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Opinião: Decrescimento populacional com prosperidade na Polônia

A população da Polônia já está decrescendo desde 1995 e foi exatamente neste período que a renda per capita cresceu acentuadamente

Um casal de idosos deposita seus votos durante o primeiro turno das eleições presidenciais em 18 de maio de 2025, em Varsóvia, Polônia (Omar Marques/Getty Images)

Um casal de idosos deposita seus votos durante o primeiro turno das eleições presidenciais em 18 de maio de 2025, em Varsóvia, Polônia (Omar Marques/Getty Images)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 31 de maio de 2025 às 10h02.

Por José Eustáquio Diniz Alves*

A Polônia realizará o segundo turno das eleições presidenciais em 1º de junho de 2025. O atual prefeito de Varsóvia, Rafał Trzaskowski — conhecido por sua orientação pró-União Europeia — venceu a primeira rodada e enfrentará, na disputa final, o nacionalista Karol Nawrocki.

Entre os principais temas em debate estão as relações com a União Europeia (UE), segurança e defesa, política externa, reforma do sistema judiciário e questões demográficas, como migração e a persistente queda nas taxas de fecundidade.

O envelhecimento populacional e o declínio demográfico geram especial apreensão. Segundo a visão dominante, esse cenário colocaria a Polônia diante do risco de uma “armadilha fiscal geriátrica” — um ciclo de pressão orçamentária crescente para sustentar aposentadorias e serviços sociais, comprometendo o potencial de desenvolvimento humano e econômico do país.

Contudo, a população da Polônia já está decrescendo desde 1995 e foi exatamente neste período que a renda per capita cresceu acentuadamente, concomitante ao envelhecimento populacional.

O gráfico abaixo, com dados do relatório WEO do Fundo Monetário (FMI), mostra que a população da Polônia era de 35,6 milhões de habitantes em 1980, chegou ao pico populacional de 38,6 milhões de habitantes em 1995, caiu para 36,5 milhões em 2025 e deve diminuir para 36,2 milhões de habitantes em 2030. Já são 30 anos de redução do número de habitantes.

Até o início dos anos de 1990, a Polônia tinha uma renda per capita semelhante à brasileira, mas a situação mudou muito nas últimas décadas.

O FMI indica que a renda per capita polonesa, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp), era de US$ 14,3 mil em 1980, caiu para US$ 12,54 mil em 1991 (abaixo da renda per capita brasileira), recuperou para US$ 18,9 mil no ano 2000, chegou a US$ 47,3 mil em 2025 e deve atingir US$ 55,2 mil em 2029.

Ou seja, o crescimento acelerado da renda per capita ocorreu após o início do decrescimento demográfico.

Portanto, o envelhecimento populacional não impediu que a Polônia entrasse no clube dos países de alta renda e com elevado bem-estar social. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Polônia era de 0,722 em 1990 e passou para 0,906 em 2023, ocupando o 35º lugar no ranking global (o Brasil está em 84º lugar).

Esse sucesso socioeconômico pode ser atribuído a uma combinação de fatores políticos, econômicos e sociais. Abaixo estão os principais motivos:

Reformas Econômicas e Integração à UE:

a) Transição para a economia de mercado (anos 1990). Após a queda do comunismo, a Polônia implementou reformas econômicas radicais, incluindo privatizações, liberalização de preços e abertura ao comércio internacional;

b) Adesão à União Europeia (2004). O acesso ao mercado único europeu impulsionou investimentos estrangeiros, exportações e transferências de fundos da UE (como os fundos de coesão e agrícolas);

c) Estabilidade macroeconômica. A Polônia manteve políticas fiscais responsáveis, baixa inflação e uma moeda estável (o zlóti), além de evitar crises financeiras graves.

Crescimento da Produtividade e Industrialização:

a) Atração de investimentos estrangeiros. Multinacionais (especialmente da Alemanha) instalaram fábricas na Polônia, aproveitando mão de obra qualificada e custos menores;

b) Desenvolvimento de setores dinâmicos. Indústria automotiva, tecnologia e serviços financeiros cresceram significativamente;

c) Melhoria na educação e qualificação. A Polônia destacou-se em avaliações internacionais como o PISA, elevando a qualidade da força de trabalho.

