Milei: presidente dolarizou a Argentina (Marcelo Endelli / Correspondente autônomo/Getty Images)
Repórter
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 13h04.
O dólar atingiu um valor recorde em relação ao peso argentino no final de julho, cotado a 1.325 pesos por dólar no câmbio oficial do Banco de la Nación Argentina — valor superior ao registrado em abril, na casa dos 1.200 pesos.
Para analistas do mercado, o aumento do dólar é o resultado de uma combinação de fatores econômicos e políticos que vêm impactando diretamente o mercado cambial argentino, que vão desde a liberalização cambial promovida pelo governo de Javier Milei até à crescente incerteza política gerada pelas eleições legislativas de outubro.
A crise econômica argentina, já marcada por inflação elevada, reservas baixas e uma moeda cada vez mais desvalorizada, tornou-se ainda mais aguda com o fim das restrições cambiais impostas por Milei. O governo argentino iniciou em abril uma série de reformas, incluindo a flexibilização do mercado de câmbio, que eliminou as barreiras ao acesso ao dólar. Essa liberalização permitiu que o mercado de câmbio voltasse a operar sem as restrições do “cepo”.
A mudança gerou uma grande oferta de pesos no mercado. Isso intensificou a procura pela moeda americana, pressionando ainda mais o câmbio, segundo análises do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos bancos JPMorgan e Goldman Sachs, e resultou em uma maior liquidez de pesos no mercado, uma vez que o Tesouro não conseguiu absorver rapidamente essa oferta adicional de moeda.
Com a liquidez alta, a demanda por dólares também subiu, especialmente entre os argentinos que buscam proteger seu poder de compra contra a inflação alta. Analistas da Aurora Macro Strategies apontam que, apesar da alta do dólar, a Argentina vem experimentando uma recuperação econômica, com crescimento de 5% no Produto Interno Bruto (PIB) até maio e a inflação foi controlada, alcançando 1,5% a 1,6% em maio e junho de 2025.
O relatório destaca que esse desempenho positivo foi resultado das reformas fiscais implementadas pelo governo de Milei, que, segundo a análise, "ajudaram a estabilizar a economia e reduzir as pressões inflacionárias".
O relatório do FMI mais recente sobre a Argentina, divulgado em agosto, destaca que, apesar do aumento do dólar, "o país tem avançado nas reformas fiscais e na normalização econômica, após um período de inflação descontrolada e déficits fiscais elevados."
O FMI elogiou os esforços do governo de Milei para equilibrar as contas públicas e controlar a inflação, o que, para o Fundo, é um indicativo de que o país pode superar a atual crise cambial no médio e longo prazo.
O relatório também apontou que o ajuste fiscal e a liberalização controlada ajudaram a reduzir a inflação para 1,5% em maio de 2025, o melhor desempenho desde 2020, desafiando as previsões de uma depreciação de até 20% da moeda.
O JP Morgan, por sua vez, manteve uma visão otimista sobre o futuro da Argentina, apontando que a recente alta do dólar é um reflexo natural da liberalização cambial e da reabertura da economia.
O banco destaca que o aumento do valor da moeda americana está mais relacionado a um processo de "ajuste técnico", necessário após anos de controles cambiais rígidos, e não a um descontrole da política econômica. JP Morgan também projeta um crescimento de 3,8% do PIB da Argentina nos próximos trimestres, impulsionado pela confiança crescente dos investidores e pela continuidade das reformas fiscais, vistas como essenciais para a estabilização econômica.
Peso argentino se desvalorizou em relação ao dólar (Lucas Villalba/Getty Images)
A Aurora, por sua vez, indica que, além das reformas fiscais, a Argentina tem se beneficiado de um aumento significativo das exportações de commodities, como petróleo e minérios, o que tem ajudado a sustentar a balança comercial e aliviar as pressões externas. Apesar disso, a "sobrevalorização do peso" continua a ser um obstáculo para a competitividade das exportações no longo prazo.
