O presidente Donald Trump, ao lado do secretário Marco Rubio, durante reunião da Otan, em Haia (Nicolas Tucat/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 26 de junho de 2025 às 12h01.
Última atualização em 26 de junho de 2025 às 14h29.
A reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlantico Norte (Otan) terminou nesta quarta, 25, com uma vitória de Donald Trump. O presidente americano garantiu que os países europeus aumentem o gasto militar mínimo para 5% do PIB até 2035, pleito antigo dos EUA. Ao mesmo tempo, os europeus tiveram novas garantias de que os americanos não deixarão de garantir sua defesa, ao menos no curto prazo.
Trump pedia pelo aumento de gastos desde o seu primeiro mandato, mas era ignorado. Agora, os europeus fizeram uma mudança forte de postura.
"Se você comparar o debate europeu no final de 2024, antes das eleições nos Estados Unidos, a maioria das pessoas na época não imaginaria que a Aliança Transatlântica concordaria com uma nova meta de gastos", disse em entrevista à EXAME Tobias Bunde, diretor de pesquisa da Munich Security Conference, um dos principais fóruns globais de segurança e defesa, e professor de segurança internacional na Hertie School, em Berlim.
"Algumas pessoas falaram em [gastos militares de] 3%, talvez 3,5% do PIB, mas 5% foi muito além do que a maioria das pessoas poderia imaginar", afirma Bunde, que esteve presente na cúpula, realizada em Haia, na Holanda.
O diretor avalia que os europeus temiam que Trump cumprisse as ameaças de deixar de seguir o artigo 5 da Otan, que garante a defesa mútua. Se um membro da entidade for atacado, todos os outros, incluindo os EUA, têm a obrigação de defender aquele país militarmente.
"Isso foi algo que as pessoas aqui na Europa levavam muito a sério. Elas sabiam que tinham de atender as exigências de Trump se quisessem manter os Estados Unidos a bordo [da Otan]", afirma.
Tobias Bunde, diretor de pesquisa na Munich Security Conference (Divulgação)
Como avalia os resultados da reunião de cúpula da Otan?
A cúpula foi um grande sucesso para a aliança, se comparar com as expectativas que as pessoas tinham algumas semanas atrás. Havia grandes preocupações, em particular em muitos países europeus, de que os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, pudessem se afastar de seus compromissos com a Otan. Os europeus, em particular o secretário-geral Mark Rutte, trabalharam para garantir o compromisso dos Estados Unidos com o Artigo 5, a cláusula de defesa mútua. A linguagem do comunicado final da cúpula é muito forte nesse sentido, e muito mais forte do que se poderia esperar há apenas algumas semanas.
O que tornou o resultado mais forte?
A principal noção aqui é o compromisso inabalável com a defesa mútua que agora está em um comunicado de cúpula, que foi muito breve. No entanto, o fato de a Otan ter conseguido se concentrar apenas nesta única página, em vez de publicar um longo comunicado, como foi o caso em cúpulas recentes, indica que há muitas questões na agenda da Otan sobre as quais não há mais consenso. O principal, e talvez único, objetivo desta cúpula era manter o presidente Trump a bordo por enquanto. A liderança da Otan foi bem-sucedida, mas ainda existem dúvidas sobre a trajetória de longo prazo da Aliança Transatlântica.
"O principal, e talvez único, objetivo desta cúpula era manter o presidente Trump a bordo por enquanto", Tobias Bunde
Quais são as principais razões para esta mudança de tom dos dois lados?
Os europeus realmente levaram a sério o que Trump exigia. Se você comparar o debate europeu, digamos, no final de 2024, antes das eleições nos Estados Unidos, a maioria das pessoas na época não imaginaria que a Aliança Transatlântica concordaria com uma nova meta de gastos. Algumas pessoas falaram em 3%, talvez 3,5%, porque essa também era a meta associada na época ao processo de planejamento de defesa da Otan. Mas 5% foi muito além do que a maioria das pessoas poderia imaginar. Quando Donald Trump assumiu o cargo novamente, e as pessoas se lembram muito bem de como ele tratou o presidente [Volodymyr] Zelensky no Salão Oval e dos comentários que ele fez sobre o compromisso com a defesa mútua, com o Artigo 5, isso foi algo que as pessoas aqui na Europa levavam muito a sério. Elas sabiam que tinham que atender às suas exigências se quisessem manter os Estados Unidos a bordo.
