João Kepler: A transição de CEO para CVO (Chief Visionary Officer) representa uma mudança profunda, que vai além do cargo. É uma nova mentalidade, baseada na consciência de que a empresa não pode girar apenas em torno do fundador (m-gucci/Thinkstock)
CEO Equity Fund Group e colaborador
Publicado em 2 de setembro de 2025 às 19h27.
Assumir que é hora de sair do operacional e passar o bastão da liderança executiva não é sinal de fraqueza, mas de maturidade empresarial. Deixar a cadeira de CEO (Chief Executive Officer) não significa abrir mão de influência, e sim redefinir a forma de exercer a função.
A transição de CEO para CVO (Chief Visionary Officer) representa uma mudança profunda, que vai além do cargo. É uma nova mentalidade, baseada na consciência de que a empresa não pode girar apenas em torno do fundador. Ela precisa ter vida própria, escala própria e visão de longo prazo, além do ego.
Essa mudança exige desapego, humildade e coragem. É reconhecer que a missão do fundador não é controlar tudo, mas garantir que tudo continue mesmo sem ele. É confiar em pessoas melhores do que você em determinadas funções. E, acima de tudo, é entender que o legado se constrói quando a empresa sobrevive à sua ausência.
Enquanto o CEO responde pelo agora, o CVO atua no depois. Ele desenha o futuro, conecta sinais que ainda não viraram tendências, fortalece a cultura e sustenta o propósito. Sai do “como fazer” e foca no “por que fazer”.
Muitos fundadores resistem a essa mudança porque confundem sua identidade com a operação. Mas essa fusão é um dos maiores freios ao crescimento. Quando o fundador se torna o centro de tudo, a empresa vira refém da sua agenda e do seu limite de energia.
Eu sou um exemplo vivo dessa transição. Em 2023, passei o comando da Bossa Invest para Paulo Tomazela, que hoje lidera a operação como CEO. Permaneci como CVO, cuidando da visão, dos produtos futuros, das conexões estratégicas e da preparação da empresa para os próximos ciclos.
No início não foi fácil, mas quase dois anos depois vejo com clareza que essa foi uma das decisões mais inteligentes que tomei. A empresa ganhou musculatura, gestão e maturidade, e eu ganhei tempo e clareza para gerar valor no meu lugar de potência — onde realmente faço diferença. Hoje, costumo brincar que virei mais um CDO (Chief Disnecessary Officer) do que um CVO.
No mercado brasileiro, essa transição ainda é rara. O mais comum é o fundador migrar apenas para o conselho, muitas vezes na Presidência como Chairman.
Foi o caso de Hugo Rodrigues, que deixou a função de CEO da WMcCann e assumiu o papel de Chairman, focando na cultura e no posicionamento estratégico. Ele entendeu que era hora de sair da linha de frente sem sair do jogo. Para que essa transição funcione, é preciso estrutura: governança, sucessão bem planejada, comitês atuantes, processos claros e líderes bem formados.
Assumir uma posição executiva mais estratégica, como a de CVO, ainda é pouco explorado no Brasil. O fundador não desaparece da empresa, apenas se reposiciona. Troca o campo de batalha pelo mirante. Passa a atuar mais nos conselhos, nas salas de estratégia, nos encontros com parceiros e no design do futuro. É como trocar a enxada por um drone: em vez de cavar o solo com as próprias mãos, passa a enxergar o terreno inteiro. Veja as diferenças abaixo:
Esse movimento pode ser desconfortável no início, especialmente para quem sempre esteve no controle. Mas quase todos que fizeram essa travessia no mundo relatam a mesma coisa: é libertador.
Muitos só conseguiram escalar de verdade quando confiaram na nova liderança e saíram da frente. Outros viram a empresa atrair talentos de alto nível, ganhar velocidade e se tornar mais sustentável. Quando bem-feita, essa transição não enfraquece o fundador, ela o fortalece. Não diminui sua autoridade, amplia seu impacto.
Ser CVO é ser arquiteto. É deixar de colocar tijolos para desenhar novos andares. É sair do centro da operação para se tornar o centro da visão. Empresas guiadas por visão tendem a durar mais, crescer mais e transformar mais. Porque quando o fundador larga o volante, mas mantém o mapa nas mãos, a jornada vai mais longe, com mais gente e com mais sentido.