Migração e Mercado de Trabalho:

a) Emigração de trabalhadores (anos 2000). Milhões de poloneses migraram para outros países da UE (como Reino Unido e Alemanha), reduzindo o desemprego e aumentando as remessas enviadas ao país;

b) Retorno de Profissionais Qualificados (anos 2010). Com a melhoria da economia, muitos poloneses qualificados voltaram, trazendo experiência e capital;

c) Flexibilidade no mercado de trabalho. Reformas trabalhistas facilitaram a criação de empregos, mesmo com a população em declínio.

Fundos Europeus e Infraestrutura:

a) Investimentos em Infraestrutura. A Polônia foi uma das maiores beneficiárias de fundos da UE, usando-os para modernizar estradas, ferrovias e cidades;

b) Desenvolvimento Regional. Programas de apoio a regiões menos desenvolvidas ajudaram a reduzir desigualdades.

Envelhecimento Populacional e Adaptação:

a) Aumento da participação feminina no mercado de trabalho. Políticas de incentivo ao trabalho feminino compensaram parcialmente o declínio populacional;

b) Reformas na Previdência. A idade de aposentadoria foi aumentada para sustentar o sistema previdenciário;

c) Automatização e Inovação. Empresas adotaram tecnologias para compensar a escassez de mão de obra.

Por fim, houve uma mudança de mentalidade em relação à população idosa. Ao invés de temer o envelhecimento populacional, várias cidades polonesas passaram a focar nas oportunidades geradas pelo crescimento das gerações prateadas.

A Polônia tem buscado se adaptar a essa nova realidade trazida pela transição demográfica, com foco em aproveitar o potencial dessa faixa etária para incrementar a economia prateada.

Envelhecimento Ativo e Inclusão Social:

a) Participação na força de trabalho. Embora haja desafios, há um reconhecimento crescente do valor da experiência e conhecimento dos idosos no mercado de trabalho. Programas de requalificação profissional e incentivos para a permanência ou retorno ao trabalho após a aposentadoria são discutidos e, em alguns casos, implementados. O objetivo é manter os idosos ativos e contribuindo para a economia e a sociedade;

b) Voluntariado e engajamento comunitário. Muitos idosos buscam atividades de voluntariado e engajamento em suas comunidades, contribuindo com seu tempo e habilidades. Isso não só beneficia a sociedade, mas também promove o bem-estar e a inclusão social dos próprios idosos;

c) Educação e Aprendizado Contínuo. Universidades da Terceira Idade e outros programas de aprendizado contínuo têm se popularizado, permitindo que os idosos adquiram novas habilidades, mantenham-se mentalmente ativos e socializem.

Tecnologia e Inovação para a Terceira Idade:

a) Saúde e bem-estar. Há um investimento crescente em tecnologias de saúde assistiva, monitoramento remoto, aplicativos de saúde e bem-estar projetados especificamente para idosos. A telemedicina, por exemplo, pode facilitar o acesso a cuidados médicos, especialmente em áreas rurais;

b) Inclusão digital. Esforços são feitos para capacitar os idosos no uso de tecnologias digitais, visando à inclusão e ao acesso a serviços online, comunicação e lazer;

c) Mobilidade e acessibilidade. Desenvolvimento de soluções de transporte e habitação que promovam a independência e a segurança dos idosos;

d) Empreendedorismo sênior. Muitos idosos optam por iniciar seus próprios negócios, utilizando sua experiência e conhecimento acumulados ao longo da vida. A Polônia tem visto um aumento no empreendedorismo sênior, com programas de apoio e treinamento para essa faixa etária.

Embora a Polônia tenha enriquecido concomitantemente ao envelhecimento populacional e possa servir de exemplo para outros países, os desafios persistem.

O debate eleitoral, embora focado em questões mais urgentes como a guerra na Ucrânia e as relações com a UE, não pode ignorar a importância estratégica de aproveitar o potencial da população idosa e de desenvolver plenamente a economia prateada para garantir a prosperidade e a sustentabilidade do país a longo prazo.

*Doutor em demografia e diretor da Decifra consultoria em Demografia


Referências:

ALVES, JED. Os desafios e oportunidades do envelhecimento populacional brasileiro, Exame, 24/01/2025
ALVES, JED. A crescente força das gerações prateadas no Brasil, Exame, 22/02/2025
ALVES, JED. O envelhecimento populacional é uma conquista civilizacional, Exame, 29/03/2025
ALVES, JED. A importância da longevidade saudável e ativa, Exame, 26/04/2025

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