Marly Katarina Brito de Lima, fundadora do restaurante Café com Cacau: “Nunca deixe seus sonhos embaixo do travesseiro. Faça com que se transformem em realidade e verá o potencial e o poder de luta de uma mulher”
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 4 de agosto de 2025 às 16h30.
Por quase duas décadas, a baiana Marly Katarina Brito de Lima acordou antes do sol nascer para trabalhar como empregada doméstica. Passou por residências em Brasília e São Paulo até retornar a Itacaré, no Sul da Bahia, e realizar o sonho de empreender. Em 2000, fundou o Café com Cacau, um restaurante que fatura cerca de R$ 800 mil por ano, recebe mais de 5 mil visitantes anualmente e tem a meta de alcançar R$ 1 milhão em 2025, além de abrir novas unidades.
“Aprendi muito pilotando o fogão das ‘madames’, e meu desejo era ser cozinheira. Quando voltei para minha cidade, com R$ 500 no bolso, arrisquei tudo e comecei unindo duas paixões: o café e o cacau”, conta a empreendedora, que recebeu apoio de amigos e iniciou em um espaço cedido em uma casa de taipa.
Como reconhecimento de sua trajetória, venceu o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2024, na categoria Pequenos Negócios, em uma edição que reuniu mais de 200 candidatas apenas na Bahia. A premiação reconhece histórias de mulheres que transformaram sua realidade por meio do empreendedorismo, com destaque para práticas de gestão, inovação e impacto social. “O Sebrae sempre foi um parceiro e me ajudou na estruturação da operação. Foi um colaborador da instituição que encomendou os primeiros 800 chocolates. Ali eu entendi que a empresa tinha potencial”, afirma.
A marca surgiu de um trauma de infância. Marly cresceu cercada por plantações de cacau no interior da Bahia, mas era proibida de provar a fruta. “Lembro de ter muita vontade de experimentar; sonhava em comer chocolate, mas não podia – e também não tínhamos dinheiro para comprar”, diz. Segundo ela, os patrões dos pais inventavam lendas para afastar as crianças. “Diziam que chupar cacau e beber água podia matar. Tudo para evitar que mexêssemos em algo valioso. Foi isso que me impulsionou.”
Atualmente, comanda uma cafeteria – inaugurada em 2024 – e um restaurante especializado em gastronomia local, que nasceu na casa de taipa e virou um ambiente frequentado por clientes que gostam de natureza e comida regional. A entrada do local fica às margens da rodovia BA-001, entre Ilhéus e Itacaré, no km 58 da região de Marambaia. Aos fundos, há uma área suspensa entre as copas das árvores, o que reforça a proposta de imersão na paisagem natural.
Marly extrapolou o mundo dos cafés e chocolates e o restaurante é hoje uma parada recomendada para turistas que visitam a região. Além disso, também mantém uma linha de chocolate artesanal.
Na visão da empreendedora, o segredo do sucesso está em inovar. “Todo fim de ano, crio algo novo: um drink, um prato, uma decoração. Até trocar os móveis de lugar é uma forma de inovação”, afirma. Entre os planos para chegar a R$ 1 milhão de faturamento, está o fortalecimento da nova filial, que carrega o DNA da matriz e abre caminho para futuras franquias.
No entanto, mais do que crescer, ela quer transformar vidas. Uma de suas metas é formar novas empreendedoras. Sua equipe conta com 18 pessoas, sendo 15 mulheres. “Um dos meus sonhos é ver todas as mulheres que trabalham no Café com Cacau profissionalizadas, com suas próprias empresas. Se eu puder ensinar e ajudar, estarei de coração e braços abertos.”
A história de Marly se entrelaça com a força do empreendedorismo feminino no Brasil. De acordo com o Sebrae e a Fundação Getulio Vargas (FGV), mais de 10,3 milhões de mulheres lideram operações no país – muitas delas em micro e pequenos negócios. Porém, os desafios persistem: elas ainda enfrentam mais dificuldade de acesso a crédito e formalização, além de maior sobrecarga com tarefas domésticas. “Mesmo com todas as dificuldades, desistir nunca foi uma opção”, diz.
A favor da empresa, Marly tem indicadores positivos: um setor que movimenta bilhões no Brasil. Segundo dados do Ministério da Agricultura, o país é o maior produtor mundial de café e o sétimo de cacau, com produção de cerca de 220 mil toneladas por ano. O mercado de cafés especiais – nicho em que o empreendimento atua – cresce a uma taxa de aproximadamente 15% ao ano, com projeção de movimentar R$ 9 bilhões até 2025, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Já o setor de chocolates artesanais e gourmet à base de cacau brasileiro também tem ganhado força, impulsionado pelo turismo gastronômico e pela valorização de produtos locais.
Nessa toada, a empreendedora segue conduzindo a Café com Cacau de perto e aconselha quem deseja empreender a não esperar pelo cenário ideal para começar. “Nunca deixe seus sonhos embaixo do travesseiro. Faça com que se transformem em realidade e verá o potencial e o poder de luta de uma mulher”, finaliza.