Bruna Santos, diretora do programa de Brasil no think tank Inter-American Dialogue (Divulgação)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 21 de setembro de 2025 às 08h01.
Última atualização em 21 de setembro de 2025 às 09h05.
Brasil e Estados Unidos vivem seu momento mais complicado na relação diplomática desde que ela existe, há 201 anos. O governo do presidente Donald Trump faz uma demanda praticamente impossível de atender, e a saída é conter danos e, ao mesmo tempo, tentar buscar oportunidades.
A avaliação é de Bruna Santos, diretora do programa de Brasil no think tank Inter-American Dialogue, sediado em Washington.
"Para a crise política, não vejo solução no curto prazo. O pedido do presidente Trump ao governo brasileiro é, na prática, inexequível e deixou o país sem margem de manobra", diz Santos, em referência à exigência de Trump de que o Brasil desista de processar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Cabe ao setor privado brasileiro manter o diálogo com seus pares nos Estados Unidos, garantindo que os dados e fatos da relação comercial circulem, sejam compreendidos e impeçam um processo de decoupling (separação) entre as duas economias. É a camada que sustenta os dividendos econômicos da relação enquanto a política se recompõe", afirma.
O programa sobre o Brasil no Inter-American Dialogue foi lançado oficialmente na última quarta-feira, 17, a partir da retomada do Brazil Institute, antes sediado no Wilson Center.
"Essa transição ocorreu após a decisão do governo norte-americano de encerrar as atividades do Wilson Center, uma medida que teve grande repercussão no campo da política externa em Washington", diz Bruna. "Hoje, somos o único programa de políticas públicas em Washington inteiramente dedicado ao Brasil e às relações Brasil–EUA".
Na conversa com a EXAME, ela comenta ainda as perspectivas para a Assembleia Geral da ONU, que começa na terça-feira, 23, e como o Brasil é visto atualmente em Washington. Leia a íntegra a seguir.
Quais as saídas possíveis para a atual crise na relação entre o Brasil e os Estados Unidos?
Costumo olhar em três níveis. Primeiro, o vórtice da crise política. Aqui, não vejo solução no curto prazo. O pedido do presidente Trump ao governo brasileiro é, na prática, inexequível e deixou o país sem margem de manobra.
Segundo, a contenção de danos. Esse é o espaço de ação mais imediato: cabe ao setor privado brasileiro manter o diálogo com seus pares nos Estados Unidos, garantindo que os dados e fatos da relação comercial circulem, sejam compreendidos e impeçam um processo de decoupling (separação) entre as duas economias. É a camada que sustenta os dividendos econômicos da relação enquanto a política se recompõe.
Terceiro, as oportunidades. Eu tento olhar a crise como uma oportunidade para enfrentar temas difíceis que temos adiado: o custo da fragmentação das cadeias globais, os riscos de um fechamento ainda maior das economias e a importância de países que não querem ser arrastados para a disputa EUA–China construírem pontes, oferecerem pluralismo regulatório e adicionarem complexidade ao sistema internacional.
Como conter danos e buscar oportunidades neste contexto?
O Brasil precisa seguir buscando o diálogo contínuo, reenquadrar a narrativa e apostar em cooperação prática em áreas de interesse mútuo. Esse será o caminho para, mais adiante, reconstruir a relação política em bases mais sólidas. Muitas vezes, a relação bilateral é vista apenas pelas lentes de disputas e tensões. Mas existe uma interdependência econômica muito sólida que precisa ser melhor comunicada. O investimento brasileiro gera empregos e crescimento em várias regiões dos EUA, como é o caso da Suzano em Arkansas, enquanto empresas americanas dependem do Brasil em cadeias de suprimentos estratégicas. São histórias concretas que conectam a parceria diretamente a empregos, comunidades e consumidores.
Do lado brasileiro, também é importante enviar sinais claros de disposição para melhorar o relacionamento, demonstrar resiliência democrática e adotar uma postura diplomática proativa. Isso ajuda a reduzir incertezas e amplia o espaço de negociação comercial e política.
Outro ponto é aumentar o entendimento em Washington. Hoje, há poucas vozes no Executivo norte-americano que conhecem o Brasil em profundidade. Nosso trabalho busca preencher essa lacuna, trazendo dados, análises e exemplos concretos de cooperação que mirem o longo prazo. Por fim, vejo grandes oportunidades para avançar juntos em setores estratégicos — de agricultura sustentável e combustíveis de aviação a energia renovável, minerais críticos, inteligência artificial e biotecnologia. A estratégia é começar com histórias tradicionais de comércio e investimento, que geram confiança, e a partir daí abrir caminho para temas mais complexos e sensíveis.
Nos próximos dias, Lula e Trump estarão em Nova York para a Assembleia Geral da ONU. Vê algum espaço para que o evento possa de alguma forma ajudar a aproximá-los?
