Council of the Americas: empresários discutem integração e protagonismo latino-americano. (Gort Productions)
Publicado em 21 de outubro de 2025 às 10h15.
No Council of the Americas Symposium 2025, realizado em Miami na última quinta-feira (16), o tom de otimismo deu lugar a uma discussão mais pragmática: o que já está mudando na América Latina.
Diante de mais de 500 líderes empresariais, investidores e autoridades políticas, o consenso foi de que a região tem os recursos e o talento necessários para se reposicionar nas cadeias globais de valor — mas ainda falta coordenação entre governos e empresas.
Entre os participantes estavam executivos como Francisco Gomes Neto, da Embraer; Ariel Szarfsztejn, presidente de comércio e futuro CEO do Mercado Livre; Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank; João Schmidt, da Votorantim; Andrés Velasco, ex-ministro da Fazenda do Chile e reitor da Escola de Políticas Públicas da London School of Economics and Political Science; e Luiz Vasconcelos, presidente da FedEx América Latina e Caribe. O evento também contou com sessões fechadas entre executivos C-level e formuladores de políticas públicas.
Logo após o simpósio, o COA realizou uma cerimônia de gala para homenagear lideranças empresariais latino-americanas, entre elas os brasileiros Francisco Gomes Neto, CEO da Embraer; e Luiz R. Vasconcelos, presidente da FedEx América Latina e Caribe.
A premiação internacional reconheceu o papel dos executivos na expansão global das companhias e na defesa de uma agenda de integração econômica. Na abertura, Maria Lourdes Teran, vice-presidente da AS/COA em Miami, afirmou que o setor privado latino-americano deixou de ser coadjuvante no cenário global. “Precisamos casar otimismo com ação, investimento com reforma e parcerias com responsabilidade”, disse.
“Se quisermos enfrentar temas como segurança e competitividade global, a América Latina precisa agir de forma coordenada”
Susan Segal, presidente do Council of the Americas
O primeiro painel tratou do papel da América Latina em um mundo marcado por tensões geopolíticas e políticas industriais mais nacionalistas. Andrés Velasco afirmou que a globalização está sendo reescrita e que a região pode ter papel central na transição energética — desde que consiga alinhar estabilidade macroeconômica e governança para atrair investimentos sustentáveis.
Luiz Vasconcelos, da FedEx, chamou atenção para o gargalo logístico. Segundo ele, a falta de eficiência e a burocracia aduaneira comprometem a competitividade regional. “Fala-se muito em energia e infraestrutura, mas pouco em modernização aduaneira”, disse.
Enquanto na Europa 70% do comércio ocorre
entre países da própria região, entre os
latino-americanos o índice não passa de 15%
O painel seguinte destacou companhias centenárias que mantêm relevância apesar de crises e mudanças econômicas. Francisco Ruiz-Tagle, da chilena CMPC, e João Schmidt, da Votorantim, apontaram que longevidade é resultado de prudência, diversificação e compromisso com a sociedade.
Schmidt lembrou uma carta do fundador da empresa, escrita em 1960: “Você deve sempre ter um portfólio diversificado. O Brasil é complicado, é volátil… e é preciso ser generoso e retribuir à sociedade”.
Roberto Lara, da guatemalteca Castillo Hermanos, reforçou que a sustentabilidade e a visão de longo prazo são essenciais para a continuidade das empresas familiares. “Nunca sacrificamos o sucesso de longo prazo por resultados imediatos”, afirmou.
Em conversa com Brian Winter, editor-chefe da Americas Quarterly, Francisco Gomes Neto, da Embraer, falou sobre o reposicionamento da companhia após a ruptura com a Boeing, em 2020. “Vendemos mais, reduzimos estoques, cortamos custos e reorganizamos a cultura interna com foco em simplicidade e execução”, disse em entrevista à EXAME.
Atualmente, a Embraer mantém uma carteira de pedidos de quase US$ 30 bilhões, que pode chegar a US$ 48 bilhões com as novas vendas confirmadas no terceiro trimestre. A meta, segundo Neto, é transformar a empresa em uma operação de “dois dígitos de bilhão” em receita.
O executivo também destacou os avanços da Eve, subsidiária da Embraer dedicada aos eVTOLs — veículos elétricos de pouso e decolagem vertical — que devem entrar em operação em 2027. A expectativa é que os chamados “carros voadores” se tornem uma alternativa limpa aos helicópteros urbanos.
A transformação digital foi um dos temas mais citados ao longo do simpósio. Jaime Vallés, vice-presidente da Amazon Web Services (AWS) para Ásia-Pacífico e Japão, afirmou que tecnologia, por si só, não é transformação. “Ela é apenas o facilitador. O verdadeiro desafio está em cultura, talento e mentalidade voltada à inovação”, disse.
Cristina Junqueira, do Nubank, também destacou o impacto da tecnologia na inclusão financeira. Segundo ela, o acesso ao crédito digital se tornou ferramenta de crescimento econômico na região.
No painel seguinte, moderado por Alejandro Anderlic, da Salesforce, executivos discutiram como a digitalização tem ampliado o acesso a crédito e serviços financeiros. Ariel Szarfsztejn, do Mercado Livre, defendeu que a tecnologia deve complementar, e não substituir, o trabalho humano. “Hoje, 20% do nosso código é gerado com apoio de inteligência artificial. Nossos desenvolvedores usam IA para testar, corrigir e escalar soluções em velocidade recorde”, afirmou.
Apesar dos avanços e do discurso otimista, o desafio da integração regional segue no centro do debate. Vasconcelos, da FedEx, lembrou que apenas 10% a 15% do comércio latino-americano ocorre entre países da própria região, enquanto na Europa esse índice chega a 70%. “A América Latina precisa avançar nessa integração”, afirmou.
Susan Segal, presidente do Council of the Americas, defendeu que a cooperação regional deve ir além do comércio. “O mais difícil é criar padrões uniformes, seja nos mercados de capitais ou em questões regulatórias. Isso exige coordenação”, disse.
Ainda assim, Segal vê espaço para avanço: “Mais integração, ou ao menos uma voz comum entre os países, será essencial. Se quisermos enfrentar temas como segurança e competitividade global, a América Latina precisa agir de forma coordenada — e depois, em parceria com os Estados Unidos. Talvez isso ainda não seja integração plena, mas certamente é um passo em direção a um novo patamar de cooperação regional.”