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Cidadania italiana: Suprema Corte pode reverter decreto que restringiu direito de descendentes

Mudança nas regras aprovada em maio restringiu direito de cidadania a filhos e netos de italianos e afetou brasileiros

Bandeira da Itália: governo do país mudou as regras de cidadania em 2025 (Alexander Spatari/Getty Images)

Bandeira da Itália: governo do país mudou as regras de cidadania em 2025 (Alexander Spatari/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 30 de junho de 2025 às 14h22.

Última atualização em 30 de junho de 2025 às 15h12.

O decreto que vetou o direito à cidadania italiana para netos e bisnetos de cidadãos do país está sendo questionado na Justiça, e o caso será analisado pela Suprema Corte do país.

Na semana passada, um tribunal de Turim deu prosseguimento a um pedido de inconstitucionalidade do decreto e enviou o caso para a Corte máxima do país, responsável por dar a palavra final em casos que envolvem a Constituição italiana.

O tribunal tinha duas opções: negar o pedido e decidir que o decreto é válido, ou acatar o pedido de questionamento e enviá-lo para a Suprema Corte.

O processo questionando o decreto foi iniciado por duas associações de defesa de descendentes e apresentado depois de 28 de março, dia em que o decreto que mudou as regras entrou em vigor. 

Os autores da ação argumentam que o decreto retirou um direito adquirido, o que é inconstitucional. A interpretação defendida pelos advogados é a de que o direito à cidadania, dado pela lei anterior, era adquirido ao nascer, e não na data de pedido da cidadania. Assim, os descendentes que nasceram antes do decreto teriam direito a serem italianos, e a mudança valeria apenas para pessoas nascidas depois de 28 de março de 2025.

"A decisão respeita o direito adquirido e a impossibilidade de uma lei retroagir para retirar um direito", diz Fábio Gioppo, advogado especialista em imigração italiana.

Além deste caso, outro processo, na Justiça de Bolonha, questiona a constitucionalidade de outro decreto sobre regras de cidadania, de 1992, mas teve decisão contrária aos descendentes. Esse decreto estendia o direito à cidadania sem limite de geração e foi considerado inconstitucional pelos juízes bolonheses, no dia 24. O caso também foi enviado à Suprema Corte.

Assim, os dois casos estão relacionados.

"Se a Corte Constitucional disser que é válido o pedido dos requerentes do caso de Bolonha, isso traz um reflexo direto para o caso de Turim", diz Gioppo. 

Próximos passos da disputa judicial

Não há prazo previsto para que a Suprema Corte italiana decida sobre os casos. A sentença poderá levar alguns meses, pois haverá o recesso judiciário de verão na Itália a partir de julho e o serviço será retomado só em setembro.

No entanto, como a decisão dos primeiros casos foi relativamente rápida, em alguns meses após a entrada do pedido, Gioppo avalia que uma decisão poderá seguir um prazo similar e ser anunciada ainda este ano.

A decisão da Suprema Corte valerá inicialmente apenas para os descendentes citados no processo de Turim. No entanto, se houver decisão favorável a eles, isso abrirá caminho para que outros descendentes questionem o decreto na Justiça.

Além disso, a Corte poderá emitir algum posicionamento geral sobre o decreto e considerá-lo inconstitucional. 

Gioppo diz que seu escritório entrou com 25 processos na Justiça italiana contra o novo decreto, e que outras entidades e escritórios estão entrando com ações similares, o que aumenta a pressão por uma posição da Corte que valha para todos 

Entenda a mudança nas regras de cidadania italiana

A Itália aprovou neste ano uma mudança nas regras de cidadania que limita o direito a pessoas com parentes italianos distantes a se tornarem cidadãos do país.

A nova regra restringe o direito à cidadania italiana apenas a filhos e netos de italianos. Antes, era possível a transmissão de cidadania sem limite de gerações, desde que comprovado o vínculo com um ancestral italiano que tivesse nascido no país depois de 1861, quando o reino da Itália foi formado, fosse comprovado. Agora, o direito será concedido somente se o ascendente for direto (pai, mãe, avô ou avó):

    • tiver nascido na Itália; ou
    • tiver nascido fora da Itália, mas vivido no país por pelo menos dois anos antes do nascimento do descendente.

A medida visa combater alguns problemas, segundo o governo italiano. O maior deles é que muitos dos novos cidadãos não desejam morar na Itália, mas apenas ter um passaporte para viajar mais facilmente a outros países. Além disso, o passaporte italiano facilita a contratação para empregos em outros países da Europa.

"Ser um cidadão italiano é algo sério. Não é um jogo para obter um passaporte que permite ir fazer compras em Miami", disse Antonio Tajani, ministro de Relações Exteriores da Itália, em entrevista coletiva no final de março.

"A cidadania não pode ser automática para aqueles que têm um antecessor que emigraram séculos atrás, sem nenhum laço linguístico ou cultural com o país", afirmou.

Ao mesmo tempo, o governo reclama que o excesso de pedidos têm congestionado os órgãos públicos, especialmente as prefeituras de pequenas cidades, onde estrangeiros buscam documentos antigos para comprovar parentescos, e os consulados no exterior.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Itália, havia cerca de 60 milhões a 80 milhões de pessoas no mundo que eram elegíveis à cidadania italiana. O país todo tem uma população de 59 milhões de habitantes.

O governo da Itália é chefiado atualmente pela primeira-ministra Georgia Meloni, que defende reforçar o combate à imigração irregular.

Há, ainda, uma terceira razão: cortar os ganhos de empresas que oferecem consultoria para o processo. "Estamos atacando muito fortemente aqueles que querem fazer dinheiro com a oportunidade de se tornar um cidadão italiano", disse Tajani.

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