Paulo Veras, fundador da 99: “Você precisa ter confiança para continuar, mesmo depois de errar. O projeto pode ter fracassado. Mas isso não significa que você fracassou como pessoa.” (Germano Lüders /Exame)
Repórter de Negócios
Publicado em 26 de junho de 2025 às 14h56.
Quando percebeu que seu quinto negócio, o site de compras coletivas Imperdível, havia morrido, o empreendedor Paulo Veras foi para casa, entrou no banho, e chorou. "Muito", diz ele. Na manhã seguinte, marcou uma reunião com sócios e avisou que iria vender a participação no projeto. "É muito cedo para jogar a toalha", disse um dos integrantes da sala onde acontecia a conversa. Mas Paulo sabia, naquele momento, que precisava “cortar a corda” e seguir adiante.
Cofundador da 99, o primeiro unicórnio brasileiro, Veras resolveu contar os bastidores da sua jornada empreendedora no novo projeto da Endeavor Global, batizado de Untold, termo em inglês que significa “não contado”.
A proposta é simples: abrir espaço para que fundadores bem-sucedidos revelem o que não costuma aparecer nos holofotes. Fracassos, raiva, burnout, dívidas, medo. “É uma tentativa de desromantizar a jornada. Porque, para quem está empreendendo, a sensação é que só com ele é difícil. Quando vê os outros, tudo parece dar certo”, afirma.
O projeto estreia nesta quinta-feira, 26, e trará sete histórias nesta primeira leva — todas em primeira pessoa. Além de Veras, também participa a brasileira Daniela Binatti, cofundadora da Pismo, adquirida pela Visa no ano passado por 1 bilhão de dólares.
A ideia, segundo a Endeavor, é quebrar o mito do “empreendedor imbatível” e mostrar que a jornada de quem chegou longe é feita de dúvidas e quedas como qualquer outra.
“Se você não deixar ir aquilo que te trava, a empresa pode até sobreviver. Mas você não”, diz Veras.
No caso dele, a metáfora foi literal. Em 2015, no auge da disputa com o Uber e no meio de uma crise jurídica interna na 99, Veras foi diagnosticado com leucemia. Do hospital, seguiu operando reuniões com investidores e liderando a captação da rodada série B. “Eu tava com tanta raiva, consumido mesmo, que acho que meu corpo não aguentou. Minha esposa diz que mágoa dá câncer — e eu acredito.”
Antes da 99, Veras havia tentado cinco vezes empreender, de guias da cidade a portal de vídeos .No caso do Imperdível, seu penúltimo projeto antes da virada, ele já faturava milhões por mês. Mas o modelo de negócios era falho. “Era um negócio que parecia funcionar muito bem, mas estava completamente fora do nosso controle. Clientes ruins, experiência ruim, e não tinha como resolver isso.” Quando percebeu que não havia saída, decidiu sair.
O desgaste foi tanto que ele conta ter chorado sozinho no banho, tomado pela frustração de ter fracassado depois de tanto esforço — e investimento pessoal. “Eu sentia que tinha decepcionado minha família, meus sócios, meus funcionários. É uma sensação muito pesada.”
A virada viria meses depois, quando foi mentor de dois jovens empreendedores, Ariel Lambrecht e Renato Freitas, que tinham uma ideia incipiente de um app de transporte. Juntos, fundaram a 99. “Foi o momento certo. Eu já tinha vivido tudo o que podia dar errado. Tava pronto para fazer dar certo.”
Nos anos seguintes, a 99 cresceu rápido e virou referência em mobilidade urbana no país. “A gente não tinha nem como planejar. O negócio crescia 50% ao mês”, lembra.
Mas com o crescimento, vieram também crises. Uma disputa jurídica interna quase impediu a empresa de captar investimentos, e isso coincidiu com o momento em que Veras ficou doente. “Era muita coisa ao mesmo tempo. Uma empresa ameaçada, o Uber entrando com força, uma doença grave. A raiva era o sentimento dominante. E eu precisei deixar isso ir.”
Essa é a grande lição que Veras tenta passar com seu depoimento à Untold. A metáfora do filme Vertical Limit, onde um alpinista corta a corda que segura seu pai para salvar a própria vida, resume a sensação de quem empreende e precisa tomar decisões difíceis. “Tem hora que, se você não cortar a corda, todo mundo morre. No meu caso, precisei fazer isso algumas vezes. Em negócio, em relacionamentos, em ideias.”
Para ele, desapegar é parte do crescimento — e da saúde mental. “Você precisa ter confiança para continuar, mesmo depois de errar. O projeto pode ter fracassado. Mas isso não significa que você fracassou como pessoa.”
Ele lembra que, nos Estados Unidos, investidores valorizam fundadores que já falharam. “Não é que celebre o fracasso, mas celebra a coragem de tentar de novo. Aqui no Brasil, isso está mudando agora.”
A ideia do Untold nasceu da percepção de que as histórias de sucesso que circulam são, quase sempre, editadas. “O mito do empreendedor herói ainda é muito forte. A gente quer mostrar que ninguém é ninja emocional. Todo mundo tem um momento de cair e reconstruir”, afirma Silvia Cavalcanti, CMO da Endeavor Global.
A organização, que está presente em 45 países, já vinha colecionando relatos de fundadores durante eventos fechados, mas decidiu abrir o conteúdo ao público. “Nos bastidores, eles já compartilhavam histórias de burnout, crises de identidade, dúvidas profundas. Isso tem um valor enorme. É injusto que só poucos tenham acesso a esse tipo de troca”, diz Silvia.
Os critérios para escolher os sete primeiros nomes foram simples: fundadores muito bem-sucedidos e que estivessem fora da fase mais ativa de captação. “Precisávamos de gente que já tivesse passado pela tempestade. Que tivesse algo pra contar — e que não estivesse com medo de se mostrar vulnerável.”
Daniela Binatti, cofundadora da Pismo, também participa. “Falei sobre momentos delicados da minha trajetória, como a saída da carreira corporativa e as dificuldades do fund-raising. Sempre defendi a bandeira da saúde mental, mas nunca tinha falado tanto sobre como me senti nesses momentos”, conta ela.
Veras acredita que esse tipo de conversa representa uma evolução no ambiente empreendedor. “A gente viveu uma bolha de glamourização do empreendedorismo. Agora, estamos chegando num nível de maturidade em que dá para falar de verdade. E isso é libertador.”
Mesmo depois de vender a 99 para a chinesa DiDi e ter se tornado um dos nomes mais conhecidos do ecossistema, ele diz que ainda precisa se lembrar da lição principal: não se confundir com o CNPJ. “Quando o negócio quebra, você não quebra junto. É difícil separar, mas é essencial.”
A Untold será publicada digitalmente pela Endeavor e, num futuro próximo, poderá ganhar versões locais e novas temporadas. “Se a única coisa que te importa é o bottom line, então se importa com a saúde mental do empreendedor. Isso é um fato. 94% dos empreendedores já enfrentaram alguma condição adversa de saúde emocional”, diz Silvia.
Mais que dar voz, o projeto quer dar alívio. “A gente acredita que mostrar uma história real é mais útil do que criar mais uma narrativa perfeita de capa de revista”, diz ela.
“Fracassar não me fez um fracassado. Me fez pronto.”