Pablo Cruz Guerrero vive o personagem mais famoso de Bolaños no seriado do HBO Max (Chesperito/ Divulgação/ HBO Max)
Repórter
Publicado em 1 de agosto de 2025 às 05h03.
Última atualização em 1 de agosto de 2025 às 09h43.
Ao final do seriado "Chespirito: foi sem querer querendo", disponível no catálogo do HBO Max (nada contra Max, mas tudo a favor da HBO voltar), fica a pergunta: por que "Chaves", com tudo aquilo que o público já conhece, continua fazendo sucesso 50 anos depois de sua estreia na TV mexicana?
A nova produção traz oito episódios sobre uma parte da vida de Roberto Gómez Bolaños, a mente criativa por trás de personagens que milhões de brasileiros conhecem. Os mais famosos Chapolin e, claro, Chaves, que já eram populares muito antes do streaming sequer entrar no plano das ideias.
Personagem ganhou popularidade em vários países da América Latina (Divulgação)
No México, país que lançou o seriado original do menino pobre de um cortiço para o mundo, o programa foi exibido entre 1973 e 1980, e continuou como um quadro do programa "Chespirito" até junho de 1992. Segundo uma publicação da Forbes, desde que interrompeu a produção, "Chaves" faturou, em 20 anos, US$ 1,7 bilhão em taxas de distribuição para a Televisa, que detém os direitos audiovisuais da série.
Mas o sucesso mesmo não veio do México e sim da exibição em outros países. As reprises na TV regular representaram US$ 1,5 bilhão do valor total do faturamento da Televisa com o programa. Boa parte desse valor veio, inclusive, do Brasil.
Cena do filme "El Chanfle", lançado em 1979 e dirigido por Enrique Segoviano
Existe um motivo para que o Brasil esteja na lista dos países que mais consumiu os programas de Bolaños. Por aqui, a transmissão no início dos anos 1990 e 2000 foi diária, e contou com a qualidade da dublagem dos estúdios MAGA.
O SBT começou a transmitir a comédia em 1984 e foi a única a exibir as produções em território nacional até 2010, quando o Cartoon Network adquiriu os direitos dos seriados "Chaves" e "Chapolin", além de novos episódios do "Chaves em Desenho Animado".
Entre 2018 e 2020, Chaves, Chapolin e outras esquetes de Bolaños foram exibidas no Multishow. Foi um período importante: mais de 100 episódios que nunca tinham sido dublados pelo SBT chegaram aos fãs.
O amor do público brasileiro pelo personagem foi transformado em audiência. Muita audiência. O dia 20 de junho de 1990, por exemplo, foi histórico: o seriado registrou nada menos que 36 pontos de audiência, batendo o boletim da Copa do Mundo da Itália no Jornal Hoje, poucas horas do jogo Brasil x Escócia.
Ao longo do tempo, o seriado de Chespirito foi usado como um coringa na programação do SBT, sempre dando bons números de audiência, independentemente do horário. Em seu retorno à grade regular da emissora de Silvio Santos, no final de 2024, a comédia mexicana chegou a marcar quase cinco pontos no Kantar Ibope, sendo por vários dias o programa mais assistido do canal.
Brasil à parte, o primeiro país que transmitiu a série fora do México foi a Guatemala. Mais tarde, Porto Rico, República Dominicana e Equador. Depois, o seriado se espalhou por todo o continente americano, com exceção de Cuba. Em 1975, estima-se que já contava com 350 milhões de espectadores, segundo dados da própria Televisa, emissora mexicana que detentora dos acordos para transmitir a obra do artista.
Na Europa, Espanha e Itália exibiram a obra de Chespirito, o pequeno Shakespeare. Na terra de Leonardo da Vinci, Chaves virou "Checco" e Quico,"Chicco". Na África, Moçambique e Angola tiveram exibições dos programas. Até o Japão também teve Chaves e Chapolin em suas telas.
Ao todo, o seriado foi traduzido para mais de 50 idiomas. Segundo reportagem da Forbes, teve média de 91 milhões de espectadores diários em todos os mercados nos quais era distribuído nas Américas[/grifar]. Nos Estados Unidos, figurou entre os cinco principais programas em espanhol transmitidos em canais fechados, como o Galavision.
A distribuição contribuiu para o aumento considerável da fortuna de Roberto Bolaños. Em 2014, ano de sua morte, o jornal mexicano Diário Presente divulgou que a herança deixada pelo ator seria superior a R$ 1 bilhão.
De acordo com dados da Forbes, entre 1992 e 2012, cada episódio de suas séries gerou uma arrecadação média de R$ 3,32 milhões. Com isso, estima-se que sua fortuna tenha alcançado aproximadamente R$ 1,78 bilhão em royalties.
Lembrando que Chaves também teve jogo lançado para Wii e o Chaves Kart para Xbox 360 e Playstation 3. Fora bonecos, quadrinhos etc. Ou seja, se a mais célebre criação de Bolaños era pobre, na vida real a situação era bem diferente.