Muito próximo a zero. A Assembleia Geral da ONU, para o presidente Lula, é um espaço de afirmação do Brasil na defesa de uma ordem multipolar e do fortalecimento das instituições multilaterais, objetivos diametralmente opostos aos do presidente Trump. Não vejo margem para que o evento sirva como ponto de aproximação entre os dois.
O governo Trump tem adotado uma postura muito dura contra o Brasil. Vê espaço para haver algum tipo de mudança de postura sem que o Brasil ceda ao pedido de retirar o processo contra Bolsonaro?
No curto prazo, a postura política dos Estados Unidos em relação ao Brasil tende a permanecer esta. As eleições no Brasil podem alterar o quadro político e abrir novas possibilidades. Mas é importante lembrar que a abertura ou o fechamento de oportunidades de negociação econômica também depende desse contexto político. Ao mesmo tempo, não cabe apenas esperar. Os setores econômicos brasileiros precisam agir desde já, garantindo presença, diálogo e assento nas mesas de negociação. Essa proatividade é essencial para que, independentemente do cenário político, o Brasil esteja posicionado para defender seus interesses e construir pontes.
Até onde as punições do governo Trump poderão ir? Novas tarifas e sanções a autoridades são as opções prováveis, mas há outras possibilidades?
A previsibilidade não tem sido a marca de Washington nos últimos meses. Até agora, tudo o que se discute permanece no campo das especulações. As cadeias de comando estão difusas, e a tomada de decisão mudou muito neste novo mandato trumpista. Entre as possibilidades prováveis, em ordem decrescente, eu destacaria: a ampliação das sanções Magnitsky para incluir mais juízes e até suas famílias; a extensão dessas sanções a autoridades do Executivo; a imposição de tarifas generalizadas (across the board), justificadas pelas importações brasileiras de derivados de petróleo russos; e, por fim, a retirada de algumas das exceções negociadas na primeira rodada de tarifas — muitas delas conquistadas pelos setores econômicos norte-americanos diretamente impactados.
Como vê a imagem atual do Brasil em Washington?
A imagem do Brasil em Washington hoje é desafiadora. No governo Trump, houve uma deterioração da percepção e uma diminuição do entendimento sobre o país. Isso se deve a uma combinação de fatores: menos atenção dedicada ao Brasil na política externa americana, ausência de quadros no Executivo com conhecimento profundo sobre o país e tensões ligadas tanto à agenda comercial quanto a preocupações com a democracia e o judiciário brasileiros. Soma-se a isso a percepção de um alinhamento do Brasil com adversários estratégicos dos EUA, como a China e até a Rússia.
Os democratas poderiam agir de modo mais incisivo para tentar barrar medidas contra o Brasil?
No Congresso americano, existe um núcleo de parlamentares mais engajados com o Brasil, especialmente no Brazil Caucus. Fora desse grupo, porém, o conhecimento é limitado. Os democratas têm outras prioridades agora e vêm apostando mais na queda de popularidade de Trump para colher vitórias nas midterms (eleições legislativas em 2026). O Brasil é visto com simpatia em vários círculos, mas não figura como prioridade. Além disso, há limites objetivos ao que a minoria no Congresso pode fazer. Até aqui, as ações dos Democratas têm sido simbólicas, parte do jogo político, mas com pouquíssimo efeito prático para barrar medidas duras contra o Brasil.
O que realmente faz diferença é o Brasil enviar sinais claros de disposição para melhorar a relação e sustentar a cooperação em áreas de interesse mútuo. Também é crucial que os setores econômicos brasileiros não fiquem à espera da política: eles precisam garantir presença, diálogo e assento nas mesas de negociação em Washington.
Quais são os principais objetivos do programa sobre o Brasil no Inter-American Dialogue?
A criação do Brazil Program no Inter-American Dialogue foi resultado da migração do Brazil Institute, antes sediado no Wilson Center. Essa transição ocorreu após a decisão do governo norte-americano de encerrar as atividades do Wilson Center, uma medida que teve grande repercussão no campo da política externa em Washington. Hoje, somos o único programa de políticas públicas em Washington inteiramente dedicado ao Brasil e às relações Brasil–EUA. Contribuímos por ter presença única na capital americana, elevando e qualificando os debates que importam, e uma intensa ação em rede, reunindo líderes de diversos setores e lados políticos para transformar diálogo em impacto.
Nosso objetivo é oferecer pesquisa independente, diálogo e engajamento político sobre o cenário brasileiro e sua relação em evolução com os Estados Unidos e outras partes do mundo. Buscamos enquadrar a narrativa de forma objetiva, destacando não apenas as tensões, mas também histórias concretas de cooperação econômica e de benefícios mútuos em áreas como comércio, investimento, tecnologia e clima. Muitas vezes explicamos o Brasil para o tomador de decisão aqui.