Facas Ginsu: as facas Ginsu foram importadas para o Brasil pelo Grupo Imagem, uma empresa pioneira em televendas (Reprodução)
Repórter de Negócios
Publicado em 5 de julho de 2025 às 08h12.
Ela cortava pregos, latas, canos — e ainda vinha com brinde.
As facas Ginsu dominaram os intervalos da TV brasileira nos anos 1990 com promessas de durabilidade quase eterna e comerciais barulhentos, sempre finalizados com o famoso telefone: (011) 1406. O número virou sinônimo de televendas, e a Ginsu se tornou um fenômeno de vendas e memória afetiva.
Criadas nos Estados Unidos no fim dos anos 1970, as facas Ginsu foram importadas para o Brasil pelo Grupo Imagem, uma empresa pioneira em televendas que se especializou em vender produtos “incríveis” por telefone, com apelo visual e frases de impacto. A faca era o carro-chefe — mas o sucesso vinha do pacote completo: corte afiado, garantia de 50 anos e um roteiro que começava com “Ela corta até um cano de ferro!” e terminava com “Mas espere, tem mais!”.
Hoje, a marca ainda existe e segue vendendo online, mas sua fama está ancorada no passado. Na televisão brasileira, a Ginsu foi muito mais que um utensílio de cozinha: foi um símbolo de um novo jeito de consumir.
A história das facas Ginsu começa bem antes da fama.
Nos anos 1920, uma empresa chamada Quikut já produzia facas de baixo custo nos Estados Unidos, especialmente conhecidas por sua lâmina serrilhada e resistência razoável. Durante décadas, o produto teve circulação limitada, vendido principalmente em lojas de utensílios domésticos, sem destaque de marca.
Tudo começou a mudar em 1978, quando os publicitários Ed Valenti e Barry Becher assumiram a missão de transformar aquelas facas genéricas em uma máquina de vendas.
A primeira decisão da dupla foi rebatizar o produto. Eles queriam um nome com apelo internacional, que soasse sofisticado e tivesse um toque oriental — não pela origem, mas pela mística que cercava as espadas japonesas. Nascia assim o nome Ginsu, que não tem nenhum significado real em japonês, mas passava a sensação de precisão e poder de corte. Foi o primeiro passo para criar uma marca com narrativa própria, mesmo sem histórico real ligado ao Japão.
Com o nome definido, veio a segunda parte: os comerciais. Inspirados em técnicas de venda direta, os anúncios da Ginsu eram pensados como miniapresentações ao vivo — cheios de frases de impacto, ritmo acelerado e demonstrações absurdas.
Um dos comerciais mais famosos começa com a frase: “In Japan, the hand can be used like a knife…”, enquanto um ator corta uma lata com a mão, até que o narrador intervém: “Don’t do that! You need Ginsu!”. A partir daí, a faca corta pregos, tábuas, latas e ainda fatiava um tomate com perfeição — tudo em menos de 60 segundos.
A ideia era simples, mas revolucionária: mostrar o produto em ação, explorar o contraste entre força e precisão, e criar uma sensação de urgência. "Mas espere, tem mais!" se tornou o bordão que encerrava as ofertas irresistíveis. O preço girava em torno de 9,95 a 29,95 dólares, com entrega garantida e, quase sempre, um brinde adicional. E para coroar, a promessa ousada: garantia de 50 anos, algo inédito em produtos desse tipo.
A estratégia funcionou de forma avassaladora. Entre 1978 e 1985, estima-se que entre 6 e 8 milhões de kits Ginsu foram vendidos no mundo todo, gerando de 30 a 50 milhões de dólares em receita. Nos Estados Unidos, pesquisas de mercado apontavam que 8 em cada 10 americanos sabiam o que era uma faca Ginsu. O nome virou referência, e os comerciais passaram a ser parodiados em programas como Saturday Night Live e Late Night with David Letterman, transformando a marca em ícone cultural.
