Douglas Rushkoff, teórico da mídia nascido em Nova York, é autor de diversos livros e considerado pelo MIT Technology Review uma das dez mentes mais influentes da atualidade (Divulgação)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 11 de setembro de 2025 às 13h26.
A inteligência artificial pode acelerar um processo de homogeneização das marcas e da sociedade. O alerta é de Douglas Rushkoff, teórico da mídia e crítico da cultura digital, que vê nos algoritmos e modelos de linguagem uma tendência a nivelar tudo pela média, dificultando a preservação da singularidade e da criatividade em um ambiente dominado por máquinas.
Autor de mais de 20 livros, entre eles Team Human (Time Humano, na tradução literal) e Survival of the Richest (A Sobrevivência dos Mais Ricos), Rushkoff dedica sua obra a investigar como a tecnologia molda a cultura e a economia. Ao longo da trajetória, cunhou conceitos como “vírus de mídia” e “moeda social”, que ajudaram a explicar a forma como ideias e informações circulam na internet.
Essa produção intelectual o tornou presença constante em eventos de inovação, como o South by Southwest (SXSW), em Austin, e rendeu o reconhecimento do MIT Technology Review, que o incluiu entre as dez mentes mais influentes da atualidade. Além de professor de Mídia Tática no Queens College, da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), apresenta o podcast Team Human e produziu documentários como Merchants of Cool (Os Mercadores do Cool) e Generation Like (Geração Curtir).
Na entrevista à EXAME, Rushkoff reforça que dados e tendências, por si só, não sustentam a comunicação das empresas. “Todos têm acesso aos mesmos dados; usá-los só transforma sua marca em igual a todas as outras”, afirma. Para ele, o futuro da comunicação passa por cultivar culturas próprias e realidades vivas que conectem marcas, consumidores e comunidades.
Rushkoff esteve no Brasil a convite da Cadastra, especialista em serviços tecnológicos aplicados ao marketing, durante a celebração de 25 anos da empresa. Na ocaisão, a companhia anunciou investimento de R$ 10 milhões no desenvolvimento da Astra, sua plataforma própria de inteligência artificial. Acompanhe a entrevista.
Acho interessante você associar ‘estranho’ a ‘singularidade’. Sei que não está usando ‘singularidade’ no sentido dos ‘tech bros’ malucos, mas sim como a ideia de que o estranho seria permanecer de alguma forma ‘singular’, ‘único’ ou ‘altamente individual’. Hoje, essa busca pela individualidade já virou norma. Quando falo em ‘estranho’, refiro-me aos espaços liminares entre as coisas. À ambiguidade. À instabilidade.
Pode ser a sensação que mil pessoas têm ao mesmo tempo em uma rave ou festival, quando a energia muda. Ou a percepção coletiva que muita gente compartilha ao perceber que algo na política ou na economia está dando errado. Mas sinto que o ‘estranho’ é o estado natural. Um estado de ser não objetificado, de experiência. Todos nós somos potencialmente estranhos.
A inteligência artificial tende a trazer tudo de volta para a média, para a mesmice; por isso, é difícil permanecer ‘estranho’ e vivo em um ambiente automatizado. Em um universo de modelos de linguagem, tudo busca ser a próxima frase mais provável. Nos EUA, vemos o governo recair no autoritarismo, que é a forma mais provável e típica de governo desde que eles existem.
A maneira de empresas e organizações se manterem 'estranhas' é fomentar suas próprias culturas vivas. Ter uma competência ou expertise é muito estranho no ambiente de negócios atual. E eu sei que parece sarcástico, mas é verdade: veja se sua empresa e seus funcionários podem se tornar verdadeiramente especialistas em alguma coisa. Pense menos na planilha e mais na cultura peculiar que você oferece, tanto dentro da sua empresa quanto fora dela, para seus consumidores ou público. A cultura é um ser vivo. A cultura é estranha.
Bem, as plataformas fingem que não existem. Nos Estados Unidos, as leis as protegem como se não tomassem nenhuma decisão sobre o conteúdo que aparece aos usuários. Elas se apoiam em normas criadas para proteger servidores de e-mail de serem responsabilizados pelas mensagens enviadas por meio de seus sistemas. Mas as redes sociais funcionam de outra forma: elas usam algoritmos para decidir o que as pessoas veem. Elas escolhem o conteúdo de forma mais agressiva e personalizada do que qualquer revista ou jornal. Ainda assim, a lei as trata como se nada disso acontecesse.
Se as redes sociais fossem responsabilizadas pelas escolhas ativas que fazem sobre o que vemos, nada disso estaria acontecendo. Mas, como usam máquinas programadas para selecionar aquilo que mais nos irrita ou estimula, veremos crescer cada vez mais a presença de conteúdos pornográficos e insanos. E, quando a inteligência artificial entrar de vez nesse processo, talvez não haja caminho de volta.
Hoje, a principal disputa nos Estados Unidos gira em torno das fazendas de servidores de IA e do consumo de energia. A elite da tecnologia mudou de lado: antes próxima do campo progressista, passou a apoiar a direita autoritária depois que os candidatos democratas sugeriram regular a inteligência artificial. Já a direita prometeu não impor restrições. As empresas de IA terão acesso irrestrito à energia, terra e água, além da capacidade de construir fazendas de servidores sem nem mesmo revelar de qual companhia elas são.
