Donald Trump: presidente anunciou novas tarifas (Samuel Corum / Correspondente autônomo/Getty Images)
Repórter
Publicado em 12 de julho de 2025 às 19h45.
Em um cenário de incerteza e promessas não cumpridas, a política tarifária de Donald Trump continua a gerar frustração tanto nos Estados Unidos quanto entre seus parceiros comerciais. Após um período de três meses de pausa nas tarifas, o presidente norte-americano se viu com apenas três acordos comerciais concretizados até meados de julho, longe das 90 negociações prometidas. O resultado, até agora, ficou muito aquém das previsões feitas no início do processo.
A expectativa inicial era de que a pausa nas tarifas, que envolveu 75 países, resultasse em uma série de acordos comerciais. Porém, até o momento, as negociações foram feitas somente com países como Japão, Coreia e Tailândia não evoluindo para contratos definitivos. Em meio a negociações que se arrastam, Trump anunciou novas rodadas de tarifas, com o Brasil na mira de taxações de 50%.
Especialistas em comércio apontam que a estratégia de Trump, que envolve aumentos inesperados de tarifas como forma de pressão, pode estar perdendo sua eficácia. A abordagem de "tarifa como ferramenta de negociação" tem mostrado cada vez mais sinais de desgaste, com parceiros comerciais começando a questionar a credibilidade dos prazos e das ameaças de mais aumentos, segundo Navin Girishankar, presidente do Departamento de Segurança Econômica e Tecnologia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês).
A principal dificuldade que Trump enfrenta nas negociações está nas diversas questões sensíveis que envolvem os países com os quais busca acordos.
Para Girishankar, os principais impasses nas negociações envolvem setores econômicos que enfrentam pressões internas significativas, dificultando a aceitação das concessões exigidas pelos Estados Unidos. Girishankar apontou que, no caso da Coreia do Sul, por exemplo, um projeto de lei sobre plataformas digitais está no centro das disputas. A proposta pode prejudicar empresas de tecnologia dos EUA, como Meta e Google, se for aprovada, pois estabelece barreiras ao funcionamento desses serviços no país.
No Japão, a situação também envolve interesses internos fortes, especialmente o setor agrícola, com destaque para a produção de arroz, um setor altamente protegido no país. A agricultura tem uma grande influência no cenário político local, o que dificulta o avanço de qualquer acordo comercial que envolva mudanças significativas. Em entrevista ao Business Insider, Girishankar afirmou que produtores de arroz impedem o Japão de aceitar acordos que envolvam a importação de arroz dos EUA, uma demanda que tem sido repetidamente feita pelo governo Trump.
Além das questões setoriais, as pressões políticas internas também são um fator complicador nas negociações. No Japão, por exemplo, as eleições para a Câmara Alta, previstas para o final de julho, geraram incertezas quanto à disposição do governo japonês em firmar um acordo, dada a pressão dos interesses eleitorais. Essa situação coloca uma pressão adicional sobre a política externa do país, tornando as negociações mais difíceis de serem concluídas até que as eleições sejam finalizadas.
Outro ponto crítico para as negociações envolve as práticas de transbordo de produtos, uma questão que tem se mostrado problemática nas negociações com países do Sudeste Asiático, como Vietnã e Filipinas. Essas nações têm sido utilizadas como pontos de transbordo para produtos originados na China, o que permite que os produtos chineses entrem no mercado dos EUA com tarifas reduzidas. O governo Trump, em seus esforços para combater o déficit comercial com a China, teme que o transbordo continue a ser uma brecha que prejudica a eficácia das tarifas impostas sobre os produtos chineses. Drew DeLong, especialista em dinâmicas geopolíticas da consultoria Kearney, destacou em entrevista ao Business Insider que a questão do transbordo voltou a ser uma preocupação importante nas negociações com o Vietnã, dada a possibilidade de que a China use o sudeste asiático para evitar as tarifas norte-americanas.
