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Vencedor em Gramado, 'Cinco Tipos de Medo' é ousado na montagem, mas vem de um terreno 'conhecido'

Em entrevista à EXAME, Bella Campos e Xamã destrincham detalhes sobre a primeira produção mato-grossense a receber o maior prêmio do festival gaúcho de cinema

'Cinco Tipos de Medo': filme vence maior prêmio do Festival de Gramado de 2025 (Cinco Tipos de Medo/ Divulgação)

'Cinco Tipos de Medo': filme vence maior prêmio do Festival de Gramado de 2025 (Cinco Tipos de Medo/ Divulgação)

Luiza Vilela
Luiza Vilela

Repórter de POP

Publicado em 25 de agosto de 2025 às 07h43.

Última atualização em 25 de agosto de 2025 às 07h54.

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Gramado (RS)* - No bairro do Jardim Novo Colorado, periferia de Cuiabá (MT), uma senhora sai em busca de um advogado porque seu neto, que um dia quer cursar Direito, já não consegue sair de casa de noite. O crime tomou conta do local depois que o chefe do tráfico da região, "Sapinho", foi preso. E ela, na esperança de recuperar a segurança que o Estado não promove, traz o dinheiro da comunidade para que o advogado o libere da prisão.

A cena, um recorte do impacto da criminalidade na periferia da capital mato-grossense, faz parte do vencedor do 53º Festival de Cinema de Gramado como Melhor Filme, "Cinco Tipos de Medo", de Bruno Bini. A produção competia na Mostra de Longas-Metragens Brasileiros e tem entre os protagonistas Bella Campos ("Vale Tudo"), o rapper Xamã e Rui Ricardo Dias ("Impuros").

"A palavra para definir a forma como fizemos esse filme é generosidade", disse o diretor e roteirista Bruno Bini durante a cerimônia de premiação do festival, realizada no último sábado, 23. "É uma história que nasce no Jardim do Novo Colorado para tomar as telas deste festival incrível, e eu fico feliz que ela tenha encontrado eco no coração de vocês. Isso para mim é gigantesco".

Baseado em fatos reais, o longa de ação e suspense interliga cinco histórias diferentes de pessoas afetadas pelo tráfico, e é uma espécie de continuação do primeiro trabalho de Bini em um curta-metragem, "Três Tipos de Medo".

Murilo (João Vitor Silva), um jovem músico em luto, se envolve com a enfermeira Marlene (Bella Campos), que cuida dele durante a pandemia e está presa a um relacionamento abusivo com Sapinho (Xamã). A história dos dois cruza a de Luciana (Bárbara Colen), uma policial que encontra o filho assassinado, e Ivan (Rui Ricardo Dias), advogado que perdeu a esposa grávida.

Xamã é Sapinho em "Cinco Tipos de Medo", vencedor do Festival de Gramado (Cinco Tipos de Medo/ Divulgação)

Do rap para o cinema

"Cinco Tipos de Medo" foi a primeira produção do centro-oeste a vencer o maior prêmio do festival, e ainda saiu de Gramado com outros três Kikitos na bolsa — melhor roteiro e montagem para Bini e melhor ator coadjuvante para Xamã. Foi a estreia do rapper nas telonas, no papel do chefe do tráfico.

"Sempre fui muito apaixonado por cinema, mas era coisa de fã", disse o cantor (e agora, ator) em entrevista à EXAME. "E sempre tentei trazer um pouco dele para a minha música, nos meus clipes, da maneira que pude. Quando a oportunidade surgiu de verdade, foi muito fascinante, quis saber o nome das lentes, reconhecer como funcionavam as coisas por trás das telas. Foi um passo muito grande para mim".

Xamã começou no rap pelas batalhas de rima, em 2016. Nascido em Setiba, Zona Oeste do Rio de Janeiro, ele hoje trabalha com mais de 9,5 milhões de ouvintes mensais no Spotify para seus três discos. Já embarcou em diversas turnês internacionais, com shows nos Estados Unidos, Europa, África e Austrália, e fez parte de alguns coletivos de hip hop, como Cartel MC’s, Poesia Acústica, entre outros.