Não quero emitir julgamento aqui. Tenho certeza de que muitos acreditam ser necessário gastar os recursos restantes do planeta em novas tecnologias que poderiam, em tese, salvar a humanidade da mudança climática e da escassez. Para essas pessoas, se isso significar água poluída ou contas de luz mais caras, que seja — desde que a IA consiga nos resgatar no fim. Enquanto isso, a mídia americana vive com medo de retaliação do governo e pisa em ovos no que publica. Algumas empresas, como a Paramount, estão tomando medidas ativas para se promoverem como amigas do novo governo.
Na verdade, fundei uma nova empresa (AndusLabs.com) para ajudar companhias a lidar com isso. Sempre vi como um problema: as pessoas usam branding e marketing para reagir a tendências ou dados de consumidores e acabam perdendo a si mesmas e suas vantagens competitivas. Todos têm os mesmos dados; usá-los faz você virar igual a todo mundo.
No mundo da inteligência artificial, essas tendências ficam ainda mais intensas. Por um lado, é importante ser ‘legível pelas máquinas’. As IAs são responsáveis por disseminar sua mensagem, porque estão substituindo a busca e as redes sociais. Elas precisam ser capazes de enxergar você. Para isso, é necessário usar pontos de dados. Fatos (dados concretos, números, evidências). Informações que as IAs conseguem ver e depois entregar aos seus potenciais clientes em forma de respostas.
Outra questão é que as IAs — e também as pessoas em um ambiente midiático dominado pela IA — não se comunicam mais por histórias. Não há tempo para narrativas. As histórias pertencem à era da mídia linear. Hoje, pessoas e máquinas se comunicam com dados, fatos ou, no máximo, memes. Foi sobre isso que falei no meu livro Media Virus, de 1994: a informação circula de outro jeito. Por isso, não se trata mais de usar narrativas, mas sim fatos. Não-ficção. E isso é realidade — portanto, humano por natureza. Não histórias de marca. Não esconder a realidade. Mas compartilhá-la.
É por isso que você precisa ter uma realidade para compartilhar. As pessoas da sua empresa precisam estar fazendo algo que valha a pena mostrar. Precisam ter algum nível de habilidade, especialidade ou cultura. Isso é super difícil, mas vai ser essencial para ter sucesso no futuro: encontrar algo, qualquer coisa, que torne sua empresa ou produto especial. Se você conversar com quem está na linha de frente ou na fábrica, pode descobrir algo realmente valioso.
Se eu estivesse no mundo dos negócios, provavelmente me interessaria mais por vendas do que por cliques. Os cliques na web e nas redes sociais já estão deixando de ser a principal forma de gerar vendas. Eu olharia para horizontes mais amplos. Reduziria a velocidade. Analisaria as vendas mensais ou trimestrais após campanhas inteiras. Voltaria a conversar com os clientes superfãs. Como eles conheceram a marca? Que tipos de anúncios e imagens os ajudam a se sentir bem em relação à sua empresa e aos seus produtos?
Pense em marketing e publicidade como uma forma de ajudar seus consumidores-vendedores a promoverem você. Converse com os clientes. Faça grupos focais! Lembra deles? Você pode fazer testes A/B de várias coisas online, mas eu diria para ir mais devagar.
Acho que posso citar os exemplos mais conhecidos: Mondragón, a cooperativa industrial espanhola. A Wikipedia. O Reddit. Tamera. Existem milhares, talvez centenas de milhares, de cooperativas menores espalhadas pelo mundo. Muitos donos de empresas estão vendendo seus negócios para os próprios funcionários (em vez de passá-los para os filhos).
Me inspiro em Tamera, uma comunidade intencional em Portugal que experimenta práticas de permacultura e o desenvolvimento de microclimas. Também admiro o movimento Transition Towns, que vem disseminando essas ideias pelo mundo.
O mais importante que isso revela é que os bilionários da tecnologia não acreditam que o restante de nós vá compartilhar de seu sucesso. Em suas fantasias positivas, eles falam sobre robôs de IA, viver para sempre ou fazer upload de seus cérebros — mas isso não nos inclui. É só para alguns milhares de bilionários. Eles veem a humanidade como estando na fase “larval” da espécie. Apenas alguns de nós criariam asas e escapariam. Ou seja, os planos deles mostram que não acreditam que exista o suficiente para todos nós. A AGI (inteligência artificial geral) e todas as outras coisas que querem fazer estão a serviço de um futuro no qual você e eu não sobreviveremos.
Vocês, brasileiros, parecem melhores nisso do que nós, americanos. Dança, sexo, socialização, música, brincadeiras...Várias gerações interagindo. Experiências na natureza. Só de olhar para a natureza, em vez de uma tela, recalibra o sistema nervoso. Ou tomar banho. Não tomamos banho nos EUA como vocês tomam no Brasil. Não temos água suficiente. Fiquei muito surpreso ao entrar no chuveiro no Brasil e sentir tanta água em mim. Foi glorioso. Também foi triste pensar que entregamos tanta água para indústrias inúteis nos EUA, e que não podemos mais fazer isso.