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Não há provas de que o Hamas tenha roubado ajuda humanitária da ONU, afirmam militares israelenses

Israel restringiu e bloqueou o envio de ajuda à Faixa de Gaza, alegando que o Hamas a rouba para usá-la como forma de controle sobre a população

Um menino transporta uma caixa de ajuda humanitária, fornecida pelo Programa Mundial de Alimentos, de volta para sua casa no campo de refugiados de Bureij, no centro da Faixa de Gaza, em 18 de novembro de 2024, em meio à guerra em curso entre Israel e o grupo militante Hamas (Eyad BABA/AFP)

Um menino transporta uma caixa de ajuda humanitária, fornecida pelo Programa Mundial de Alimentos, de volta para sua casa no campo de refugiados de Bureij, no centro da Faixa de Gaza, em 18 de novembro de 2024, em meio à guerra em curso entre Israel e o grupo militante Hamas (Eyad BABA/AFP)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 26 de julho de 2025 às 13h25.

Durante quase dois anos, Israel acusou o Hamas de roubar ajuda humanitária fornecida pela ONU e outras organizações internacionais. O governo usou essa alegação como principal justificativa para restringir a entrada de alimentos em Gaza. No entanto, segundo dois oficiais do Exército israelense, além de outras duas fontes envolvidas no tema, as Forças Armadas de Israel (IDF, na sigla em inglês) nunca encontraram provas de que o grupo terrorista tenha roubado ajuda da ONU — a maior fornecedora de assistência emergencial à Faixa de Gaza.

Segundo os militares, o sistema de distribuição de ajuda da ONU — embora desprezado e minado por Israel — foi amplamente eficaz em fornecer alimentos à população, que está passando fome no enclave.

Agora, com a fome atingindo níveis críticos no território, Israel enfrenta crescente pressão internacional por sua condução da guerra. Médicos relatam um número crescente de pacientes sofrendo de desnutrição severa, com alguns morrendo de fome.

Nesta semana, mais de 100 agências humanitárias e organizações de direitos humanos alertaram sobre uma possível “fome em massa” e pediram a Israel que suspenda as restrições à ajuda.

A União Europeia (UE) e mais de 28 países — incluindo aliados de Israel como Reino Unido, França e Canadá — divulgaram uma declaração conjunta condenando o que chamaram de “ajuda humanitária a conta-gotas” aos dois milhões de palestinos em Gaza. Israel, porém, tem ignorado grande parte das críticas.

O porta-voz do governo de Israel, David Mencer, afirmou que “não há fome causada por Israel”, culpando o Hamas e a má coordenação da ONU por qualquer escassez de alimentos.

Em maio, Israel iniciou a substituição do sistema de ajuda liderado pela ONU, adotado durante quase toda a guerra. Em seu lugar, passou a apoiar uma operação privada, gerida pelos Estados Unidos. Esse novo sistema, no entanto, tem sido muito mais letal para os palestinos que tentam obter alimentos.

O novo sistema, agora, é gerido pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), uma empresa americana liderada por um ex-agente da CIA. A proposta era substituir gradualmente organizações internacionais e o papel da ONU. Mas a GHF conta com poucos pontos de distribuição, em contraste com as centenas sob o antigo modelo da ONU.

A implementação do novo sistema foi seguida por episódios diários de mortes perto dos locais de distribuição. Palestinos, desesperados por comida e água, precisam se dirigir às poucas áreas controladas pelas forças israelenses. O funcionamento é limitado, os suprimentos acabam rapidamente, e multidões chegam cedo, muitas vezes após caminharem quilômetros.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, quase 1.100 pessoas foram mortas a tiros enquanto tentavam pegar comida — em muitos casos, por soldados israelenses que abriram fogo contra as multidões. Autoridades israelenses disseram que dispararam para o alto em algumas situações porque as pessoas se aproximaram demais ou colocaram as tropas em risco.

Neste sábado, o Reino Unido anunciou que vai realizar entregas aéreas de ajuda humanitária na Faixa de Gaza e retirar “crianças que precisam de assistência médica”. O anúncio foi feito após uma conversa telefônica entre o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chanceler alemão, Friedrich Merz.

Hamas roubou, mas não a ONU

Os oficiais ouvidos pelo The New York Times disseram que a operação original da ONU era relativamente confiável e menos vulnerável à interferência do Hamas do que a de muitos outros grupos que enviam ajuda a Gaza. Isso porque a ONU gerenciava sua própria cadeia de suprimentos e fazia a distribuição diretamente no território.

