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Estilista que saiu do interior da Bahia e chegou ao SPFW aposta em moda com propósito

Isa Silva criou uma marca autoral que une ancestralidade, inclusão e sustentabilidade – e já assinou colaborações com gigantes do mercado

Isa Silva, estilista, empresária, palestrante e influenciadora: “Os preconceitos existem, assim como a maldade, mas foque no seu e vá em frente”

Isa Silva, estilista, empresária, palestrante e influenciadora: “Os preconceitos existem, assim como a maldade, mas foque no seu e vá em frente”

Caroline Marino
Caroline Marino

Jornalista especializada em carreira, RH e negócios

Publicado em 28 de julho de 2025 às 16h35.

“Acredite no seu axé.” A frase que se tornou símbolo da estilista Isa Silva, estampando camisetas e jaquetas, vai além de um detalhe de estilo. Virou um mantra de identidade, coragem e pertencimento – e também a essência da marca fundada por ela, uma mulher trans, negra e nordestina, que transformou a moda em instrumento de inclusão e ancestralidade. 

A baiana, que vem conquistando cada vez mais espaço no mercado nacional e internacional, fez o primeiro desfile em 2015 na Casa de Criadores, em São Paulo. Três anos depois, foi convidada a integrar o line-up do São Paulo Fashion Week (SPFW), principal semana de moda do país. E em 2024 chegou ao Brazilian Fashion Day, evento que acontece paralelamente à NYFW, em Nova York. Ao longo do tempo, também realizou uma série de collabs com empresas como Grupo Alpargatas (Havaianas), Magazine Luiza, Chandon, Nívea e Tok&Stok.

Agora, dá um passo importante com o anúncio de um rebranding: a empresa, que nasceu como Isaac Silva, passa a se apresentar como Isa Silva (IS), consolidando uma nova fase criativa, identitária e pessoal da estilista. A nova fase será apresentada oficialmente hoje, 28 de julho, durante o desfile da coleção primavera/verão 2025, no Museu Afro Brasil, em São Paulo, como parte de um evento em homenagem ao Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. “Em 2023, me assumi mulher trans e entendi que minha marca também precisava viver sua transição e refletir essa transformação.”

À Exame, ela conta o caminho que percorreu até aqui.

Do preconceito à descoberta de um novo caminho

Filha de uma dona de casa e de um caixeiro-viajante, Isa nasceu em Barreiras, interior da Bahia, e teve o primeiro contato com a moda ainda criança. Seu refúgio era o ateliê de Morena, costureira do bairro. Por lá, o barulho das máquinas a acalmava e o cheiro de café criava uma sensação de abrigo rara para quem cresceu sob violências física, verbal e institucional. “Era onde eu me sentia segura”.

Na escola, apesar de o pai acolher seus desejos, deixando-a comprar todo o material da moranguinho, se deparou com o preconceito. “Não aceitavam que eu estava com aqueles objetos”, lembra. Certa vez, ao responder à chamada, ouviu da professora: “Mas você não é menina?”. Além disso, quando dizia orgulhosa que gostaria de ser costureira enquanto outras crianças falavam em ser médicas ou professoras , era alvo de piadas. “Eu era só uma criança e não tinha ‘lugar’ na escola.”

Fora da sala de aula, o preconceito também era constante. Ao tentar jogar bola com os meninos da rua, por exemplo, se deparara com agressões: chute, empurrão, cuspe. “O ateliê salvou os dias tristes da minha vida”, diz. Ali, entre tecidos, moldes, conversas e músicas descobriu que a moda poderia ser seu caminho de expressão e liberdade.

Aos 13 anos, depois de um tempo da morte do pai, a família mudou para Salvador. Na capital baiana, ela cursou Design e Gestão de Moda e se reconheceu como pessoa LGBTQIAPN+, afro-brasileira, indígena e pertencente às religiões de matriz africana: elementos que moldaram não apenas sua trajetória criativa, mas também sua visão de mundo.

Capacitações para avançar

Para arcar com as despesas, Isa precisou conciliar trabalho e estudo. Vendeu produtos da Avon na adolescência, trabalhou em lava-rápido e na bilheteria de um teatro no Pelourinho. As experiências, apesar de desafiadoras, se transformaram em aprendizado. Aos 19 anos, recém-formada, desembarcou em São Paulo com o desejo de construir uma carreira na moda. No início, ouviu que teria dificuldade por ter um “currículo todo de Salvador”. A resposta veio com estudo: cursou Produção de Vestuário no Senai e aprendeu da modelagem à costura.

Após cinco anos atuando em confecções no bairro do Bom Retiro, conheceu uma empresária coreana, dona de uma fábrica, e percebeu que também podia ter o próprio negócio. Já que sabia que o setor carregava preconceitos e padrões, decidiu criar algo diferente, com propósito e identidade. Inspirada pelas raízes afro-brasileiras e indígenas, e com o compromisso de uma moda sustentável e feita em rede, fundou a marca. 

Sem saber o que era um CNPJ, buscou capacitações: fez cursos no Sebrae e no Senai, incluindo fluxo de caixa, gestão de negócios e empreendedorismo feminino. Também participou dos programas governamentais Juros Zero e Banco do Povo, que possibilitaram dois financiamentos – de R$ 15 mil e R$ 25 mil – e auxiliaram na criação da empresa.

Moda com propósito e impacto social

Hoje, Isa atua como estilista, empresária, palestrante e influenciadora, com 171 mil seguidores no Instagram. À frente de uma marca consolidada, coordena uma equipe direta de 12 pessoas e articula uma rede produtiva formada, em sua maioria, por mulheres e pessoas trans. Mantém colaborações com coletivos como Trans Sol, Casa Neon Cunha e Tem Sentimento, alcançando cerca de 200 mulheres por meio de oficinas de corte, costura e cultura de moda, além de trabalho.

Para ela, além do olhar atento aos pilares de ESG, quatro elementos sustentam o sucesso do negócio: propósito para guiar o crescimento sem perder a essência; rede de apoio, com pessoas que orientam, incentivam e impulsionam seu desenvolvimento; planejamento financeiro, fundamental para viabilizar investimentos, manter a equipe e garantir fôlego à operação; e presença ativa em eventos e espaços de troca, o que amplia o olhar, inspira e conecta empresa a novas possibilidades.

“Não se distraia no processo”

A frase de Toni Morrison, primeira escritora afro-americana a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, se tornou como guia para Isa. “Os preconceitos existem, assim como a maldade, mas foque no seu e vá em frente.” É com essa mentalidade que ela construiu sua trajetória. Ao olhar para trás, se emociona: “Hoje sou uma mulher realizada e, com isso, reverencio àquela criança que passou por tantas violências, e à adolescente que precisou  conciliar os estudos com o trabalho desde cedo.”

Seu conselho para mulheres que desejam empreender é um lembrete de força e autenticidade: não se invisibilizem. “Acreditem no seu axé, na sua energia, no seu poder. Não desistam de vocês.”

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