Donald Trump, presidente dos EUA, durante discurso na ONU (Angela Weiss/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 23 de setembro de 2025 às 19h01.
A primeira conversa direta entre os presidentes Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva, nesta terça-feira, 23, durante a Assembleia Geral da ONU, mudou o rumo da crise diplomática entre os dois países. Os próximos passos, no entanto, seguem difíceis de prever e é preciso cautela, avaliam analistas que acompanham a relação entre os dois países.
Há meses, Trump faz uma campanha contra o Brasil, para convencer o país a suspender o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado, e também acusa o país de práticas comerciais desleais.
Nesta crise, autoridades americanas se recusaram a falar com enviados do governo brasileiro, e Lula se recusou a telefonar para Trump. Assim, o principal efeito da conversa desta terça é trazer a possibilidade de abrir uma mesa de negociação real entre os governos.
“O jogo ainda não é positivo para o Brasil, mas é uma abertura importante, que vai significar também que todo o alto escalão americano tenha que fazer uma abertura de negociação que não tínhamos até então”, diz Denilde Holzhacker, professora do curso de Relações Internacionais da ESPM.
“Se o empecilho para negociar era a Casa Branca, agora, pode ser que isso não seja mais um entrave para que o governo brasileiro consiga reverter ou diminuir o impacto das tarifas americanas”, afirma Holzhacker.
Bruna Santos, diretora do programa sobre o Brasil no think tank Inter-American Dialogue, em Washington, sugere que o momento é de cautela, mas que a situação entre os dois países parece estar mudando.
“É preciso estar preparado para surpresas. O encontro com Lula pode ou não acontecer, e o lado brasileiro prefere cautela. O que se vê, no entanto, é que a reação contida do governo Trump à condenação de Bolsonaro sugere que a disputa política e comercial entre EUA e Brasil pode estar entrando numa fase mais aberta a negociações construtivas”, afirma.
Analistas apontam, ainda, que a mudança de postura parece ter sido uma reação pessoal do líder americano, que já trocou radicalmente de posição várias vezes em outros temas neste ano. Assim, a onda de boa vontade com Lula tem duração incerta.
“Em se tratando de Trump, nunca sabemos como ele reagirá: um comentário pode desencadear ofensas ou elogios, dependendo de seu humor ou da ‘química’ do momento”, diz Carlos Gustavo Poggio, professor de ciência política no Berea College e doutor em relações internacionais.
Poggio dá como exemplo o caso da Índia. Trump se revoltou após o primeiro-ministro Narendra Modi não reconhecer seu papel de mediador em um conflito com o Paquistão e, em seguida, aplicou tarifas de 50% contra o país, mesmo após ter recebido Modi com pompa na Casa Branca.
“A única bússola de Trump é o próprio ego. Ele descartou, sem cerimônia, décadas de diplomacia americana, que visava se aproximar da Índia para contrabalancear a China. Quem espera dele solidariedade política ou fidelidade a valores comuns se decepciona rapidamente”, diz o professor.
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, durante reunião tensa no Salão Oval da Casa Branca, em fevereiro (Saul Loeb/AFP)
Um dos grandes riscos de uma reunião presencial é que Trump decida humilhar Lula publicamente — um receio que permeia a cúpula da diplomacia brasileira.
Isso ocorreu neste ano em ao menos duas ocasiões, com Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, que foi à Casa Branca pedir mais recursos para a guerra contra a Rússia, em fevereiro, e com Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul. Trump acusou o país africano de não proteger fazendeiros brancos que estariam sendo assassinados. A acusação foi apontada como infundada pela imprensa internacional.
Nos dois casos, o constrangimento ocorreu no Salão Oval, durante entrevistas coletivas de Trump ao lado dos líderes estrangeiros. O chanceler Mauro Vieira disse, em entrevista à CNN americana, que a conversa entre Lula e Trump deverá ser feita por videochamada ou telefone, o que reduz riscos de uma situação embaraçosa.
“Há o risco de as divergências serem muito grandes entre Lula e Trump, que têm posições distintas, ou de que essas divergências fiquem mais acirradas e levem a uma ampliação dos atritos entre os dois países”, diz Holzhacker, da ESPM. “Mas Lula tem uma grande experiência em negociação e um feeling muito grande sobre como lidar com situações dessa natureza.”
Vinicius Vieira, professor de relações internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que temas como regulação das big techs e de outros setores, além de algumas tarifas, podem ser negociados pelo Brasil, desde que sejam ações que dependam apenas do Executivo e não violem a soberania nacional.
“Não acho que Trump vai necessariamente tomar as dores do bolsonarismo. Ele só defende os próprios interesses e o que ele entende ser o interesse americano. Isso dá margem para negociação”, diz Vieira.
O professor aponta, ainda, que Trump tem uma boa relação com Keir Starmer, primeiro-ministro do Reino Unido, que é de esquerda. Os dois fecharam um acordo bilateral em junho para reduzir tarifas de vários itens e criar cotas de importação com desconto nas taxas. Ao mesmo tempo, os britânicos se comprometeram a fazer investimentos bilionários nos Estados Unidos.