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'Temos aversão ao delivery': a rede de botecos de R$ 17 milhões que lota sem vender por aplicativo

Grupo Hungry aposta em atendimento 100% presencial, cresce 15% ao ano e se prepara para abrir novas casas em São Paulo a partir de 2026, sem depender de entregas

Mariele Horbach e André Silveira, do Grupo Hungry: “Não faz sentido vender uma coisa que não representa o que somos. Nosso produto não é comida. É ambiente, conversa, experiência. Nada disso chega bem numa caixa.” (Grupo Hungry/Divulgação)

Mariele Horbach e André Silveira, do Grupo Hungry: “Não faz sentido vender uma coisa que não representa o que somos. Nosso produto não é comida. É ambiente, conversa, experiência. Nada disso chega bem numa caixa.” (Grupo Hungry/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 9 de setembro de 2025 às 09h06.

Última atualização em 9 de setembro de 2025 às 09h24.

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Numa sexta-feira à noite ou durante o fim de semana, quem passar pelo boteco Garota da Vila, na Vila Olímpia, bairro movimentado entre a zona Oeste e Sul de São Paulo, vai ter uma experiência típica: cerveja gelada, samba ao vivo e público cheio entre as mesas da calçada.

A única coisa que talvez chame atenção é a ausência de motocicletas na porta. Não há entregadores do iFood, 99Food, Rappi ou qualquer outro aplicativo — e isso não é um acaso.

O Grupo Hungry, dono desse e de outros dois bares em São Paulo, decidiu que vai crescer na contramão do delivery.

Enquanto o setor de alimentação por aplicativo movimentou mais de 40,5 bilhões de reais em 2023, segundo Statista e Mobills, a empresa aposta no atendimento presencial como modelo de negócio — e assim lota as suas mesas.

Neste ano, a rede deve fechar com uma receita de até 17 milhões de reais, crescimento de cerca de 15% em relação a 2024, sem abrir novas unidades.

Para 2026, a meta é atingir 22 milhões de reais com a retomada da expansão, ainda dentro do modelo de casas próprias.

“Nós temos aversão ao delivery”, afirma André Silveira, sócio-fundador do grupo. “Não faz sentido vender uma coisa que não representa o que somos. Nosso produto não é comida. É ambiente, conversa, experiência. Nada disso chega bem numa caixa.”

O plano para o futuro é claro: reforçar a estrutura interna em 2025 e voltar a abrir bares em 2026 — um por ano, com controle direto e possível entrada de sócios minoritários.

Qual é a história do grupo Hungry

O Grupo Hungry nasceu em 2012, quando o publicitário carioca André Silveira e a chef Mariele Horbach abriram o primeiro bar da rede, o Garota da Vila, em São Paulo. Ele, vindo do mercado de propaganda. Ela, com experiência familiar em restaurantes no Rio de Janeiro.

A ideia inicial era simples: criar um boteco com alma carioca na capital paulista.

No início, a operação ficou no vermelho por quase dois anos.

O ponto era grande demais, a cozinha era pouco eficiente e faltava conhecimento sobre o público local. Para contornar a situação, os dois decidiram trocar de função: Mariele assumiu a cozinha por completo, enquanto André passou a cuidar do atendimento e da operação no salão, no estilo “boteco raiz” que conheciam bem.

“O começo foi muito difícil. Era tudo novo pra gente. Mas a gente foi aprendendo na marra. Quando a gente passou a se dedicar 100%, o negócio virou", diz Mariele.

Com a casa já estabilizada, vieram os próximos pontos.

Em 2017, o casal abriu duas novas unidades: o Bar Jobim, em Moema, e o Garota da Chácara, na zona sul. Com a chegada da pandemia, em vez de parar, o grupo dobrou a aposta: fez reformas, ampliou o Jobim e lançou uma hamburgueria delivery chamada Vaca Louca — que mais tarde seria descontinuada.

“A pandemia foi um divisor de águas. A gente entendeu que o que sustentava nossos bares era a relação com as pessoas. O cliente vinha bater papo na porta, trazia a família, pedia açúcar emprestado. A gente virou extensão da casa de muita gente”, diz André.

Como crescer sem delivery em plena era da conveniência

A decisão de abandonar o delivery veio depois de testá-lo.

Durante a pandemia, o grupo chegou a operar por aplicativos de comida, mas a experiência não convenceu.

“A gente vendia 60.000 reais por mês e recebia 30.000. Era como ter um sócio”, diz André.

Mais do que margem, a decisão foi de identidade.

“Não gostamos nem como clientes. Um bife ancho chega seco, um hambúrguer esfria, a gordura vira sebo. A nossa comida não foi feita pra isso”, afirma.

Segundo Mariele, o delivery também criava ruído na operação interna. “A cozinha ficava confusa. Era um cliente querendo arroz à piamontese na mesa, outro pedindo estrogonofe para entregar, outro esperando o petisco do bar. Era bagunça. A gente trabalha com experiência, e isso atrapalhava.”

“A gente prefere saber o nome do cliente, receber a mãe dele no sábado, zoar sobre futebol no balcão. Não somos conveniência. Somos entretenimento”, diz André.

A recusa ao digital virou diferencial — e fortaleceu a marca.

Os bares se posicionam como “botecos cariocas raízes”, com feijoada de sábado, samba ao vivo e decoração cheia de referências pessoais dos fundadores.

“Meu pai disse outro dia: esse bar está cada vez mais parecido com o seu quarto. Para mim, era um elogio”, brinca André.

A estrutura familiar que virou empresa — e se prepara para escalar

Até 2022, o Grupo Hungry era uma operação 100% familiar, sem estrutura corporativa. Mariele e André cuidavam de tudo — do cardápio à folha de pagamento. Com o crescimento, veio a necessidade de profissionalizar a gestão.

Hoje, o grupo conta com time administrativo, setor de RH e compras, além de um escritório próprio.

“A gente passou muito tempo equilibrando os pratinhos. Mas chegou a hora de estruturar para crescer. Não dá pra abrir nova casa se você nem sabe direito quanto cada uma fatura ou gasta”, diz André.

Em 2025, o foco está em reestruturação interna, treinamento da equipe e reformulação do cardápio — que trará ainda mais referências aos botecos clássicos do Rio de Janeiro.

A partir de 2026, o Grupo Hungry pretende abrir uma nova casa por ano — duas, se aparecer o ponto certo.

A expansão será feita com capital próprio ou em parceria com sócios minoritários, em modelo coligado.

“Se a gente abrir o Garota do Tatuapé, por exemplo, pode ter um sócio com 30%. Mas o controle segue com a gente”, afirma André.

Franquia, por enquanto, está fora do plano.

“Ainda não conseguimos nos apaixonar por esse modelo. Assim como o delivery, a franquia tira a gente de perto do cliente. E isso é o que a gente mais gosta”, diz.

Apesar disso, o grupo já recebeu sondagens para abrir fora de São Paulo — no Rio, de onde vem a dupla fundadora, e até em Fortaleza.

“A gente adoraria, mas ainda não dá. Temos filhos pequenos e nossa operação depende da nossa presença. Quando abrirmos fora, tem que ser com alguém de muita confiança.”

Enquanto isso, os bares seguem cheios. Sem entregas.

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