A Aurora também aponta que as pressões externas continuarão a afetar a Argentina, já que a forte dependência do país das exportações de commodities pode ser vulnerável a flutuações no mercado global e mudanças nas políticas comerciais, especialmente com a imposição de tarifas pela administração Trump, que afetaram as relações comerciais da Argentina com os EUA e outros países.
Já o Goldman Sachs adota uma postura mais cautelosa, reconhecendo que a liberalização cambial gerou um choque de liquidez que resultou na alta do dólar. O banco afirma que, embora o governo de Milei tenha feito progressos importantes, como a implementação de reformas fiscais e a manutenção do programa com o FMI, a inflação elevada e os custos fiscais continuam sendo desafios a serem enfrentados.
Para o Goldman, o governo precisará de reformas estruturais mais profundas, como a independência do banco central e um ajuste fiscal mais robusto, para garantir que a desvalorização do peso não se torne um problema crônico.
Apesar da alta do dólar, os analistas concordam que o movimento reflete um "ajuste técnico" necessário após décadas de controles cambiais e políticas econômicas restritivas.
A previsão é de que o câmbio se estabilize em patamares mais equilibrados desde que as reformas fiscais tenham sucesso e que o desenvolvimento de políticas monetárias garantam a estabilidade da economia. Para o FMI, a estabilidade do câmbio "dependerá da manutenção do controle fiscal e da continuidade das reformas estruturais em um cenário de crescente confiança do mercado".
Os analistas da Aurora, por sua vez, apontam que será essencial que a Argentina busque uma diversificação econômica mais robusta para reduzir sua dependência de commodities e garantir um crescimento sustentado no longo prazo.
As eleições legislativas de outubro representam um marco crucial para a política argentina e geram grande apreensão nos mercados financeiros.
A disputa acontece entre o governo de Milei e a oposição, liderada por Cristina Fernández de Kirchner (CFK), que ainda exerce grande influência no Peronismo. A condenação de CFK pela Suprema Corte, em junho, enfraqueceu sua liderança, criando um cenário de incerteza política.
Figuras como Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires, têm se distanciado das influências mais radicais do kirchnerismo, o que pode remodelar as alianças no Peronismo e alterar o equilíbrio político nas eleições.
Segundo analistas da Aurora Macro Strategies, a fragmentação crescente no Peronismo e o isolamento de CFK podem gerar instabilidade política e aumentar as incertezas sobre a continuidade das reformas econômicas do governo Milei.
A falta de coesão interna no campo opositor, junto ao fortalecimento de facções mais moderadas no próprio movimento, poderá tornar o Congresso mais imprevisível, o que impactaria diretamente as políticas fiscais e monetárias que o governo busca implementar. A perspectiva de um Congresso mais fragmentado e hostil ao governo pode dificultar a aprovação das reformas necessárias, agravando as pressões fiscais e econômicas no país.
Para os analistas, a alta do dólar está diretamente ligada a essas incertezas políticas. O mercado reage com apreensão, com os investidores buscando proteção na moeda americana diante da volatilidade política e econômica.
A proximidade das eleições faz com que investidores antevejam possíveis mudanças na agenda econômica, o que aumenta a demanda por dólares como forma de hedge contra os riscos políticos e econômicos. A expectativa é que, caso o Congresso se torne mais fragmentado ou oposto ao governo, as reformas fiscais e a estabilização da economia argentina sejam ainda mais desafiadoras.
As eleições de outubro não só testarão a força do governo Milei, mas também definirão o futuro do Peronismo e o papel de figuras-chave como Sergio Massa, o atual ministro da Economia, que busca manter a influência de sua facção política.
A tensão interna no Peronismo reflete uma batalha entre a continuidade das políticas econômicas de corte mais social e a adoção de uma agenda econômica mais liberal, alinhada com os princípios de Milei. O cenário pode resultar em um Congresso mais competitivo e volátil, o que afetaria diretamente a confiança do mercado na capacidade do governo de manter a estabilidade fiscal e econômica do país.