Por trás da operação estava a Douglas Quikut Division, responsável pela fabricação e distribuição, com sede em Walnut Ridge, Arkansas.
A fábrica chegou a empregar mais de 120 pessoas durante o auge das vendas. Mesmo após o declínio da era dos infomerciais, a marca continuou existindo, mantida pela Scott Fetzer Company, parte do grupo Berkshire Hathaway. Até hoje, a Ginsu vende facas pela internet, com kits mais modernos, mas o mesmo discurso: resistência, versatilidade e a mística de um corte imbatível.
No Brasil, o responsável por transformar as facas Ginsu num fenômeno foi o Grupo Imagem.
Fundada em 1991, a empresa estreou com apenas dois minutos de comercial no programa Jô Soares Onze e Meia, no SBT. O formato funcionou tão bem que, em pouco tempo, o grupo já ocupava madrugadas inteiras na Rede Bandeirantes e em outras emissoras como Manchete, Record e CNT.
As propagandas seguiam um roteiro imbatível: uma faca Ginsu cortava um prego, um sapato, uma lata, um cano e, para encerrar, um tomate ou um pão. A demonstração era sempre acompanhada de frases hiperbólicas, um locutor empolgado e uma oferta com tempo limitado. O número (011) 1406 aparecia em destaque na tela, convidando o espectador a ligar “agora mesmo” e garantir a sua.
O telefone era mais do que um canal de venda — virou uma marca cultural.
Mesmo sem internet, app ou loja, o consumidor comprava o produto com uma simples ligação. O modelo parecia sofisticado na época: em seu auge, o Grupo Imagem recebia entre 1.700 e 2.100 chamadas por dia e mantinha uma equipe de cerca de 140 atendentes espalhados por 40 pontos de São Paulo.
O apelo era sempre o mesmo: ofertas “imperdíveis”, brinde extra e garantia de devolução em até sete dias. Era um tipo de consumo direto e sem intermediação, baseado em urgência, espetáculo e promessa visual. O produto chegava pelo correio, e muitas vezes com mais itens do que o consumidor esperava.
Além das facas Ginsu, o Grupo Imagem popularizou outros itens que marcaram os anos 1990: as meias Vivarina, que prometiam “nunca desfiar”; os óculos Ambervision, que “melhoravam a visão”; e o travesseiro Contour Pillow, que se moldava ao pescoço. Mas nenhum produto teve o mesmo alcance emocional e comercial da Ginsu.
O impacto foi tanto que o número 1406 virou sinônimo de televenda. Foi citado em música dos Mamonas Assassinas, parodiado em Casseta & Planeta e virou piada recorrente na cultura pop da época. Mesmo depois do fim da empresa, nos anos 2000, o telefone continuou na memória de quem cresceu assistindo à televisão aberta.
Depois do auge nos anos 1990, a faca Ginsu desapareceu da TV brasileira — e junto com ela, o modelo de vendas que a transformou em fenômeno.
O número 1406 saiu do ar, os comerciais sumiram das madrugadas, e o Grupo Imagem, responsável por essa operação, deixou de existir.
Nos anos 2000, o Grupo Imagem tentou se reinventar com produtos de emagrecimento e foco em bem-estar, mas já não era o mesmo. OOs últimos registros da marca aparecem em 2004, ainda com algum espaço na programação da CNT.
Já as facas Ginsu não sumiram totalmente. Ainda é possível encontrar os produtos em sites como Amazon, Mercado Livre e outras lojas online, geralmente por importadores ou revendedores independentes. Em alguns casos, kits antigos da “Ginsu 2000” aparecem com visual nostálgico e preços populares, embora a promessa de 50 anos de garantia, na prática, tenha ficado no passado.
A Ginsu, como marca internacional, segue operando fora do Brasil. Ainda pertence à Scott Fetzer Company, do grupo Berkshire Hathaway, e comercializa linhas novas de facas, com foco em design atualizado e apelo de durabilidade.