Empreendedorismo feminino: resistência e inovação nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. (Morsa Images/Getty Images)
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 19 de maio de 2025 às 09h00.
Uma pesquisa realizada pela Be.Labs, aceleradora especializada em negócios para mulheres, mostra que, apesar dos obstáculos estruturais, 87,6% das empreendedoras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste não trocariam suas empresas por um emprego com carteira assinada. O dado reforça que empreender vai além de uma alternativa econômica — representa, para muitas, um caminho de autonomia, transformação e, em alguns casos, a única opção possível.
O estudo “Perfil das Mulheres Empreendedoras do Novo Eixo”, conduzido em 2024 com mais de 600 participantes, traça um panorama das mulheres que empreendem nessas regiões. A média de idade é de 42,4 anos, mais da metade se identifica como negra (56,6%), e a maioria é mãe (75,9%) e chefe de família (50,6%). A escolaridade é elevada: 30,1% possuem pós-graduação e 21,6%, ensino superior. Mesmo assim, 71,2% não têm a empresa como única fonte de renda, o que revela um cenário de múltiplas jornadas e instabilidade financeira.
O levantamento aponta, ainda, que essas mulheres empreendem por necessidade, mas também por realização pessoal, movimentando economias locais e desafiando barreiras históricas. A maior delas continua sendo a baixa disponibilidade de crédito: 69,9% nunca tiveram acesso a crédito ou financiamento especializado.
Para Marcela Fujiy, fundadora da Be.Labs, empreender nessas regiões é um ato de resistência. “Os desafios são profundos: acesso limitado a crédito, informalidade persistente, ausência de políticas públicas estruturadas e uma sobrecarga de cuidados que recai, principalmente, sobre as mulheres negras”, afirma.
Marcela Fujiy, fundadora da Be.Labs: “Essas mulheres começaram a ocupar um espaço que antes lhes era negado. Hoje, não apenas empreendem, também lideram, inspiram e transformam suas comunidades"
Apesar do cenário adverso, Marcela ressalta o avanço do empreendedorismo feminino, impulsionado por ações da própria Be.Labs, que oferece treinamentos, workshops, painéis e palestras. Em sete anos de atuação, a instituição formou 120 turmas e impulsionou mais de 3.500 empresas lideradas por mulheres nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste por meio do Efeito Furacão, uma metodologia exclusiva composta de cinco fases — da concepção da ideia à estruturação do negócio, incluindo mentorias personalizadas. O método, baseado em design thinking e adaptado às necessidades socioeconômicas locais, ajuda as participantes a superarem desafios como desigualdade de gênero e falta de redes de apoio.
“Há um verdadeiro furacão silencioso em movimento. São milhares de mulheres que, apesar das barreiras, constroem negócios com criatividade, resiliência e impacto social — que vai muito além da geração de renda”, diz.
Segundo ela, frentes como o avanço da digitalização, o crescimento do MEI e o aumento das capacitações em rede estão impulsionando as empreendedoras. “Essas mulheres começaram a ocupar um espaço que antes lhes era negado. Hoje, não apenas empreendem, também lideram, inspiram e transformam suas comunidades. Mesmo com menos acesso a crédito, infraestrutura precária e múltiplas jornadas, elas continuam criando soluções sustentáveis e inclusivas. Isso não é tendência, é revolução”, afirma.
O empreendedorismo tem se consolidado como um importante vetor de transformação social e econômica nessas regiões. “Quando uma mulher do novo eixo empreende, não está somente criando uma fonte de renda; está rompendo ciclos de dependência, fortalecendo cadeias produtivas locais, impactando outras mulheres da comunidade e, muitas vezes, garantindo a sobrevivência da própria família”, afirma a fundadora da Be.Labs.
Segundo o estudo, 73,8% das entrevistadas acreditam que seus empreendimentos geram impacto direto nas comunidades em que atuam, seja por meio da geração de empregos, da promoção da sustentabilidade ou da valorização da cultura local. Nesse contexto, o apoio a essas mulheres se torna ainda mais relevante e a parceria entre Be.Labs e Sebrae tem sido fundamental para a estruturação e fortalecimento desses empreendimentos. “O Sebrae tem um diferencial poderoso: a capilaridade. Ele chega a locais onde quase ninguém chega, como no interior, nas zonas rurais e nas bordas urbanas. E é justamente nesses lugares que estão muitas das mulheres que queremos alcançar: potentes, criativas e cheias de ideias, mas ainda fora das redes de apoio e reconhecimento”, explica Marcela.
Atualmente, a Be.Labs está presente, junto ao Sebrae, em 11 estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, formando uma rede de transformação em áreas historicamente negligenciadas. “Entramos com uma metodologia pensada para a realidade dessas mulheres que conciliam múltiplas jornadas e enfrentam barreiras estruturais diariamente, e o Sebrae com a estrutura, a legitimidade e o alcance institucional”, afirma Marcela.
O estudo da Be.Labs revela que os segmentos mais comuns de atuação dessas empreendedoras incluem alimentação (25,7%), moda e beleza (23,5%), artesanato e personalizados (17,3%) e serviços (15,4%), áreas que geralmente exigem menor capital inicial e que, de alguma forma, as mulheres já têm algum tipo de conhecimento, o que facilita o início do trabalho.
Em relação à formalização, 65% têm CNPJ, sendo que a grande maioria (94%) está registrada como Microempreendedora Individual (MEI), com remuneração compatível com esse enquadramento.
A pesquisa mostra, ainda, que a alta escolaridade não garante, necessariamente, maior renda ou segurança financeira: 53,9% das entrevistadas recebem entre um e três salários mínimos por mês e 21,3% contam com uma renda inferior a um salário mínimo.
“O que falta em infraestrutura, essas mulheres compensam com coragem e colaboração. Acredito que o futuro do empreendedorismo brasileiro não está nos grandes centros, mas nas bordas. Nas mulheres que criam, resistem e sonham”, finaliza Marcela.