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Rússia investiga autoridades da fronteira por desvio de verbas destinadas à construção de defesas

As investigações sobre desvio de verbas para fortificações parecem, em parte, ter o objetivo de conter a revolta dos russos que vivem nas regiões fronteiriças

Como regra, Putin não admite erros militares nem culpa publicamente aliados fiéis por falhas. A crítica ao Exército é proibida por lei na Rússia. (Gavriil Grigorov / POOL/AFP)

Como regra, Putin não admite erros militares nem culpa publicamente aliados fiéis por falhas. A crítica ao Exército é proibida por lei na Rússia. (Gavriil Grigorov / POOL/AFP)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 26 de julho de 2025 às 14h34.

Autoridades russas estão cada vez mais investigando casos de corrupção envolvendo autoridades regionais e militares, manobras que podem acalmar a indignação pública em relação aos fracassos no front da guerra. Nos últimos meses, autoridades governamentais de três das cinco regiões russas que fazem fronteira com a Ucrânia foram presas e acusadas por promotores de desviar fundos destinados por Moscou à construção de fortificações na fronteira. Essas investigações vieram à tona após ataques bem-sucedidos das forças ucranianas ao território russo.

No ano passado, a Rússia também deu início a uma rara e ampla purga entre generais do Exército e líderes do Ministério da Defesa, por meio de processos de corrupção. Foi nessa mesma época que o presidente Vladimir Putin transferiu seu antigo ministro da Defesa, Sergei K. Shoigu, para um cargo mais nebuloso no Conselho de Segurança Nacional da Rússia.

Como regra, Putin não admite erros militares nem culpa publicamente aliados fiéis por falhas. A crítica ao Exército é proibida por lei na Rússia. Por isso, os casos de corrupção se tornaram uma alternativa conveniente, permitindo que Moscou acalme a população sem admitir falhas do governo central.

— O governo evitou associar essas investigações a algo como traição ou deslealdade — disse David Szakonyi, cientista político da Universidade George Washington, que estuda a corrupção na Rússia. — Isso permitiu que o público fizesse essa conexão por conta própria.

Moscou, porém, não pode acusar oficialmente os envolvidos por falhas em tempos de guerra, pois isso exigiria que os líderes admitissem que a campanha não saiu como o planejado — algo que evitam ao máximo, pois isso afetaria a moral e o recrutamento, segundo Szakonyi.

A corrupção é uma faceta rotineira na Rússia. Mas os casos também são, tradicionalmente, um método para as elites resolverem disputas internas, exercer influência e enviar recados a setores específicos da sociedade. Mesmo com acusações em andamento, pessoas próximas a Putin ou com conexões mais fortes geralmente permanecem intocadas.

À medida que a guerra transforma a sociedade russa, esses casos aumentam. No primeiro trimestre deste ano, o número de crimes relacionados à corrupção identificados pela Procuradoria-Geral da Rússia aumentou 24% em relação ao ano anterior, segundo o jornal russo RBK. Em geral, os casos envolvem funcionários públicos.

Alexandra Prokopenko, pesquisadora do Carnegie Russia Eurasia Center, disse que a onda de processos revela como o Serviço de Segurança Interna da Rússia e os promotores estão expandindo sua influência em meio ao aumento da repressão em tempos de guerra.

— A repressão que começou com pessoas comuns e ativistas da oposição agora atinge a classe dominante, e as purgas começaram ali — afirmou Prokopenko.

Conter a revolta

As investigações sobre desvio de verbas para fortificações parecem, em parte, ter o objetivo de conter a revolta dos russos que vivem nas regiões fronteiriças, especialmente depois que tropas ucranianas ocuparam parte da região de Kursk. As acusações dão a entender que a fronteira com a Ucrânia teria sido mais bem protegida se os recursos não tivessem sido desviados por autoridades locais — uma estratégia que também desvia a culpa do Kremlin.

Esses processos ganharam destaque este mês, quando o ministro dos Transportes da Rússia, Roman Starovoyt, foi encontrado morto, em um aparente suicídio, poucas horas após o Kremlin anunciar sua exoneração. A imprensa russa informou que Starovoyt, que era governador da região de Kursk quando as fortificações foram encomendadas, estava implicado no caso.

Não está claro se os processos estão realmente direcionados aos responsáveis pelas falhas no campo de batalha.

Em um dos casos, autoridades russas prenderam um general que havia acusado seus superiores de incompetência em uma gravação que viralizou. A prisão soou como uma retaliação à crítica pública. Promotores o acusaram de desviar cerca de US$ 1,6 milhão em materiais metálicos destinados a fortificações na Ucrânia ocupada, onde ele comandava tropas. O general negou as acusações.

Outros casos, no entanto, parecem mais evidentes.

Timur Ivanov, vice-ministro da Defesa, foi condenado este mês a 13 anos de prisão por desvio de recursos. Ele havia sido alvo de uma investigação do grupo anticorrupção liderado pelo falecido opositor Aleksei A. Navalny. A organização documentou o estilo de vida luxuoso da família de Ivanov — com aluguéis de iate e mansões na Riviera Francesa e até um Rolls-Royce —, incompatível com seu salário público.

Ivanov, que era responsável pelas construções militares, negou as acusações.

A remoção de Shoigu e os casos de corrupção contra seus antigos subordinados, como Ivanov, foram interpretados por alguns blogueiros militares russos como uma responsabilização tardia pelos erros do início da guerra.

Em outros momentos, Moscou também destituiu autoridades para demonstrar alguma forma de responsabilidade durante o conflito. Após a ocupação parcial da região de Kursk pela Ucrânia, o chefe do serviço de fronteira local foi transferido para a Sibéria, onde passou a supervisionar alguns distritos municipais rurais. Já o comandante da Marinha Russa foi discretamente afastado após os ataques ucranianos debilitarem a Frota do Mar Negro.

Agora, a perspectiva de novos casos de corrupção aumenta a pressão sobre as autoridades, especialmente após a morte de Starovoyt.

— É uma categoria muito eficaz, que dá um verniz legal — afirmou Szakonyi. — Ela evita que você precise tocar nos problemas estruturais mais profundos: como essas pessoas chegaram a esses cargos, como o Estado está estruturado ou como essas decisões foram tomadas.

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