Relembre: Em pleno Salão Oval, Trump bate-boca com Zelensky: 'Você está jogando com a Terceira Guerra Mundial'
Qual é o tamanho da vitória de Trump?
Ele pode sair da cúpula e dizer ao eleitor americano que conseguiu o que queria, que os europeus, depois de ignorar os presidentes americanos por muitas décadas, agora estão realmente ouvindo e colocando seu dinheiro. Nesse sentido, isso é uma grande vitória para o presidente dos EUA, porque ele recebeu muito dinheiro, não pessoalmente, mas no sentido de que os europeus agora levam a sério os investimentos em sua própria defesa.
Que outros aspectos chamaram a atenção nesta cúpula?
As pessoas aqui estão certas em focar nas conquistas e, por enquanto, esse é um resultado excelente, muito melhor do que eu esperava. Mas acho que, no debate geral, as pessoas agora ignoram alguns dos desafios mais fundamentais a longo prazo.
Quais?
Acho bastante irritante, às vezes, que pareçamos não ser capazes de discutir abertamente nossas diferenças novamente, porque isso costumava funcionar no passado. As pessoas confiavam umas nas outras a tal ponto que era possível ter opiniões diferentes. Agora, muitas pessoas têm medo de Donald Trump e não querem expressar outras opiniões, porque têm medo de que ele se afaste da aliança. E isso pode funcionar por um tempo, mas, a longo prazo, acho que não é uma base estável para um relacionamento duradouro.
Trump parece ter todas as cartas, e a Europa parece estar em uma posição inferior na disputa. Como a Europa poderia voltar a poder negociar de igual para igual?
Em alguns aspectos, acho que os europeus, na linguagem de Trump, têm muitas cartas na mão. Se você olhar, por exemplo, para a economia transatlântica, acho que não há razão para os europeus se tornarem menores do que são. Uma lição que muitos outros países aprenderam é a de que é importante não ceder, mas também expor seus argumentos e deixar claro que você não quer ser intimidado. Os americanos também precisam dos europeus. Trump mostrou que está disposto a corrigir o curso se receber alguma resistência. É diferente na esfera da segurança, porque aqui os europeus estão, pelo menos por enquanto, realmente dependentes dos Estados Unidos, mas, na esfera econômica, os europeus podem ser bastante autoconfiantes.
Muitas pessoas têm medo de Donald Trump e não querem expressar outras opiniões, porque têm medo de que ele se afaste da aliança, Tobias Bunde
🎶 Daddy’s home… Hey, hey, hey, Daddy.
President Donald J. Trump attended the NATO Summit in The Hague, Netherlands. pic.twitter.com/asJb5FD2Ii
— The White House (@WhiteHouse) June 26, 2025
A Espanha se posicionou contra o aumento de gastos em defesa. O país poderá ser afetado por esta posição no futuro?
O governo de Pedro Sanchez foi o único crítico aberto da nova meta. Porém, a Espanha não é o único país onde os políticos estão preocupados com sua capacidade de cumprir a meta até 2035. No meu país natal, a Alemanha, não haverá problema agora. Depois da reforma do nosso programa de redução da dívida e dada a força econômica da Alemanha, é perfeitamente possível gastar 3,5% em Defesa, mais 1,5% em infraestrutura. Mas isso é um fardo enorme para outros países que não têm ou podem não ter a capacidade de obter dinheiro emprestado tão facilmente quanto a Alemanha. Então, isso será um grande problema para muitos países. Nesse sentido, um debate sobre a meta teria valido a pena. Mas a maioria dos países tentou apaziguar Trump e adiou algumas das decisões difíceis.
[Gastar 5% do PIB em Defesa] é um fardo enorme para outros países que não têm ou podem não ter a capacidade de obter dinheiro emprestado tão facilmente quanto a Alemanha
Quais serão os próximos passos para a Europa ampliar os gastos de defesa de fato?