O comportamento volúvel do governo de Trump, com mudanças frequentes nas tarifas e nos prazos, também gera uma crescente desconfiança entre os parceiros comerciais dos EUA. Para muitos especialistas, as constantes mudanças de prazos e a falta de clareza nas exigências criam um ambiente instável, o que dificulta a construção de acordos substanciais. "A falta de clareza e de compromissos consistentes mina a credibilidade das negociações", afirmou Girishankar. Com isso, muitos países preferem adotar uma postura mais cautelosa, aguardando mudanças políticas nos EUA antes de fazer concessões significativas.
A sombra da China também paira sobre as negociações de Trump com outros países. Apesar de a pausa nas tarifas com a China não expirar até meados de agosto, a presença do país como um dos maiores centros de manufatura do mundo dificulta as negociações dos EUA com outras nações.
A questão do déficit comercial com a China continua sendo um dos maiores impulsionadores das políticas de Trump, mas essa tentativa de reequilibrar as relações comerciais com Pequim também tem afetado aliados tradicionais dos EUA.
A crescente aproximação de países como Vietnã e Filipinas com a China, especialmente no campo comercial e militar, coloca o governo dos EUA em uma posição delicada, pois precisa manter boas relações com esses países enquanto continua a pressionar a China. Para especialistas, este equilíbrio é um desafio, pois qualquer acordo comercial fechado com esses países poderia ser visto como uma concessão à China, o que enfraqueceria a posição dos EUA.
O consenso entre especialistas é de que as tarifas terão consequências significativas para o crescimento econômico dos EUA e para as economias globais.
O JP Morgan foi um dos primeiros a revisar suas projeções econômicas após o anúncio das tarifas. Michael Feroli, economista-chefe do banco, ajustou a previsão do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA para 2025, reduzindo-a para 1,6%, uma queda substancial em comparação com estimativas anteriores. Feroli justificou essa revisão com a crescente incerteza comercial que as tarifas geram, além da pressão adicional sobre os preços, que, segundo ele, deverá resultar em uma aceleração da inflação.
A equipe do JP Morgan também destacou que a imposição dessas tarifas criaria um aumento nos custos de consumo, uma vez que os preços dos produtos importados tendem a subir, impactando diretamente os consumidores americanos.
Feroli alertou ainda que, com o aumento dos custos devido às tarifas, a inflação ao consumidor deve subir 0,2 pontos percentuais, o que afetaria especialmente as classes média e baixa dos EUA. Além disso, as tarifas retaliatórias que podem ser impostas pelos países afetados também são um ponto de preocupação, já que elas poderiam limitar o crescimento das exportações dos EUA, afetando negativamente a balança comercial e as empresas que dependem de mercados internacionais. Essas projeções foram divulgadas em um relatório detalhado do J.P. Morgan Research, que reforçou o impacto negativo das tarifas sobre a atividade econômica, especialmente nos gastos de capital das empresas.
Jamie Dimon, CEO do JP Morgan, fez declarações sobre os efeitos das tarifas em um evento promovido pelo Ministério das Relações Exteriores da Irlanda.
Dimon, conhecido por sua abordagem pragmática e cética em relação a políticas econômicas abruptas, alertou que o mercado está subestimando os riscos associados às tarifas. Em sua fala, Dimon reconheceu que, sob certas circunstâncias, as tarifas poderiam ser uma estratégia válida para proteger a indústria nacional e corrigir desequilíbrios comerciais. No entanto, ele também enfatizou que o mercado financeiro, por enquanto, parece estar complacente quanto aos riscos inflacionários e às possíveis consequências de um aumento nas taxas de juros, que poderiam ser necessárias para conter o impacto inflacionário causado pelas tarifas.
Dimon foi enfático ao dizer que, embora alguns aspectos da política de Trump possam ser justificados, o mercado precisa estar mais atento ao efeito que a guerra comercial terá sobre a estabilidade econômica global. "Eu detesto usar a expressão 'Taco trade' porque acho que ele fez a coisa certa ao dar um passo atrás, mas, infelizmente, acho que o mercado está complacente", afirmou Dimon, referindo-se ao risco de que as tarifas aumentem os custos operacionais das empresas e exacerbem as pressões sobre os consumidores.
