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Cidade de 15 minutos: utopia ou tendência real do urbanismo moderno?

Cidades de 15 minutos prometem mais qualidade de vida, menos trânsito e bairros completos. Entenda como funcionam, onde existem e qual é o impacto delas no mercado imobiliário

O modelo exige uma transformação profunda que vai além de criar ciclovias ou melhorar o transporte público. Trata-se de repensar a própria essência do viver urbano, priorizando pessoas sobre veículos, proximidade sobre velocidade, comunidade sobre individualismo. (Germano Lüders/Exame)

O modelo exige uma transformação profunda que vai além de criar ciclovias ou melhorar o transporte público. Trata-se de repensar a própria essência do viver urbano, priorizando pessoas sobre veículos, proximidade sobre velocidade, comunidade sobre individualismo. (Germano Lüders/Exame)

Luanda Moraes
Luanda Moraes

Colaboradora

Publicado em 15 de julho de 2025 às 18h08.

Em um mundo onde dois terços da população viverão em áreas urbanas até 2050, segundo a ONU, a busca por cidades mais habitáveis se tornou urgente. Diante desse cenário, surge a cidade de 15 minutos – um modelo que promete revolucionar a forma como as pessoas vivem nas metrópoles ao garantir que trabalho, lazer, saúde e educação estejam a apenas uma caminhada ou pedalada de distância.

O que é uma cidade de 15 minutos?

A cidade de 15 minutos se baseia em um princípio simples: todos os serviços essenciais devem estar acessíveis em até 15 minutos a pé, de bicicleta ou por transporte público. O conceito, formulado em 2016 pelo professor Carlos Moreno, da Universidade Sorbonne de Paris, propõe uma reorganização urbana radical que coloca a qualidade de vida no centro do planejamento.

Diferentemente do modelo tradicional, onde grandes deslocamentos são necessários para atividades cotidianas, essa proposta defende bairros de uso misto. Isso significa que residências, comércios, escritórios, escolas e áreas de lazer coexistem harmoniosamente no mesmo espaço urbano. A ideia é criar núcleos autossuficientes dentro da própria cidade.

Por sua vez, o conceito se apoia no "crono-urbanismo" – uma forma de pensar as cidades em termos de tempo e proximidade, não apenas de distância física. Trata-se de uma resposta direta ao modelo carrocêntrico que dominou o planejamento urbano do século XX, priorizando veículos em detrimento das pessoas.

Quais são os benefícios de viver em uma cidade de 15 minutos?

Os impactos positivos desse modelo urbano se estendem por diversas esferas da vida cotidiana. Em primeiro lugar, a redução drástica do tempo perdido em deslocamentos libera horas preciosas para atividades pessoais, familiares e de lazer. Imagine que duas horas diárias no trânsito podem se transformar em passeios no parque ou momentos com a família.

Além disso, a saúde física e mental dos moradores apresenta melhorias significativas. Caminhar ou pedalar regularmente combate o sedentarismo, enquanto a proximidade de áreas verdes e espaços de convivência reduz os níveis de estresse urbano. A qualidade do ar também melhora substancialmente com a diminuição do tráfego de veículos.

Do ponto de vista ambiental, as cidades de 15 minutos representam um avanço crucial na luta contra as mudanças climáticas. A redução das emissões de carbono acontece naturalmente quando carros deixam de ser necessários para atividades cotidianas. Paris, por exemplo, registrou quedas significativas na poluição atmosférica após implementar o conceito.

Economicamente, o modelo fortalece o comércio local e cria bairros mais resilientes. Pequenos negócios prosperam quando há um fluxo constante de pedestres, gerando empregos próximos às residências. Essa dinâmica também torna as cidades mais adaptáveis a crises, como ficou evidente durante a pandemia de COVID-19.

Cidades de 15 minutos pelo mundo

People plays at the Champ-de-Mars garden in front of the Eiffel Tower Stadium that will host the Beach Volleyball and men's Blind Football competitions during the upcoming Paris 2024 Olympics in Paris on April 16, 2024. (Photo by Antonin UTZ / AFP)

Paris lidera a implementação global do conceito desde 2016, sob o comando da prefeita Anne Hidalgo. A capital francesa transformou vias antes dominadas por carros em espaços para pedestres e ciclistas, expandindo sua rede de ciclovias para impressionantes 1.400 quilômetros. A margem do Rio Sena, que recebia 40 mil veículos diariamente, hoje é um parque linear.

Barcelona inova com seus "superblocks" – quarteirões que limitam drasticamente o tráfego de veículos, criando oásis urbanos para moradores. O plano ambicioso prevê 21 novas superquadras, transformando ruas em espaços de convivência comunitária onde crianças podem brincar com segurança.

Em contrapartida, Melbourne adota uma variação chamada "bairros de 20 minutos" em seu plano diretor para 2050. A cidade australiana reformulou leis de zoneamento e investiu pesadamente em transporte público para garantir que serviços essenciais estejam sempre próximos, independentemente do bairro.

Copenhague, por outro lado, já incorporava princípios similares há décadas. Com 400 quilômetros de ciclovias e 60% dos moradores usando bicicletas diariamente, a capital dinamarquesa demonstra que o conceito pode funcionar mesmo em climas desafiadores. Novas zonas livres de carros continuam surgindo pela cidade.