Segundo as fontes, o Hamas, de fato, roubou de algumas organizações menores, que não estavam presentes para supervisionar a entrega. Mas não há evidências de que o grupo tenha roubado a ajuda da ONU.

Uma análise interna do governo dos EUA chegou a uma conclusão semelhante, segundo a agência Reuters: não há evidências de que o Hamas tenha roubado sistematicamente suprimentos humanitários financiados pelos EUA.

— Durante meses, nós e outras organizações fomos alvos de acusações de que o Hamas nos roubava — disse Georgios Petropoulos, ex-funcionário da ONU, que coordenou a ajuda com Israel por quase 13 meses em Gaza.

Em nota, o Exército de Israel afirmou que está “bem documentado” que o Hamas explorou ajuda humanitária para financiar atividades terroristas. Mas não contestaram a avaliação de que não há provas de roubo regular de ajuda da ONU.

O governo e os militares israelenses frequentemente discordaram sobre como conduzir a guerra. No início do ano passado, comandantes pediram um cessar-fogo com o Hamas para garantir a libertação de reféns. O governo Netanyahu, porém, ampliou a ofensiva terrestre no sul de Gaza.

Israel usou a alegação de que o Hamas roubava ajuda para cortar completamente a entrada de alimentos e suprimentos entre março e maio. Em março, após o fracasso de um cessar-fogo, o premier israelense, Benjamin Netanyahu, disse que "o Hamas está tomando o controle de todos os suprimentos que entram em Gaza” — e afirmou que Israel impediria qualquer entrega. Esse bloqueio, somado às falhas do novo sistema lançado em maio, agravou a fome e a crise humanitária.

GHF x ONU

Depois de concluir que o Hamas não roubava regularmente da ONU, membros do Exército se reuniram em meados de março com o assessor militar de Netanyahu para discutir os planos do novo sistema. Na reunião, os militares expressaram preocupações sobre a GHF ser a única fornecedora e sugeriram ampliar o papel da ONU em áreas onde a empresa não atuaria.

Também propuseram que a ONU distribuísse tipos de ajuda que a GHF não cobre, como insumos médicos. Mas o governo inicialmente rejeitou o plano militar, segundo três fontes e documentos analisados pelo New York Times.

Com alertas militares sobre fome iminente em maio, o governo mudou de posição e autorizou a ONU e outras organizações a distribuírem ajuda juntamente com a GHF.

Desde 19 de maio, quando Israel permitiu a retomada de entregas emergenciais após dois meses de bloqueio, metade da ajuda tem sido distribuída pela ONU e organizações internacionais, e a outra metade pela GHF, segundo os militares israelenses.

Durante a guerra, Israel divulgou registros e vídeos que, segundo o Exército, mostravam como o Hamas explorava a ajuda humanitária. Também apresentou supostos documentos internos do grupo, encontrados em uma sede em Gaza, que detalhavam a porcentagem de ajuda desviada por alas do Hamas. Mas esses documentos, datados de 2024, não mencionavam roubos da ajuda da ONU.

Israel mantém uma relação tensa com a ONU, que se intensificou durante o conflito. O governo acusa a entidade de parcialidade e afirma que ela foi infiltrada pelo Hamas — incluindo alegações de que funcionários da ONU participaram do ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, que deu início à guerra.

Israel também acusa a ONU de não recolher caminhões de ajuda parados em um ponto de passagem para o norte de Gaza. A ONU, por sua vez, diz que o Exército não oferece rotas seguras para esses caminhões e acusa Israel de destruir Gaza e bloquear ajuda essencial.

Na última semana, Israel se recusou a renovar o visto de Jonathan Whittall, alto funcionário humanitário da ONU que supervisiona ações em Gaza e na Cisjordânia. O chanceler Gideon Saar afirmou que o oficial “espalhou mentiras sobre Israel”.

Georgios Petropoulos, ex-funcionário da ONU, disse que se sentiu aliviado ao saber que alguns oficiais israelenses reconheceram a eficácia do sistema da ONU durante a guerra — mas lamentou que isso não tenha acontecido antes.

— Se tivessem dado ouvidos à ONU meses atrás, não teríamos perdido tanto tempo e os palestinos não estariam morrendo de fome ou sendo alvejados tentando alimentar suas famílias — afirmou.

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