Tarifas mais altas, como as de 50% sobre o Brasil, podem ter um impacto desproporcional em determinadas economias, segundo a Bloomberg.
No caso do Brasil, que já enfrenta desafios econômicos internos, o aumento das tarifas sobre commodities como cobre pode exacerbar uma recessão, gerando uma pressão adicional sobre a indústria e as exportações. Além disso, a análise da Bloomberg destacou que, mesmo com a moderada reação dos mercados, as tarifas forçarão ajustes nas cadeias produtivas globais. Empresas em todo o mundo terão que se adaptar a uma nova realidade comercial, em que os custos de importação são mais altos, e as tarifas retaliatórias de outros países podem criar uma dinâmica comercial mais complexa e volátil.
A projeção da Bloomberg para os setores mais afetados inclui a indústria automotiva, que já sofre com os altos custos de produção devido às tarifas sobre o aço e o alumínio. A indústria alimentícia também está no radar, com aumentos de preços para os consumidores podendo reduzir a demanda por certos produtos. Além disso, as empresas do setor de metais, como aquelas que dependem do cobre, sofrerão impactos diretos com as novas tarifas, principalmente no Brasil. A análise da Bloomberg conclui que, embora a reação inicial do mercado tenha sido moderada, o cenário futuro depende da implementação das tarifas e das respostas dos países afetados, que podem buscar retaliações ou ajustes nos acordos comerciais com os EUA.
O presidente Lula anunciou que o Brasil aplicará a Lei de Reciprocidade Econômica em resposta à tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros.
Durante entrevista ao Jornal Nacional, Lula deixou claro que está aberto a negociações com o presidente americano, mas que, se necessário, o Brasil usará a lei para retaliar a partir de 1º de agosto, quando a medida entra em vigor. Lula criticou a atitude de Trump, considerando-a "inaceitável" e uma intromissão nas decisões brasileiras, além de afirmar que as alegações de déficit comercial não são fundamentadas.
A tarifa imposta por Trump afetará setores-chave da economia brasileira, como café, aeronaves e suco de laranja. Essa decisão vai além de questões comerciais, sendo também uma retaliação política aos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e à interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) nas plataformas digitais americanas. A medida também agrava as tensões comerciais entre os dois países, com destaque para o contexto do Brics e das disputas geopolíticas no Sul Global.
Lula reforçou que a retaliação de Trump precisa ser baseada em fatos reais e que as acusações de déficit comercial entre Brasil e EUA são infundadas. De acordo com o presidente, os Estados Unidos têm superávit comercial com o Brasil, o que torna a medida ainda mais questionável.
O governo brasileiro planeja formar uma comissão com empresários e representantes do governo para avaliar os impactos das tarifas e explorar alternativas comerciais. A ideia é buscar novos mercados e reduzir a dependência do mercado americano, abrindo novas oportunidades para as exportações brasileiras.
Apesar dos impasses, o governo Trump continua a enviar cartas a dezenas de países, mantendo a pressão sobre seus parceiros comerciais. No entanto, a trajetória de negociações cada vez mais alongada e sem avanços sugere que o presidente pode estar se preparando para um caminho mais longo, com concessões limitadas. A economia global e os mercados reagem com crescente ceticismo, e a pressão para que Trump encontre soluções rápidas e eficazes só tende a aumentar à medida que os meses passam e as negociações não avançam.
A expectativa é de que, após o fim da pausa tarifária com a China, as negociações possam sofrer mais reviravoltas, com novos acordos e tarifas ainda sendo discutidos. O grande desafio para Trump e sua equipe será encontrar uma forma de alcançar acordos concretos em um cenário de crescente desconfiança e complexidade nas negociações comerciais.