Relatório do Atlantico: O Brasil se consolidou como referência em Open Finance e pagamentos em tempo real com o Pix (Getty Images/Getty Images)
Editor de Negócios e Carreira
Publicado em 9 de setembro de 2025 às 09h52.
Última atualização em 9 de setembro de 2025 às 11h09.
A transformação digital segue em curso acelerado na América Latina, empurrada por um tripé cada vez mais sincronizado: tecnologia, regulamentação e capital.
É o que mostra o Atlantico LatAm Digital Report 2025, que mapeia as principais tendências da inovação na região e foi realizado a partir de entrevistas com gestores de venture capital e demais lideranças do setor.
O relatório tem a assinatura do Atlantico, fundo de venture capital fundado por Julio Vasconcelos, um dos pioneiros do ecossistema de startups no Brasil — ele foi um dos fundadores do site de compras coletivas Peixe Urbano, hit na virada dos anos 2010.
O material destaca adoção massiva de inteligência artificial, o amadurecimento dos instrumentos de financiamento digital e a nova fase do capital de risco latino-americano.
No centro desse movimento estão as startups, que mesmo em um ciclo menos favorável, continuam atraindo aportes relevantes — ainda que com ajustes nos valuations.
O estudo mostra que muitas empresas seguem captando recursos em rodadas downround, quando a avaliação da companhia é inferior à de rodadas anteriores.
A razão para contar essa história agora está no acúmulo de capital ocioso nos fundos da região e no impacto crescente da IA nas operações e modelos de negócio das empresas.
O relatório aponta que o dry powder, o volume de capital disponível para investimento, está em patamares recordes, com fundos locais mais seletivos e focados em rodadas iniciais.
Só no Brasil, aponta o relatório, havia 3 bilhões de dólares à disposição nos fundos de venture capital para investimento em startups.
“Fundos latino-americanos superaram seus pares globais na última década em retornos realizados e não realizados”, afirma o relatório do Atlantico.
Apesar da desaceleração de IPOs, muitos unicórnios da região são agora cash-flow positivos e planejam levantar capital em ritmo mais lento.
O Brasil se consolidou como referência em Open Finance e pagamentos em tempo real com o Pix. No México, a digitalização do sistema financeiro ainda enfrenta obstáculos históricos, mas tem avançado com novos players e stablecoins.
A seguir, alguns dos principais pontos do relatório.
O capital de risco continua presente na América Latina, mas o ciclo atual tem exigido mais cautela dos gestores. A análise mostra que, apesar da queda no volume geral de aportes após o pico de 2021, os fundos locais continuam investindo em rodadas de early-stage com tíquetes médios maiores — uma indicação de maior seletividade.
A escassez prolongada de aberturas de capital pressiona as startups em estágio avançado. Desde 2020, o número de unicórnios quase triplicou, mas a saída via mercado de capitais ainda é rara. Muitos desses unicórnios se tornaram financeiramente sustentáveis e estão adaptando seu ritmo de captação.
A América Latina tem uma das maiores taxas de adoção de inteligência artificial no mundo. No Brasil, o uso do ChatGPT está entre os mais altos globalmente. No México, 43% da população já utiliza ferramentas de IA em alguns dias da semana. No Brasil, esse número sobe para 48%.
A familiaridade com o termo "IA" é alta: 82% no Brasil e 71% no México afirmam conhecer razoavelmente ou muito bem o conceito. O uso mais comum está relacionado a busca de informações, apoio em tarefas de trabalho, aprendizado e criação de conteúdo visual.
Nas empresas, a adoção tem foco em produtividade. Startups classificam seus produtos como "AI-enhanced", com IA embarcada, ou "AI-assisted", com IA nas operações internas. A Cloudwalk, por exemplo, bloqueou mais de 15 bilhões de reais em fraudes em 2024 com IA e automatizou 75% do suporte.
Mesmo com a rápida adoção, o gargalo em recursos humanos permanece. Fundadores latino-americanos enfrentam escassez em áreas como inteligência artificial e gerenciamento de produto. Já há impacto direto na estrutura das equipes: fundadores de unicórnios projetam cortes de até 10% nas suas operações por conta do ganho de eficiência da IA.
O Brasil tem a quarta maior comunidade de desenvolvedores no GitHub, mas ainda não consegue suprir a demanda por especialistas. Iniciativas como a faculdade Inteli, com foco em tecnologia e projeto aplicado, buscam preencher a lacuna.
O Pix atingiu 20 bilhões de transações trimestrais em 2025, com crescimento de 30% no ano. O uso por empresas superou o de pessoas físicas, com penetração de 22%. Segundo o relatório, o Pix gerou 14,5 bilhões de dólares em economia com taxas de cartão e manuseio de dinheiro.
O roadmap para este ano inclui funcionalidades como Pix Automático, BNPL Pix e Pix Internacional. A adoção do Open Finance também acelera: mais de 33% da população brasileira consentiu em compartilhar dados, o que levou a uma queda de 74% nas taxas de inadimplência e uma aprovação de crédito 30% mais rápida entre os participantes.
As stablecoins se tornaram uma alternativa de transferência de valores na região, impulsionadas por instabilidade monetária, custos de remessa e busca por dólares. Em 2024, 30% das remessas entre Estados Unidos e México usaram stablecoins, reduzindo o custo de 6% para menos de 1%.
O relatório destaca a atuação da Avenia, que integra stablecoins com o Pix para viabilizar pagamentos instantâneos entre moedas. Apesar do avanço, persistem desafios regulatórios e culturais que dificultam a adoção em massa.
O relatório da Atlantico mapeou cinco perfis de fundadores na região, a partir de entrevistas com 100 CEOs de startups. Os perfis mais frequentes são os "Born-to-be Founders" (27%), que criam empresas desde cedo, e os "National Champions" (26%), com formação e atuação totalmente locais. Também aparecem os "Elite Operators", com MBA no exterior; os "Hackers", técnicos autodidatas; e os "Global Strategists", com experiência em múltiplos mercados.
Esses fundadores compartilham uma característica: operam em contexto de escassez, o que exige foco em execução e resiliência. O crescimento do ecossistema está criando um efeito cascata, com ex-funcionários de unicórnios fundando novas startups, o que reforça a dinâmica de inovação.
A digitalização avança de forma intensa. O tempo médio online chega a 9,2 horas por dia no Brasil, e 48 sessões diárias de WhatsApp por usuário. O Gov.br já verifica 82% da população brasileira e deve alcançar cobertura total até 2027. A abertura da plataforma para o setor privado muda o foco de “acesso” para “inteligência” — o novo diferencial para empresas de tecnologia de identidade.
No campo da infraestrutura, empresas como Microsoft e AWS anunciaram investimentos bilionários em data centers na região. A América Latina possui 85% de sua matriz energética em fontes renováveis, o que atrai operações de IA com alta demanda por energia limpa e estável.
Apesar do avanço, a região ainda enfrenta obstáculos como desemprego, informalidade e acesso desigual à saúde. A Argentina lida com choques institucionais, enquanto o Brasil enfrenta pressão política e desafios regulatórios.
Na saúde, o modelo de remuneração por volume, o envelhecimento da população e a inflação médica continuam pressionando os sistemas públicos e privados. No México, 28% da população está sem cobertura formal de saúde, após o fim do programa Seguro Popular.
A transformação digital segue, mas a queda da fricção ainda não é uniforme. O alinhamento entre tecnologia, regulação e capital está em curso, mas seu impacto depende da velocidade com que os setores público e privado conseguem adaptar suas estruturas.