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Muito além dos aitolás e das armas nucleares: Por que o Irã é considerado o berço da civilização?

Além das vidas de milhares de civis, o conflito com Israel coloca em risco o vasto patrimônio cultural iraniano, que abriga vestígios de uma das civilizações mais antigas do mundo

Mateus Omena
Mateus Omena

Repórter

Publicado em 20 de junho de 2025 às 07h30.

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Em 12 de junho, Israel conduziu uma série de ataques aéreos direcionados a instalações nucleares e centros científicos relacionados ao programa nuclear do Irã. O governo israelense afirmou que a operação não foi um evento isolado, para erradicar o programa de armas nucleares iraniano. Em resposta, Teerã efetuou uma retaliação imediata, e a troca de ataques entre as duas nações parece longe do fim.

Além de colocar em risco as vidas de milhares de civis entre os dois países, o conflito também trouxe ameaças diretas ao vasto patrimônio cultural iraniano. Muito além do regime dos aiatolás e um arsenal nuclear, o país abriga uma das civilizações mais antigas do mundo, com vestígios de urbanização que remontam a mais de 4 mil anos.

Por sua antiguidade, influência cultural e papel central na formação de grandes impérios, o Irã teve um grande peso em eventos que determinaram a história da humanidade.

O Irã: Um Pilar da Civilização

O Irã, anteriormente conhecido como Pérsia, é considerado um dos principais berços da civilização em razão de sua longa e contínua história, marcada pela ascensão de culturas avançadas, impérios poderosos e contribuições essenciais para o progresso de várias sociedades.

O território do atual Irã foi habitado desde os tempos pré-históricos, com os primeiros vestígios arqueológicos datando de aproximadamente 3.200 a.C., período no qual floresceram civilizações como a elamita e a cultura de Jiroft.

O reino de Elam, surgido por volta de 2.800 a.C., é visto como o marco inicial da civilização iraniana, desempenhando papel crucial na formação cultural e política da região. Elam foi uma das primeiras civilizações urbanas a se estabelecer na região, ocupando o sudoeste do que é hoje o Irã, especialmente na área correspondente à província de Khuzistão.

Os elamitas criaram uma cultura única, com uma língua, um sistema de escrita (cuneiforme elamita) e uma religião distintas, exercendo grande influência sobre as civilizações vizinhas, especialmente a Mesopotâmia. O reino de Elam existiu paralelamente a outras potências da região, como os sumérios, acadianos, babilônios e assírios, sendo frequentemente rival dessas culturas e participando ativamente das interações políticas e militares no Crescente Fértil.

O planalto iraniano, situado dentro do que foi o Crescente Fértil, região conhecida como o “berço da civilização”, abrigou o surgimento de sociedades agrícolas, urbanas e tecnológicas de grande relevância na Antiguidade.

Impérios e Influência Regional

A partir do século VI a.C., com a ascensão da tribo dos medos (da Ásia Central) e, posteriormente, dos persas sob o comando de Ciro, o Grande, o Irã tornou-se o centro do Império Aquemênida, um dos maiores e mais influentes impérios do mundo antigo, abrangendo territórios que iam do vale do Indo até a Trácia e Macedônia.

Após a queda do império aquemênida diante de Alexandre, o Grande, o território iraniano manteve seu papel como um centro de poder e cultura sob os impérios Parta e Sassânida, continuando a exercer influência sobre vastas áreas da Ásia Central e do Oriente Médio.

O legado dos persas

A civilização persa teve um papel determinante em áreas como filosofia, matemática, literatura, arquitetura e administração, cujos avanços foram disseminados para o Ocidente por meio das rotas comerciais e interações culturais.

Além disso, o Irã antigo foi fundamental na história da Mesopotâmia, destacando-se pela conquista dos babilônicos em 539 a.C., o que também contribuiu para o desenvolvimento de novos sistemas de governo, religião e escrita.

Administração e Política

Os persas estabeleceram um dos primeiros sistemas administrativos eficientes da Antiguidade, organizando o império em satrapias (províncias) sob a supervisão direta do poder central, o que facilitou o controle de um território vasto e diversificado.

Além disso, criaram uma moeda única para todo o império, o que facilitou o comércio e promoveu a integração econômica entre as diversas regiões.

A construção da Estrada Real, uma das maiores vias do mundo antigo, conectava cidades importantes, promovendo a comunicação e o comércio de forma rápida e segura.

Adotaram uma política de tolerância religiosa e cultural, permitindo que os povos conquistados mantivessem suas tradições, línguas e crenças, desde que pagassem tributos, antecipando conceitos modernos de respeito à diversidade e direitos humanos.

Cultura, Arte e Arquitetura

A arquitetura persa se destacou pela grandiosidade, sendo o exemplo mais emblemático a cidade de Persépolis, símbolo da opulência e do poder do império. Os persas também influenciaram estilos arquitetônicos nas regiões conquistadas.

No campo artístico, promoveram a produção de joias, esculturas em relevo e tapeçarias, além de integrar diversos elementos culturais de povos do império.

A música persa também teve grande importância, com a criação de instrumentos como o santur (ancestral do piano) e instrumentos de corda, como a guitarra, cuja etimologia remonta ao persa antigo.

A poesia persa é considerada um dos maiores legados literários do mundo. Poetas renomados como Ferdowsi, Rumi, Hafez, Sa’adi, Khayyam e Nezami são referências universais, cujas obras ultrapassaram fronteiras e exerceram influência sobre escritores ocidentais, como Goethe e Emerson.

O épico Shahnameh, de Ferdowsi, foi essencial para a preservação da história e mitologia persa, desempenhando um papel crucial na construção da identidade nacional e literária do Irã.

Religião e Filosofia

O Zoroastrismo, religião oficial do império, introduziu conceitos inovadores, como o monoteísmo, o dualismo entre o bem e o mal, o livre-arbítrio e o julgamento após a morte. Esses conceitos influenciaram as religiões subsequentes, como o judaísmo, cristianismo e islamismo.

A política de respeito à liberdade religiosa dos povos conquistados foi um marco na história das administrações imperiais.

Ciência, Medicina e Tecnologia

Os persas inovaram na irrigação, criando sistemas que transformaram regiões áridas em áreas férteis, o que impulsionou a agricultura e a economia.

Na medicina, destacaram-se por fundar a primeira escola de medicina conhecida (271 a.C.), utilizar o álcool em tratamentos, desenvolver técnicas de anestesia e realizar cesarianas.

Avicena (Ibn Sina), um dos grandes nomes da medicina persa, escreveu o "Livro da Medicina", que foi fundamental para o desenvolvimento da medicina moderna. Além disso, foram responsáveis por inovações no vestuário, como a criação das primeiras calças, sapatos e botas.

Comércio e Integração

O império persa desempenhou um papel crucial na Rota da Seda, conectando o Oriente e o Ocidente e facilitando as trocas comerciais, culturais e tecnológicas entre civilizações distantes.

Identidade

Apesar das invasões e domínios estrangeiros, como a árabe no século VII, o Irã preservou sua língua persa e desenvolveu o xiismo como uma forma de resistência cultural e religiosa, conseguindo manter sua identidade única ao longo dos séculos.

O nome “Irã”, que significa "terra dos arianos", sempre foi utilizado internamente, embora o Ocidente tenha continuado a se referir ao país como Pérsia até 1935. A mudança de nome ocorreu oficialmente por decisão do xá Reza Pahlavi, que buscava modernizar o país e alinhar sua identidade internacional ao nome utilizado pelos próprios habitantes: "Irã".

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