Como todo império audiovisual que se constrói com direitos de transmissão, os programas de Bolaños também enfrentaram impasses jurídicos. Já dizia o personagem: "foi sem querer, querendo".
Em julho de 2020, em plena pandemia, todas as emissoras que exibiam "Chaves" no mundo inteiro tiveram que suspender a veiculação do seriado em suas grades de programação devido a impasses entre a Televisa e o Grupo Chespirito, titular dos roteiros dos episódios. Nem no YouTube era possível ver trechos do programa.
Mais de quatro anos depois, em setembro de 2024, o Grupo Chespirito e a Televisa chegaram a um acordo após longa rodada de negociações. O primeiro país a anunciar a volta da série foi os Estados Unidos. Logo depois, foi a vez do México. No Brasil, o seriado retornou em 12 para outubro (sugestivamente, o Dia das Crianças) para o SBT.
O que antes era uma guerra de direitos de transmissão na TV, hoje o campo de batalha acontece com os streamings.
Os fãs de Chespirito podem dizer que "estão no paraíso": diversas plataformas fizeram acordos para exibir episódios de "Chapolin", "Chaves", "Doutor Chapatin" etc.
O Globoplay já tem episódios em seu catálogo e promete oferecer no total 88 de "Chaves" e 88 de "Chapolin" —, com a opção de áudio dublado em português ou original em espanhol, com legendas. Além disso, séries voltarão à grade do Multishow a partir de 4 de agosto, de segunda a sexta, às 10h30.
Já a Amazon anunciou a compra dos direitos de transmissão dos programas de Roberto Bolaños na América Latina (exceto México) e vai oferecer mais de 500 episódios pelo Prime Video. Hoje, o streaming já exibe 120 de Chaves e 200 de Chapolin, fora as temporadas dos desenhos animados dos dois personagens.
No SBT, além da transmissão diária na faixa noturna, alguns capítulos estão no streaming do canal, o SBT+.
O último grande player que anunciou "Chaves" foi a Netflix. Após nove anos, os episódios voltam ao catálogo do streaming em 11 de agosto.
Os atores de Chaves e Dona Florinda tiveram um romance no meio das gravações, o que azedou o clima no elenco (Divulgação)
Diante do sucesso dos seriados originais, a novo produção, que já está disponível no catálogo da HBO Max, foi inspirada na autobiografia de Bolaños, "Sem querer querendo", lançada no Brasil em 2021 pela Estética Torta. Teve o roteiro assinado pelos filhos dele, Roberto Gómez Fernández e Paulina Gómez Fernández.
No início de cada episódio existem as mensagens que, para quem assiste a muitos filmes ou séries, já são indicativos que há confusão à vista: "baseada em fatos reais", "alguns personagens tiveram os nomes modificados" e por aí vai.
Na seriado, Florinda Meza (Dona Florinda) é retratada como Margarita Ruiz, e Carlos Villagrán, (Quico) virou Marcos Barragán. Os dois não autorizaram o uso dos nomes originais. Meza, inclusive, usou as redes sociais para criticar a versão da história que foi ao ar a cada episódio lançado.
Florinda e Villagrán, que tiveram um caso durante as gravações de Chaves, são retratados na série como pessoas com temperamento difícil e desagregadoras. O restante do elenco é mostrado com características exatamente opostas: seres humanos doces que fazem de tudo para tornar o convívio mais fácil. O espectador precisa ter atenção a isso para não cair em maniqueísmos baratos.
Mesmo casado e tendo o apoio da família em momentos de pressão na carreira, Chespirito pulou a cerca com Florinda Meza, na época noiva de Enrique Segoviano, diretor dos programas de Bolaños. É de se imaginar o clima no set. No seriado, Segoviano virou Mariano Casasola.
Esse affair teria começado na turnê que o elenco fez no Chile em 1977. No ano seguinte, no famoso episódio gravado em Acapulco, a traição teria se consolidado, segundo o que mostra a série. O casamento de Roberto com Graciela terminaria ali, e a convivência entre os artistas também já estava desgastada.
Carlos Villagrán deixou o elenco logo depois dessas gravações, seguido por Ramón Valdés, o Seu Madruga. O criador do "Chaves", depois, assumiu o relacionamento com Florinda, tendo oficializado a união apenas em 2004.
Os fatos, porém, indicam que os relacionamentos de Meza com o elenco e Villagrán com Bolaños foi difícil. Talvez isso seja o grande barato do seriado: dar uma versão de como eram os bastidores das gravações, como os atores conviviam entre si e de que maneira Chespirito liderou essa trupe durante a década de 1970.
Aqui, um ponto bastante positivo da série: a escolha do elenco. Todos estão incríveis em suas interpretações, sobretudo Pablo Cruz Guerrero (Roberto na fase mais velha), Paulina Dávila (Graciela Fernández, a primeira esposa de Roberto e mãe de seus seis filhos) e Barbara López (Margarita Ruiz).
Não por acaso é nesse triângulo que o seriado ganha em drama.
Depois de oito episódios, não é difícil responder à pergunta do início do texto. Roberto Gómez Bolaños foi um gênio da comédia. De um barril numa vila pobre do México para o mundo.