminho.”

O pediatra e ativista Daniel Becker alertou que aplicativos e redes sociais são projetados para gerar dependência. “Uma vez que você dá um aparelho para uma criança, ele passa a ser o centro da vida dela. E ela vai ficar viciada naquilo porque eles são feitos para viciar.”

Ele detalhou que essa exposição precoce afeta a capacidade de atenção, leitura e memória, além de favorecer a exposição a ideologias extremistas, misoginia e discursos de ódio. “Muitos se viciam em jogos de azar ou pornografia, o que provoca uma iniciação sexual completamente deturpada, baseada em violência, humilhação e padrões impossíveis”, disse.

Becker fez ainda uma distinção entre o que chama de “boa tela” e “tela ruim”. No primeiro caso, estão atividades mediadas por interação social, como assistir a um filme em família ou jogar videogame com amigos. No segundo, aplicativos e plataformas que estimulam uso compulsivo. “Essas devem ser proibidas para crianças”, defendeu.

O secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, lembrou que a escola tem papel central nesse processo. Em 2023, após a publicação de um relatório global da Unesco sobre uso excessivo de tecnologia por crianças, o município foi o primeiro do país a proibir celulares em escolas. “Começamos pela sala de aula, depois estendemos para o recreio. Não faz sentido, no intervalo, as crianças estarem isoladas no celular enquanto os colegas brincam”, disse.

Ferreirinha afirmou que a medida gerou resultados expressivos: “Diminuímos o bullying e aumentamos a aprendizagem em 53%. Também houve aumento de 40% na busca por livros.” A experiência inspirou um projeto de lei federal, já aprovado, que proíbe o uso de celulares em todas as escolas do país. Para o secretário, a proibição não estimula a compensação do uso fora da escola: “A criança entende que pode sobreviver sem ficar checando o celular o tempo todo e passa a dedicar tempo a outras atividades.”

O debate também abordou casos extremos registrados pelo Ministério Público. Gabriela relatou episódios em que adolescentes transmitiram violência extrema em tempo real ou incentivaram automutilação. “Isso acontece porque não temos regulação de redes”, disse, defendendo a aprovação do PL 2628, que prevê verificação etária obrigatória e restrição de conteúdos recomendados por algoritmos. “As redes sociais podem ser um ambiente propício para organizações criminosas que exploram sexualmente menores.”

O papel das famílias foi outro ponto de convergência entre os especialistas. Gabriela lembrou que a responsabilidade dos pais é também jurídica: “Tudo que seu filho fizer na rede social, você responde. Se praticar cyberbullying e a vítima se suicidar, os pais responderão por reparação civil.” Becker completou listando sinais de alerta que exigem atenção, como isolamento social, queda no rendimento escolar, irritabilidade, mudanças no sono e na alimentação.

Ferreirinha defendeu que a legislação digital deve se alinhar à lógica do mundo físico: “O que você não pode fazer no presencial, não deve poder fazer no digital. O direito precisa caminhar nesse sentido.” Para ele, há hoje um consenso político e social raro que permite avançar nessa pauta. Becker reforçou que, antes de ingressar no ambiente digital, a criança precisa viver plenamente o mundo real: “Brincar, interagir, se movimentar, estar na natureza e conviver. É isso que forma o ser humano.”

Ao encerrar, Juliana destacou que o tema não se esgota e lembrou que marcas e anunciantes também têm papel no debate, já que patrocinam conteúdos nas redes sociais. “É fundamental que todos os setores se comprometam com a proteção da infância”, afirmou.

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