Na era da IA, o desafio do branding é recuperar o sentido e ocupar territórios simbólicos claros na mente do consumidor
Colunista
Publicado em 21 de novembro de 2025 às 18h08.
O branding será medido por confiança, coerência e pela capacidade de liderar micromundos nos quais a marca é insubstituível. Enquanto discutíamos 'o mundo digital', a inteligência artificial (IA) acelerou anos-luz e revelou galáxias inteiras. Ninguém estava plenamente preparado: consumidores, empresas e até os gurus de marketing e branding.
No branding, a tendência é deixar de competir apenas dentro das categorias para competir além delas, criando subcategorias, verdadeiros micromundos onde a marca detém relevância e ergue barreiras próprias.
Esses micromundos não pertencem à marca nem à tecnologia: nascem das tensões, desejos e repertórios do consumidor. A marca conquista o direito de liderá-los quando organiza esse significado em uma proposta clara, consistente e insubstituível.
Sim, o branding já migra para a era em que as marcas lideram não só o que existe, mas o que virá, ocupando campos onde concorrentes ainda não existem.
Ser digital virou o novo básico. A IA descortinou galáxias e, nelas, micromundos: territórios de marca que existem no lugar mais difícil de alcançar — a infinita mente do consumidor. Por isso, é vital ter uma marca que ocupa um território claro.
O ponto de partida é ser lembrada espontaneamente (Top of Mind Awareness, a mãe de todas as métricas). A partir daí, avalia-se o Brand Image, mapeia-se o território e identifica-se o terreno do micromundo, nomeando seus códigos, rituais e provas.
Trata-se de caracterizar o espaço próprio onde a marca é relevante, conectada emocionalmente e próxima do consumidor — um espaço mental (um refúgio, um palco, talvez um paraíso) no qual ele vive algo único e entende por que aquela marca é “o seu mundo”.
Quanto mais inteligente a tecnologia, mais valioso o toque humano. Confiança volta a ser o filtro entre o autêntico e o sintético.
O branding assume o centro de gravidade: marcas fortes usam dados para compreender melhor as pessoas, IA para criar relações mais relevantes e o digital para reforçar uma promessa que já é verdadeira fora da tela.
Não é a máquina que conduz a marca, é o sentido que a marca imprime no uso que faz da máquina.
Só quem existe na memória consegue se diferenciar. Por isso, marcas verdadeiramente ambiciosas perseguem ser Top of Mind e Top Distinta. Nunca o Brand Image foi tão importante e tão requisitado.
A massificação da IA criou a inédita paridade de armas entre consumidores e empresas. Para escapar de algoritmos desenhados para capturar atenção e de mensagens “irresistíveis”, o consumidor passou a contar com inteligência assistida: sistemas que assimilam seu repertório, pensam como ele e, cada vez mais, decidem com ele.
Quando a leitura deixa de ser só humana para ser também assistida, a dúvida muda de lugar: não é quem fala mais alto, é quem prova melhor. O jogo não é ser visto, é ser compreendido.
O desafio deixou de ser apenas convencer o consumidor e passou a incluir convencer o algoritmo que pensa com ele. Tarefa dificílima sem garantia de sucesso. Mas o insucesso está praticamente garantido para quem tentar encurtar o caminho, achando que dá para convencer a IA sem convencer gente de verdade, ou ainda, “inventar” territórios brilhantes em PPT que jamais existiram na cabeça de ninguém. O trabalho sério, especialmente para os pesquisadores, é revelar micromundos reais, em vez de desenhá-los em slides pirotécnicos.
O objetivo agora é descobrir onde cada marca pode ser insubstituível e quais sinais tornam essa liderança reconhecível: por pessoas e pelos sistemas que intermediam escolhas. O IPESO lança a pesquisa Mapa de Micromundos para apoiar essa transição: das categorias saturadas para os (novos) territórios de valor em criação.
Micromundos não são metáforas criativas. São estratégias de negócio. Estamos falando de posicionamento: construir uma posição em um território no qual a marca possa ser insubstituível. E levar o consumidor para este território. Obviamente que não estamos falando do Metaverso.
Para isso não basta definir um “conceito bonito”: é preciso provar valor, de forma consistente, mensurável e responsável.
Isso começa pelos dados. Personalização não é espionagem, é respeito. É usar informação para conectar pessoas ao micromundo certo: aquele que resolve uma tensão real, sem manipular, sem distorcer, sem prometer o que não entrega. IA, aqui, é meio para precisão, não arma para persuasão cega.
Também passa pela ética. O mau uso da IA, dos atalhos criativos e das narrativas fabricadas cobra seu preço em credibilidade. As marcas que vão atravessar o próximo ciclo não serão as que usam mais tecnologia, mas as que combinam sinais fortes de confiança, histórias verdadeiras e programas concretos que impactam a vida das pessoas e da sociedade.
O Mapa de Micromundos do IPESO nasce justamente para isso: ajudar marcas a encontrar territórios onde possam gerar, ao mesmo tempo, significado, resultado e responsabilidade. Porque, na era da IA, qualquer incoerência é detectável pelos consumidores — e toda verdade também.
Vivemos a febre tecnológica: empilhamos dados, ferramentas e dashboards esperando que a próxima novidade trouxesse significado. Não trouxe. Digital não diferencia.
A nova fronteira é simbólica: quando tudo é rastreável, o valor volta a morar no que é raro: coerência, propósito, confiança. Encontramos as respostas certas quando deixamos de perguntar “qual ferramenta usar?” e voltamos a perguntar “por que existimos?”. A obsessão por cliques e views cega para o sentido.
No fim, não é o algoritmo que decide o futuro das marcas: é a capacidade humana de entender o que, de fato, ainda faz sentido. O consumidor (até) é impactado pelo que os algoritmos mostram, mas só escolhe (de verdade) o que ajuda a resolver tensões reais. Por isso, toda estratégia começa por entendimento. E decifrar o consumidor a olho nu é praticamente impossível.
É hora de muita pesquisa, concebida por pesquisadores experientes, com formação sólida e sensibilidade para separar ruído de sinal, que sabem que os dashboards, não raro, mostram apenas o que se repete, enquanto a pesquisa revela o que importa.
Para liderar esta era, é necessário unir tecnologia que escala, pesquisa que orienta e branding que sustenta. O resto é só digital, sem sentido.
E “sentido” aqui é quando a marca ocupa um lugar claro na mente, entrega valor comprovado na vida real e continua merecendo ser escolhida pelas pessoas e (agora) pelos sistemas que as ajudam a decidir. Porque o futuro não é machine first, é meaning first. E a próxima revolução do marketing será emocional, não digital.