Na América Latina, Bogotá avança com melhorias no sistema TransMilenio e expansão de ciclovias, mirando 280 quilômetros até 2030. Além disso, Milão reestrutura bairros inteiros sob o plano "Milano 2030", enquanto Lisboa aproveita sua geografia compacta para implementar o programa "Lisboa Ciclável".

Já existem cidades de 15 minutos no Brasil?

Vista panorâmica de Curitiba (PR)

Vista panorâmica de Curitiba (PR) (Eduardo PA/Getty Images)

Embora nenhuma cidade brasileira implemente integralmente o conceito, algumas se aproximam com iniciativas promissoras. Curitiba, pioneira em planejamento urbano desde os anos 1970, lidera com seu sistema BRT e 250 quilômetros de ciclovias. Bairros centrais como Batel já oferecem acesso facilitado a serviços, mas periferias ainda enfrentam desafios.

Fortaleza surge como caso interessante com o plano "Fortaleza Cidade Sustentável". A capital cearense já conta com mais de 400 quilômetros de ciclovias e investe em corredores de ônibus. Áreas como Aldeota começam a apresentar características de bairros compactos, embora a implementação permaneça desigual entre centro e periferia.

Seguindo esse ritmo, Sorocaba investe em mobilidade sustentável com 120 quilômetros de ciclovias e requalificação de espaços públicos. O programa "Sorocaba Sustentável" foca em áreas centrais, mas ainda enfrenta limitações para expandir o modelo para toda a cidade.

Belo Horizonte apresenta avanços pontuais através do plano "Mobilidade BH 2030". Regiões como Savassi e Funcionários naturalmente se aproximam do conceito devido à alta densidade de serviços, mas a fragmentação urbana impede uma implementação mais ampla.

São Paulo é uma cidade de 15 minutos?

Parque do Povo; Fitness; caminhadas, Vila Olimpia; Prédios Comercial

Parque do Povo; Fitness; caminhadas, Vila Olimpia; Prédios Comercial. Foto: Germano Lüders. 2015 (Germano Lüders/Exame)

A análise da maior metrópole brasileira revela um cenário de contrastes. Segundo levantamento do Caos Planejado com dados do Censo 2022, São Paulo apresenta números que variam drasticamente entre caminhada e bicicleta: enquanto apenas 15% dos paulistanos acessam parques urbanos caminhando em 15 minutos, o percentual salta para 87% de bicicleta.

O estudo identificou três realidades distintas na cidade. A primeira mostra que serviços básicos de saúde estão relativamente bem distribuídos – 81% da população alcança uma UBS a pé no tempo estipulado. A segunda revela carências culturais significativas: apenas 27% vivem próximos a bibliotecas e meros 14% podem caminhar até teatros ou cinemas. A terceira expõe o problema mais grave: a concentração de empregos no centro expandido e a limitação do transporte metroviário, que atende apenas 23% dos moradores em caminhadas de 15 minutos.

Esses dados mostram que São Paulo possui ilhas de acessibilidade em meio a vastos territórios desconectados. A bicicleta surge como solução parcial, ampliando significativamente o alcance aos serviços, mas ainda insuficiente para democratizar o acesso urbano em uma metrópole marcada pela desigualdade espacial.

Quais são os desafios de uma cidade de 15 minutos?

A implementação do conceito enfrenta obstáculos globalmente. A desigualdade urbana surge como barreira principal – enquanto centros prosperam, periferias permanecem carentes de infraestrutura básica. Xangai exemplifica esse desafio: distritos centrais avançam no modelo, mas áreas suburbanas continuam dependentes de longos deslocamentos.

Além disso, a resistência cultural ao abandono do automóvel permanece forte. Em Edmonton, no Canadá, protestos contra zonas de baixa emissão refletem o apego ao carro particular. Comerciantes temem perda de clientes, enquanto teorias conspiratórias associam o conceito a restrições de liberdade, como ocorreu em Oxford, no Reino Unido.

Os custos de implementação também assustam gestores públicos. Transformar cidades consolidadas exige investimentos massivos em ciclovias, transporte público e reorganização urbana.

No contexto brasileiro, as cidades de 15 minutos enfrentam desafios adicionais. A desigualdade socioeconômica extrema cria abismos entre centro e periferia impossíveis de transpor apenas com ciclovias. O crescimento desordenado histórico deixou um legado de fragmentação urbana difícil de resolver.

Vale destacar que a cultura automobilística brasileira representa outro entrave significativo. Na capital paulista, segundo dados da Rede Nossa São Paulo, apenas 3% dos deslocamentos acontecem por bicicleta, apesar dos investimentos em infraestrutura cicloviária. A percepção de insegurança, especialmente à noite, desencoraja a mobilidade ativa em muitas áreas.

Por fim, estão questões topográficas e climáticas, que não podem ser ignoradas. Cidades como Salvador enfrentam relevos acidentados que dificultam o ciclismo, enquanto o calor tropical e chuvas intensas demandam adaptações específicas na infraestrutura.

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