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Venezuela é o início das ações de Trump contra a esquerda na América Latina, diz especialista

Gunther Rudzit, professor de relações internacionais na ESPM, comenta crise gerada por envio de navios militares americanos à região

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, durante discurso em Caracas, em 20 de agosto (Presidência da Venezuela/AFP)

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, durante discurso em Caracas, em 20 de agosto (Presidência da Venezuela/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 22 de agosto de 2025 às 11h58.

A tensão entre Estados Unidos e Venezuela aumentou nesta semana, quando os americanos enviaram três navios de guerra para a costa venezuelana. A justificativa oficial é de reforçar o combate ao tráfico de drogas, mas os próximos movimentos americanos seguem incertos.

O governo de Donald Trump acusa o presidente Nicolás Maduro de ser chefe de narcotraficantes e aumentou para US$ 50 milhões a recompensa por informações que ajudem os EUA a prendê-lo.

Para Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM e especialista em segurança internacional, uma invasão dos EUA neste momento é improvável, mas podem ser feitas ações pontuais, como ataques a portos ou aeroportos supostamente usados pelo narcotráfico.

Ele avalia ainda que o movimento marca o primeiro avanço do governo Trump contra governos de esquerda na região.

"O secretário de Estado, Marco Rubio, tem uma postura bem conservadora contra regimes autoritários aqui na América Latina, principalmente os de esquerda. A Venezuela vem bem a calhar para ele começar a agir contra os governos de esquerda aqui na América Latina", diz Rudzit. Leia abaixo mais trechos da entrevista.

Como avalia o movimento atual de militares americanos em relação à Venezuela? 

Eu não vejo uma invasão americana ao território venezuelano. Os meios deslocados para lá não são suficientes para isso. Segundo, soldados americanos invadirem o território venezuelano, significaria soldados americanos mortos. Agora, ações ali no mar do Caribe, Atlântico, parando embarcações venezuelanas para verificar se tem narcotráfico, possivelmente encontrando alguma coisa, interferindo no espaço aéreo, são possíveis. 

No limite, algum ataque mais preciso é um porto, a um aeroporto clandestino que os narcotraficantes utilizam, porque na Venezuela há grupos muito fortes que não são combatidos pelo governo.

Quais são as razões do avanço do governo Trump contra a Venezuela nos últimos meses? 

São dois fatores principais. Primeiro, Trump tem que dar uma resposta aos eleitores americanos de que está combatendo o narcotráfico. O primeiro alvo, que todos achavam que poderia acontecer, seria o México, mas é bem mais problemático, até por estar na fronteira. O governo mexicano está cooperando bastante com o governo americano, principalmente em conter os imigrantes e combater mais fortemente o narcotráfico.

Já a Venezuela está longe, não vai ter tantos problemas com migrantes [para os EUA] e não tem contribuído em nada para combater narcotráfico. Então, a Venezuela é um prato cheio para o presidente Trump mostrar para os seus eleitores [resultados] no que foi uma das promessas mais fortes de campanha dele, de agir inclusive militarmente contra o narcotráfico. 

O segundo fator é o secretário de Estado e assessor de Segurança Nacional Marco Rubio. Ele tem uma postura bem conservadora contra regimes autoritários aqui na América Latina, principalmente os de esquerda, e sempre se apostou que os alvos dele seriam Cuba e/ou Venezuela. Pelo visto, a Venezuela vem bem a calhar para ele começar a agir contra os governos de esquerda aqui na América Latina. 

O governo Maduro tem resistido à pressão internacional há muitos anos. Teve a eleição ano passado, que foi questionada, mas ele tomou posse mesmo assim. Como vê a capacidade do governo Maduro de lidar com essa nova ameaça?

Maduro tem por trás China e Rússia que o sustentam. A China financeiramente e a Rússia, militarmente. Isso se deu até facilmente porque nenhum presidente americano quis armar a oposição e mergulhar a Venezuela numa guerra civil. Eu já não sei se um governo Trump não faria isso. Tendo em vista essa capacidade do regime venezuelano de se sustentar, outros instrumentos podem ser usados. Inclusive, talvez no limite [armar a oposição]. Eu não tô dizendo que vá, mas a gente não pode descartar essa possibilidade. 

Como fica a posição do Brasil neste momento de confronto entre os dois países?

O grande problema é que o governo brasileiro está em uma posição dúbia em relação à Venezuela. Não reconheceu a eleição do Maduro, mas não rompeu relações, por essa ligação ideológica de Maduro e Lula /Celso Amorim, porque o verdadeiro chanceler brasileiro é o Celso Amorim. Muito provavelmente vão declarar até apoio, mas isso vai ser complicado porque não reconheceram o governo de Maduro como um governo legítimo.

Do ponto de vista dos nossos militares, as preocupações são muito grandes, porque nada melhor para um governo numa situação dessa como o da Venezuela, de uma aventura militar para unificar as pessoas. As Forças Armadas Brasileiras, principalmente o Exército, estão preocupadíssimos com a situação da região de Essequibo, na Guiana. E o Exército venezuelano vem deslocando tropas e equipamento para a fronteira. O Exército tem acompanhado isso muito de perto.

Se a Venezuela mergulhar numa guerra civil, a quantidade de refugiados que vão entrar no Brasil e na Colômbia vai ser gigantesca. O que a gente já teve até agora vai ficar pouco perto do que seria uma guerra civil na Venezuela. Quem tem a estrutura e a capacidade para dar essa primeiro abrigo e coordenação de refugiados, é o Exército brasileiro, junto as outras duas forças. Portanto, eles têm uma preocupação gigantesca desse quadro piorar nessa direção.

A Guiana terá eleições agora em 1º de setembro. Maduro poderia aproveitar este momento para tentar algum movimento mais brusco em seu esforço de tentar tomar o Essequibo?

Existe a possibilidade de que o envio destes navios americanos também seja um alerta para Maduro não tentar nada, porque os americanos têm um interesse econômico gigantesco na Guiana. As petrolíferas americanas lá. Então, isso casa bem com a vontade do Rubio também. Na última eleição [na Venezuela] foi eleito um governo para esse Essequibo venezuelano. Ou seja, um território guianense tem, na Venezuela, um, governador, em um exemplo de guerra híbrida. Maduro está seguindo o livro de Putin de como agir para justificar uma invasão. 

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