"Eu sempre falo que o rap tira as pessoas do crime, e é por isso que eu faço o que eu faço. Ninguém é mau porque é mau, eu acho que ele [Sapinho] é vítima da sociedade. Você se depara com a violência o tempo todo, você acorda para comprar pão e vê uma arma, tiro, gente morrendo. Uma hora você vai naquela atmosfera, o problema é o que você faz com isso", disse ele à EXAME. "O que eu aprendi com o cinema é que nenhum personagem é uma chapa: você precisa desenvolver tudo, ir criando as camadas da cebola".

Bella Campos é Marlene em "Cinco Tipos de Medo", vencedor do Festival de Gramado (Cinco Tipos de Medo/ Divulgação)

'Vale Tudo' na primeira vez no cinema?

A maior parte das interações de Xamã no estúdio foram com Bella Campos. A atriz, que divide o protagonismo do longa com João Vitor Silva, vive um momento de ascensão na carreira enquanto interpreta Maria de Fátima em "Vale Tudo", novela da TV Globo. Assim como foi com o rapper, "Cinco Tipos de Medo" é o primeiro trabalho dela nas telonas.

"Foi a primeira vez que eu peguei um roteiro que tinha o meu linguajar, que falou dos lugares onde eu cresci, dos lugares que eu conheço. Ele ter sido roteirizado, dirigido e produzido em Cuiabá foi um grande presente", disse a atriz em entrevista à EXAME. "Quero que seja um abre-portas para outras atrizes cuiabanas".

Campos interpreta Marlene, uma enfermeira envolvida com o chefe do tráfico na periferia de Cuiabá. A personagem passou por ajustes sugeridores pela atriz e acatados pelo diretor, que envolveram tanto repensar parte do figurino até modificar o final da história.

"O Bruno [Bini] entendeu que o papel dele era realmente fazer essa ponte entre os atores e os personagens. Ele deu muita escuta, muita voz, muita carta-branca para discutirmos a Marlene. O final dela nós pensamos muito como seria, mudamos as coisas. Eu fico muito feliz de poder acrescentar coisas, é o que busco fazer também na Maria de Fátima", comentou a atriz.

"Na novela, já existe um roteiro diferente da obra original, mas eu tenho muita liberdade para criar mais. O cabelo da Maria de Fátima que hoje é um sucesso fui eu que escolhi, me deram essa oportunidade. O próprio figurino eu construo muito com a Marie Salles, nossa figurinista. Eu sinto essa equipe muito aberta para escuta, é o que torna ela tão humana".

53º Festival de Cinema de Gramado: “Cinco Tipos de Medo”, de Bruno Bini recebe o prêmio de Melhor Filme, entregue por Marcus Aurelius Valente, Gerente Geral da Petrobras (Edison Vara/Ag.Pressphoto)

Ousado na forma, comum na crítica

A proposta, ainda que carregue um tema que não é nada novo para o cinema brasileiro, é bastante ousada em sua montagem e construção de roteiro. O ritmo é acelerado, e apresenta uma parte ínfima de um todo que convida o público a ir descobrindo a conexão entre os personagens aos poucos.

Essa conexão singular do texto foi uma construção longa. O filme teve o roteiro produzido ao longo de 10 anos, com a primeira versão aprovada em um edital de 2015. "Só se tornou realidade com apoio de mecanismo de fomento que são fundamentais e precisam ser fortalecidos cada vez mais no Brasil", disse Bruno Bini no festival.

A produção também abre as portas para repensar a atuação do Estado diante da atuação do tráfico de drogas nas periferias, e cutuca a ferida do combate à pandemia de Covid-19. Mas mais do que tudo faz refletir sobre o quanto o luto pode ser um grande fio condutor de uma gigante espiral de violências.

O que "Cinco Tipos de Medo" tem de mais interessante é a capacidade de induzir o espectador ao erro. Essa interação pouco confiável, que mistura ação e suspensa para deixar quem assiste sempre com "a pulga atrás da orelha", sem dúvidas foi o principal motivador para a conquista do Kikito de Melhor Filme.

*A repórter viajou a convite da Gramado Parks para cobertura do 53º Festival de Cinema de Gramado

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