No comunicado final, eles mencionaram que novos planos precisam ser apresentados, e serão reavaliados. Portanto, espera-se que os países detalhem como gostariam de cumprir a meta, e haverá decisões difíceis que precisarão ser tomadas por esses países. Este não é o fim do debate, mas os países realmente podem fazer a diferença agora. A Alemanha está em primeiro lugar entre eles. O fato de o governo alemão já ter apresentado um plano para que nosso orçamento de defesa aumente para mais de 150 bilhões de euros até 2029 também indica que estamos falando de dinheiro com seriedade agora. Isso afetará todo o debate sobre a defesa europeia. E esse é um sinal, claro, que as pessoas em Moscou ouvirão.
Quais serão os efeitos reais desta alta de investimentos? O percentual será suficiente para a Europa conseguir se defender de ameaças como a da Rússia?
O dinheiro não compra dissuasão, e os novos orçamentos também não ajudam em nosso relacionamento com a Rússia, mas é bastante claro que, se você observar o atual ambiente de segurança na Europa, Vladimir Putin não vai parar na Ucrânia, mesmo que a guerra termine. Há uma clara avaliação de ameaça na maioria dos países da Otan de que a Rússia representará uma ameaça de longo prazo à segurança europeia. Neste momento, os europeus não estão preparados para isso, então há uma enorme necessidade de investimento em nossas capacidades defensivas. Mas é claro que você pode gastar muito dinheiro em capacidades desnecessárias ou de uma forma muito ineficaz. Temos que garantir que teremos as capacidades certas, mas também os soldados necessários, a força de homens e mulheres que realmente possam operar as novas capacidades.
Vista aérea da instalação nuclear de Fordow, no Irã, atacada pelos EUA em 21 de junho (Satellite image ©2025 Maxar Technologies / AFP)
Como o ataque dos EUA ao Irã foi visto pelos países europeus?
Toda a situação no Oriente Médio claramente afetou o debate europeu mais amplo sobre segurança de várias maneiras. As reações aos ataques do governo Trump às instalações nucleares no Irã desencadearam todos os tipos de reações, de alguma forma contraditórias. Por um lado, muitas pessoas estão realmente felizes em ver que alguém está fazendo algo contra a ameaça iraniana, porque sabem que este é um regime horrível que ataca os direitos humanos, a liberdade dos seus próprios cidadãos etc. Portanto, claramente não há simpatia pelo regime iraniano. Por outro lado, as pessoas também estão bastante preocupadas com o tipo de argumentação que os israelenses e os americanos têm usado para que esta seja uma resposta que reivindica o direito de atacar instalações, de forma preventiva, sem qualquer tipo de referência ao direito internacional ou a uma ordem baseada em regras. A clara preferência europeia teria sido trabalhar numa solução diplomática.
Como esse ataque mudou o cenário da geopolítica global?
Em que tipo de mundo queremos viver? Este é um mundo onde os fortes prevalecem, e às vezes pode ser bom, porque os fortes implementarão soluções que podem ser realmente boas para o desenvolvimento a longo prazo da região. Mas, por uma questão de princípio, isso é algo que devemos apoiar? Dúvidas razoáveis existem agora. Os EUA certamente desaceleraram o programa nuclear iraniano. Mas não tenho certeza se eles serão capazes de realmente impedir que os iranianos obtenham uma bomba nuclear. E que tipo de mensagem isso envia ao mundo? Significa que você só pode estar seguro se tiver uma arma nuclear? Talvez isso encoraje o regime iraniano a tentar obter uma arma nuclear e, isso pode se tornar um motivo para a próxima guerra na região.
Como vê o futuro das relações entre EUA e Europa a longo prazo, em um cenário pós-governo Trump?
Havia uma certeza geopolítica aqui na Europa que os Estados Unidos continuassem sendo uma potência na Europa a longo prazo. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos forneceram uma garantia de segurança fundamental que, de certa forma, permitiu que as nações europeias superassem suas dificuldades passadas, trabalhassem juntas dentro da União Europeia etc., e agora não se sabe ao certo se os Estados Unidos desempenharão esse tipo de papel no futuro.