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CEO da Gerdau e o tarifaço: o que está ruim pode piorar, a não ser que Brasil adote defesa comercial

CEO da Gerdau diz que invasão de produtos chineses ameaça a indústria nacional e defende medidas de defesa comercial para manter a competitividade no país

Gustavo Werneck, CEO da Gerdau: “Se a indústria não é importante para o Brasil, então que se diga isso claramente — e a gente toma a decisão de investir em outro lugar” (Leandro Fonseca /Exame)

Gustavo Werneck, CEO da Gerdau: “Se a indústria não é importante para o Brasil, então que se diga isso claramente — e a gente toma a decisão de investir em outro lugar” (Leandro Fonseca /Exame)

Publicado em 9 de abril de 2025 às 13h04.

Última atualização em 23 de abril de 2025 às 19h02.

PORTO ALEGRE (RS) -- Poucas vozes se posicionam tão fortemente contra as práticas comerciais chinesas como a de Gustavo Werneck, CEO da gigante metalúrgica Gerdau. Com a nova onda de tarifaços liderada por Donald Trump nos Estados Unidos — e a retaliação imediata da China — Werneck é, portanto, uma voz a ser ouvida.

Para o executivo, ações que evitem uma invasão chinesa de produtos subsidiados são urgentes.

Werneck vê o tarifaço de Trump e suas consequências como uma janela de oportunidade para que o Brasil acelere o debate sobre defesa comercial. Mas faz questão de separar os termos: “Minha questão nunca é proteção. É defesa. Queremos apenas condição de competir de igual para igual”, diz.

No mercado de aço, explica, o produto importado da China chega ao país com preços tão baixos que nem sequer cobrem o custo da matéria-prima no país asiático. “É impossível imaginar o aço chinês entrando no Brasil com preço menor do que o que a China paga no minério. Isso é claramente dinheiro do governo chinês para manter emprego e renda lá, e evitar confusão social”, afirmou Werneck em entrevista à EXAME durante o South Summit Brazil 2025, evento de inovação que acontece em Porto Alegre, numa corealização entre IE University, da Espanha, e o governo gaúcho.

Segundo ele, os subsídios chineses criam uma competição artificial, e o setor siderúrgico brasileiro não consegue sobreviver num cenário em que o aço entra no país mais barato do que o custo de produção nacional.

Em entrevista recente à EXAME, Werneck minimizou os efeitos da tarifa americana sobre as operações da Gerdau nos Estados Unidos — já que a produção no país é 100% voltada ao consumo interno. Pelo contrário: ele vê o movimento com bons olhos. “Toda a nossa produção de aço é nos Estados Unidos, é como se fôssemos uma empresa americana. Qualquer incentivo para produção local, redução de custos de energia e investimentos em infraestrutura nos favorecem.”

No Brasil, o cenário é o oposto. O aço chinês entra subsidiado e abaixo do custo, diz Werneck, o que representa uma ameaça direta à competitividade da indústria nacional.

Risco de desvio de aço

Com os Estados Unidos e a China travando mais um capítulo da guerra comercial, Werneck vê um movimento previsível — e perigoso: o redirecionamento do excedente de aço chinês para mercados mais frágeis. “Especialmente nos países da América Latina, que são muito frágeis no sentido da sua economia, da dependência de acordos e da falta de competitividade”, afirma.

Na prática, isso significa que o aço que não consegue mais entrar nos Estados Unidos com preços subsidiados vai buscar refúgio em países como o Brasil, México, Colômbia, Chile e Argentina — onde barreiras são menores. A pressão sobre a indústria local, já enfraquecida, tende a se intensificar.

O que está ruim pode piorar. A não ser que o Brasil coloque mecanismos de defesa comercial para equilibrar o jogo, e no prazo mais curto possível”, diz Werneck. Segundo ele, essa movimentação exige urgência — e posicionamento político. “O Brasil está do lado das empresas brasileiras, de uma indústria moderna e competitiva? Ou vai continuar deixando a porta aberta?”, questiona. “Agora é hora do governo dar clareza e senso de urgência.”

Gustavo Werneck, CEO da Gerdau: antes de falar com a EXAME, Werneck participou de um debate sobre sustentabilidade no South Summit Brasil 2025 (Leandro Fonseca /Exame)

Cadeia dividida, reação fraca

Na avaliação de Werneck, parte da dificuldade do Brasil em reagir ao avanço chinês também está na desarticulação entre os próprios setores produtivos. “Aqui a minha voz é única, e me surpreende isso. Os setores vão lá e combatem, mas ao mesmo tempo estão pedindo defesa comercial para eles mesmos”, afirma. “Nos Estados Unidos, existe o entendimento de que a cadeia toda precisa ser protegida. Aqui, o cliente briga com o fornecedor na frente do governo.”

A crítica é direta: falta uma política industrial coesa, que trate a indústria nacional como prioridade estratégica.

“Se a indústria não é importante para o Brasil, então que se diga isso claramente — e a gente toma a decisão de investir em outro lugar”, disse. “O que complica é a falta de clareza e de segurança.”

A expectativa do setor é por novas medidas até o fim de maio. Caso isso não ocorra, ele antecipa que a Gerdau pode revisar planos de investimento no Brasil.

“Vamos ter que rever nossas decisões, não só de curto prazo, mas também de alocação de capital no longo prazo.”

Indústria x desindustrialização

O executivo volta a lembrar o peso da indústria no PIB brasileiro — que caiu nas últimas décadas — e os impactos disso em inovação, arrecadação e geração de emprego. “A indústria representa 23% do PIB, mas responde por 66% dos investimentos em inovação, 40% dos impostos federais e 25% da contribuição previdenciária. Como é que mantém um país sem isso?”

Para ele, medidas como as de Trump — ainda que duras — têm ao menos um mérito: provocar reação. “Apertaram o botão da confusão, e agora os acordos vão ser melhor construídos”, diz.

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